Os informantes de Cachoeira no Ministério Público

Por Marco Antonio L.

Do iG

‘Eu tinha informantes do Cachoeira ao lado do meu gabinete’, diz promotor

Responsável pelo embrião da “Monte Carlo”, promotor Bernardo Boclin disse que ficou surpreso com tentáculos montados pelo bicheiro

Wilson Lima, iG Brasília 


Foto: Divulgação/MPE

Promotor Bernardo Boclin (E) começou a investigar grupo de Cachoeira em 2010

Em 2010, o promotor Bernardo Boclin, então titular da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Valparaíso, iniciou uma investigação relacionada à exploração de jogos de azar no município, ele tinha uma suspeita: o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, conseguia manter-se na ativa por mais de 17 anos, graças a uma boa rede de informantes e de colaboradores.

Após as primeiras escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, ainda em 2010, o promotor, hoje coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança do Ministério Público Estadual de Goiás (MPE-GO), descobriu que a rede era tão extensa que Cachoeira possuía membros infiltrados até mesmo dentro do MPE-GO. Um informante de Cachoeira estava, inclusive, ao lado da sala de Boclin.

Com o transcorrer das investigações, o promotor percebeu que não poderia contar com alguns de seus colegas goianos. O medo era que, a qualquer momento, as informações pudessem chegar aos informantes de Cachoeira. Por isso, em 10 de setembro de 2010, o MPE-GO oficiou o caso à Polícia Federal (PF) e desde então começaram a ser descobertos todos os “tentáculos” do “grupo criminoso organizado nacionalmente, inclusive com informação do suposto envolvimento de policiais de Goiás, do DF e até mesmo da PF” conforme classificou Boclin na época.

Hoje, quase dois anos após o início da investigação, vereadores, deputados estaduais, deputados federais, um senador e dois governadores já foram citados tendo algum tipo de relação com o grupo. Nesta entrevista exclusiva para o iG, o promotor Bernardo Boclin afirma que não ficou surpreso com a estrutura montada por Cachoeira. Mas surpreendeu-se com “os nomes” integrantes desse grupo. Uma “organização” com atuações comprovadas em pelo menos dois Estados: Goiás e Distrito Federal.

iG – Promotor, é fato que o grupo de Carlinhos Cachoeira atuava há aproximadamente 20 anos em Goiás? 

Bernardo Boclin – Essa não foi a primeira operação. Foram feitas atuações pontuais e haviam notícias de que em determinados locais existiam casos (da exploração de bingos). Pelas investigações da Polícia Federal e outras intervenções policiais já realizadas, percebe-se que a organização já atuava há mais de 17 anos. Talvez há aproximadamente 20 anos.

iG – Quando o senhor era promotor em Valparaíso, existiam muitas denúncias de que o jogo era explorado livremente. O senhor teve dificuldade no início para combater esse tipo de crime? 

Boclin – Valparaíso era o local em que a organização criminosa mantinha as casas para atender a clientela de Brasília. Lá era a sede junto com Águas Lindas (GO). E nós sempre temos, quando esse tipo de organização funciona, notícias de populares, de jornalistas que fizeram matérias e que entraram nestas casas de jogos. O jogo era escancarado. Nos tínhamos notícias, inclusive com fotos, de agentes públicos que garantiam a segurança destes locais.

iG – Mas nunca uma operação que flagrasse uma estrutura maior?

Boclin – Enfim, muitas operações foram realizadas de forma pontual. Mas elas nunca tiveram essa capacidade de desmantelar a estrutura como um todo. De conseguir uma visão geral de como a organização criminosa atuava. Com todos esses tentáculos. Depois de várias operações que tinham destinação negócios da organização criminosa mas que não tiveram condições de abalar a operação como agora na “Monte Carlo”.

iG – Durante as investigações, surpreendeu a forma como o grupo de Cachoeira tinha tentáculos no Estado?

Boclin – Não surpreendeu porque pela forma como vinha sendo operada (a organização de Cachoeira), nós sabíamos que eles tinham uma rede de informantes muito grande. O que nós não sabíamos eram os locais específicos onde ela estava. Quando a gente trabalha com o setor de inteligência, sempre reparamos o seguinte: quando vaza uma informação sobre uma operação, ela só pode sair de quem conhece a operação. E normalmente quem tem conhecimento são os policiais que vão atuar, o promotor, o juiz, o delegado, enfim. Mas a gente nunca tinha a noção da pessoa específica de quem vazou a informação.

iG – Existia-se apenas a suspeita?

Boclin – A Operação Monte Carlo não foi surpresa quanto a participação de agentes de todas essas áreas. Até dentro do Ministério Público um oficial das promotorias de Valparaíso, suspeita-se, passava informações. Existem suspeitas de que servidores do fórum de Valparaíso também vazaram. Não que nós imaginássemos que essa rede não tinha esses tentáculos. Mas o que surpreendeu foram os nomes, as pessoas que apareceram e os cargos que elas estavam ocupando no momento. Isso causou impacto. Mas deixou muito nítido porque nas outras a gente não tinha conseguido. Porque estavam em um grau de hierarquia dentro da estrutura do Estado muito forte.

iG – O “pulo do gato” da Monte Carlo foi tentar justamente sair dessa estrutura?

Boclin – Precisávamos fugir de toda essa estrutura do Estado que estava deteriorada e procurar a Polícia Federal, em Brasília, para tentar desviar e contornar essa rede de informantes foi a solução. Foi esse o sucesso da “Monte Carlo”. Nós conseguimos furar o bloqueio da organização fazendo a investigação por Brasília.

iG – O senhor disse que dentro do Ministério Público existem indícios de que haviam informantes do Cachoeira. É verdade que eles tentavam manipular o Ministério Público dando informações sobre bingos em Valparaíso?

Boclin – Nós que trabalhamos muito tempo na área criminal e que trabalhamos com informação, sabemos que uma denúncia não pode ser difundida e sempre confiamos, “desconfiando”. A gente desconfia de pessoas que trazem muita informação sobre determinado crime. A gente nunca sabe se ela está querendo saber sobre uma possível ação ou se ela pode, inclusive, estar trazendo informações para que você atue combatendo algum concorrente do jogo ilegal. Foi também um fator de sucesso depois que percebemos esse tipo de comportamento e evitar que as informações vazassem dentro do Ministério Público e dentro do Fórum de Valparaíso.

iG – Qual foi a principal lição da Operação Monte Carlo?

Boclin – É o que digo. Se ao longo de quase 20 anos, tudo conspirou a favor da organização. Na “Monte Carlo”, tudo conspirou para que ela sