Os detalhes do assassinato de Amarildo, e os frutos da militarização da PM

Do O Globo

Ministério Público revela detalhes do assassinato de Amarildo
 
Nova denúncia contra acusados de matar pedreiro incrimina 25 PMs no total
 
O medo de morrer levou um policial militar da UPP da Rocinha a romper o silêncio que cercou de sombras, por cerca de três meses, os momentos de horror que marcaram a agonia e a morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza. Ao longo desse tempo, até revelar em detalhes o que aconteceu nos 40 minutos em que a vítima foi torturada dentro de um contêiner, ele foi perseguido por colegas de farda. Um dia, ao chegar ao trabalho, seu armário estava pichado com a inscrição X-9, dedo-duro na gíria policial. Com medo de ter o mesmo destino de Amarildo, o PM acabou por contar tudo que viu e ouviu no dia 14 de julho, quando o morador da Rocinha foi sequestrado. As revelações compõem um minucioso quadro do crime apresentado nessa terça-feira durante uma entrevista coletiva de promotores no Ministério Público estadual, encerrada com a notícia de que mais 15 PMs seriam denunciados, totalizando 25 acusados do brutal assassinato.
 
Com a prisão do major Édson dos Santos, ex-comandante da UPP, e de outros nove policiais militares no último dia 4, o PM, cuja identidade é preservada, resolveu revelar à polícia que a sede da unidade havia sido transformada num local de tortura, tão violenta quanto a do tráfico que dominou por tantos anos a comunidade. Ao decidir não sustentar mais a versão que, segundo ele, era imposta pelo major, o policial convenceu quatro PMs mulheres, que também estavam lá, a fazerem o mesmo. Elas prestaram depoimento no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Duas haviam sido obrigadas a ficar em um outro contêiner, bem perto de onde Amarildo era agredido. Ouvindo a tortura, elas entraram em pânico, caíram em prantos e tentaram deixar o local, mas foram impedidas, de acordo com o inquérito, por outros policiais. O relato é de que uma delas tapou os ouvidos para não escutar os gritos de dor e pedidos de ajuda de Amarildo.

 
Ainda de acordo com a denúncia, logo após a morte do morador da Rocinha, foi montada uma farsa para atribuir o crime ao tráfico. O desaparecimento do ajudante de pedreiro, no entanto, ganhou as redes sociais, onde foi criado e ganhou força um movimento que correu o mundo com a pergunta: Cadê Amarildo?.
 
Foi o temor em relação ao comandante e a seu grupo que fez com que tantos policiais calassem por tanto tempo um fato tão grave. É impressionante o poder de intimidação deles afirmou a promotora de Justiça Carmen Eliza Bastos de Carvalho, que, junto com o coordenador do Gaeco, Gláucio Cardoso da Conceição, e o promotor Daniel Faria Braz, assinou a nova denúncia entregue ontem na 35ª Vara Criminal.
 
Quatro PMs seriam executores
 
Com base nos novos depoimentos, nos 133 relatos feitos na primeira fase do inquérito na Divisão de Homicídios e em mais 32 mil ligações telefônicas interceptadas, além de outras provas periciais, como a análise das vozes dos acusados, o MP denunciou terça-feira mais 15 policiais por envolvimento na tortura e morte de Amarildo. Quatro PMs foram identificados como autores (executores da sessão de tortura): o tenente Luiz Felipe de Medeiros, o sargento Reinaldo Gonçalves e os soldados Anderson Maia e Douglas Roberto Vital. O major Édson dos Santos é apontado como mandante. O oficial responderá também por crimes de fraude processual, ocultação de cadáver e formação de quadrilha armada (este último junto com outros 14 policiais).
 
Os promotores pediram a prisão preventiva, e a Justiça decretou, de mais três policiais: o sargento Reinaldo Gonçalves que teria tido envolvimento direto na tortura e os soldados Lourival Moreira e Wagner Soares do Nascimento. Os três faziam parte do mesmo grupo tático de policiamento e não apareceram num primeiro momento porque seus nomes haviam sido omitidos da escala de plantão. Até a manhã de ontem, continuavam trabalhando na UPP da Rocinha. O MP requisitou também que a Polícia Militar suspendesse todos os envolvidos.
 
O destino de Amarildo cujo nome sequer constava das investigações que deram origem à Operação Paz Armada, de repressão ao tráfico na Rocinha, durante a qual ele foi detido foi selado quando uma informante do soldado Vital ligou para ele, no domingo, dia 14 de julho, às 18h05m. Ela telefonou para dizer que o ajudante de pedreiro era conhecido como Boi e estava no Bar do Júlio, numa das áreas mais pobres da comunidade conhecida como Roupa Suja, com a chave do paiol da quadrilha. Depois de 36 horas de uma operação que não apreendera sequer uma pistola, o então comandante da UPP, major Édson Santos, determinou, segundo o MP, que Amarildo fosse levado para a unidade e trabalhado (torturado). Os vizinhos e o dono do bar ainda tentaram impedir que Amarildo fosse levado, dizendo que ele era trabalhador, mas não foram ouvidos.
 
Além dos quatro denunciados como executores e do major, 12 PMs (três são mulheres) são acusados de vigiar a sede da UPP durante a tortura de Amarildo. Uma das acusadas, a soldado Thaís Rodrigues Gusmão, foi responsável por desligar as luzes para facilitar a retirada do corpo de Amarildo pelo telhado da UPP, que dá para uma área de mata. Outros oito PMs que estavam no local, mas nada teriam feito para impedir a morte da vítima, são acusados de omissão. Eles também vão responder por tortura seguida de morte.
 
Para o MP, apenas quatro dos PMs que estavam na UPP não tiveram envolvimento algum:
 
Eles pediram que parassem a tortura e um deles chegou a ser hostilizado pelos demais, que faziam chacota, dizendo deixa de ser frouxo, tu é polícia! (sic). Eles nada puderam fazer e contaram que não falaram antes por medo. Já os outros oito policiais que estavam no contêiner mantiveram a versão falsa e não demonstraram em nenhum momento a intenção de cessar a tortura. Eles vão responder por tortura seguida de morte, na modalidade omissão afirmou Carmen Eliza Bastos.
 
Óleo para encobrir provas do crime
 
Segundo ela, logo após o crime, o tenente Medeiros jogou óleo no local para apagar provas, como manchas de sangue. Ainda de acordo com a promotora, sabendo que o telefone de um PM infiltrado estava sob interceptação, os policiais forjaram uma ligação telefônica para ele. Um deles se passou pelo traficante Catatau e assumiu a responsabilidade pela morte de Amarildo. A perícia técnica da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP analisou a voz dos 34 PMs citados no processo e concluiu que o soldado Marlon Campos Reis foi o autor da ligação. Através de levantamento da Estação Rádio-Base, os investigadores rastrearam o aparelho do PM Vital que estaria com Marlon quando ele fez a ligação.
 
Eles sabiam que a ligação seria gravada. O soldado Marlon liga dizendo que é o Catatau, acusa o policial de X-9 e diz que ele terá o mesmo destino de Boi. Depois, ainda fala que colocará a morte de Boi na conta dele. O major passa a apresentar o áudio da suposta ligação de Catatau nas reuniões com os policiais para afirmar que Amarildo foi liberado e depois morto por traficantes. Foi uma forma que ele arranjou de intimidar e coagir os policias, de dizer que a tortura não aconteceu. Mas não há (proteção) acústica nos contêineres e todos ouviram tudo explicou a promotora.
 
Cada acusado pode receber uma pena que varia de nove anos e quatro meses a 33 anos de prisão.
 
O coordenador do Gaeco, Cláucio Cardoso da Conceição, afirmou que as investigações complementares só foram possíveis graças ao excelente trabalho da Divisão de Homicídios e da 8ª Delegacia Judiciária da PM. Também participaram da coletiva os promotores Daniel Faria Braz; Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, que apura outros crimes imputados aos PMs no processo da Auditoria Militar; e o corregedor da PM, Cezar Tanner.
 
Em nota, o advogado Marcos Espínola, que faz a defesa dos soldados Douglas Roberto Vital Machado, Jorge Luís Gonçalves Coelho, Victor Vinícius Pereira da Silva e Marlon Campos Dias, afirmou que as informações divulgadas pelo MP não constam do processo e que seus clientes negam as acusações.
 
O corregedor Cezar Tanner disse que nunca viu um caso como esse:
 
A gente não sabe o que se passa na cabeça das pessoas.

 

Redação

14 Comentários

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  1. Tristeza

    Que triste, e o pior é que isso acontece em todo o país, em qualquer cidade, em GO a coisa é feia, por isso nossos parabéns a estes(as) policiais que, apesar dos riscos, não se calaram. Mas o problema não é o modelo UPP e sim a truculência policial, as mortes que são justificadas por um simples BO onde consta coisa tipo “resistência à prisão” ao ser abordado, isso tem que acabar, a polícia precisa ser humanizada, pq não uniforme ao invés de farda, pq não um sistema civil no lugar do padrão militar, enfim, por uma polícia que nos faça sentir seguros e não amedontrados diante de sua simples presença.

  2. Tem que ter um MP desses é em

    Tem que ter um MP desses é em SP, só assim para sabermosao certo aquele assassinato da família de policiais que  dizem, ter sido o menino.

  3. Caso Amarildo

    Vamos deixar BEM  CLARO. Cadeia para todas as BESTAS FERAS que usam fardas, indevidamente.

    Mas vamos RESPEITAR,  também, todos aqueles que trabalham pela NOSSA segurança. E não me digam que NÃO PRECISAM DE POLÍCIA, para defendê-los. TODOS nós precisamos.

    Nenhum lugar do mundo, NEM A SUÉCIA, pode dar-se ao luxo de extingiu-la.

    E vamos deixar CLARO TAMBÉM…as UPPs AINDA SÃO O QUE HÁ DE MELHOR NA CONQUISTA DE TERRITÓRIOS PARA A CIDADANIA.

    Contudo, alguém podia fazer um favor à cidadania: TRANCAR ESTAS BESTAS FERAS, E JOGAR A CHAVE FORA!

    Eu apoio as UPPs.

    1. coronel Kurtz?

      são bandidos, isso ocorre porque a policia paga mal, por pagar mal, individuos de má cepa se apresentam, e dar poder para gente assim acaba no que vimos!  junte isso a amoralidade tipica do brasileiro, que tem no lema de Gerson o leifmotiv etico!

      1. Há algum tempo

        verificaram qual seria a PM mais profissional do Brasil, para ver como se poderia estender o modelo para as demais. A que ganhou foi a PM de Minas Gerais; achava-se na época que um dos motivos eram salários melhores, mas a surpresa foi que o salário da PM mineira na época era um dos mais baixos do Brasil. 

        Acho que foi por isso que deixaram o estudo de lado.

        Um diferencial da PM de Minas em relação às PMs do Rio e de São Paulo era que, mesmo durante o regime militar, o quadro dirigente era composto únicamente por oficiais da própria PM, sem nenhuma intervenção do Exército, como foi no Rio e em São Paulo. 

        Estes comandantes “interventores” do exército fizeram, ao que parece, essas PMs perderem os rumos, quando então os oficiais PMs mais baixos da hierarquia nem sempre foram atendidos. Já em Minas esses oficiais sabiam que tinham diálogos.

        Os problemas que a PM de Minas enfrenta não são muito diferentes das outras congêneres citadas, mas são resolvidos de forma muito mais profissional. Em Minas não temos nem um décimo desses problemas típicos do Rio e de São Paulo. 

        Por isso, a tal idéia de se acabar com a PM é mais regional (RJ & SP), do que nacional. Típico de quem acha que o que se passa por lá, também passa no restante do Brasil, o que sempre está errado. 

        1. a ditadura acabou a 30 anos!

          paremos com essa desculpa, os homens que torturavam na ditadura ou morreram ou estão aposentados, os novos crapulas são indecentes por natureza!  são corruptos por opção.  Foram para a policia já com o intento de usar a farda como disfarce para sua personalidade cruel!

          militarização não tem nada com violencia, abuso e desrespeito a lei, o que provoaca isso e impunidade e corporativismo,  se houvesse mesmo o interessem em punir policiais criminosos eles seriam punidos, como esperar isso se nossos politicos são tão sujos quanto os policiais,  eles somente sabem punir o povo, basta ver a celeridade com que aprovaram leis punindo manifestantes!!!

  4. Durante um certo tempo

    Durante um certo tempo usou-se o termo , “entulho da ditadura” , para evidenciar a herança maldita dos anos de chumbo. A PM é o típico entulho autoritário da ditadura , herança maldita …

  5. Solução ?
    Extinção gradual e

    Solução ?

    Extinção gradual e  total das PMs como sugeriu a OEA ao Brasil

    Deveria ser substituida por uma policia melhor treinada, com um contigente menor que as policias atuais, e com equipamento modernos de alta tecnologia.

    Exigência de formação superior para todos os seus membros.

    Sálario digno para  função.

    Aqui na RJ, um contingente de 20 mil homens bem treinados e equipados, metade da PM atual, acho que resolveria o problema.

    A PMRJ é um câncer na sociedade carioca, que gera mais violência que segurança, principalmente para pretos e brancos pobres.

    Extinção da PMRJ Já !!!!

    1. A PM do DF tem terceiro

      A PM do DF tem terceiro grau.

      Depois da experiência, agora a polícia NÃO quer mais policiais com terceiro grau. Não agregou em nada. A polícia de lá é a mesma bosta. A única diferença é que custa 6 vezes mais já que quem paga é a União e não o GDF.

       

      Não precisa de terceiro grau. Precisa de treinamento e NÃO ser analfabeto. Ta cheio de gente com primeiro grau na PM do Rio. Primeiro grau completo,…e arma na mão.

    2. Não tem mais jeito.

      É Gilson lamentavelmemte acho que você tem razão. É preciso extinguir a PM. Ao menos a do Rio.

      Muitos anos atrás, num curso em determinado empresa na qual trabalhava conheci o conceito de cultura organizacional.

      Toda  organização tem a sua. Em termos muito simplificados poderíamos dizer que é “o jeito como as coisas historicamente são feitas por aqui”.

      Os elementos novos, recém incorporados sempre terão muita dificuldade de atuar de forma diferente daquela que já contamina a organização/corporação.

      Um dos motivos é o serem em menor número os que assumem postos de trabalho diante da maioria estabelecida.

      Outro é a pressão dos superiores e dos mais antigos para enquadrarem os novatos.

      Qual é a cultura organizaconal da PM RJ ?

      O uso da violência, arbitrariedade e a corrupção são vistas de que maneira pela corporação ?

      O que pensam eles sobre os criminosos? Bandido bom é bandido morto ou são cidadãos em situação de descumprimento da lei que precisam ser presos e julgados de acordo com todas as prerrogativas da lei?

      Sei que é muito ruim qualquer generalização e deve doer no coração dos policiais bons e corretos, que trabalham estritamente dentro da lei, ouvir tais coisas, porém a PM tá carcomida por dentro desde sempre. É vício de criação.

  6. Responsabilidades…

    Repito!

    A qualidade do serviço prestado a população está relacionada diretamente ao treinamento realizado pelo servidor antes de assumir o cargo e durante a sua carreira como servidor público.

    Toda e qualquer reclamação aos servidores públicos devem ser feitos ao Prefeito, Governador e Presidente, pois são os reais chefes do poder executivo. Estes devem ser responsabilizados diretamente.

    1. Responsabilidades…

      Crime da Polícia Militar do Rio de Janeiro é responsabilidade do Prefeito do Rio e do Presidente da República? Onde está escrito isso?

    2. De acordo com a lei do

      De acordo com a lei do domínio do fato decretado pelos imperadores do STF sim, o prefeito, governador e presidente serão diretamente responsabilizados. Em breve o imperador Barbosa vai decretar a prisão deles.

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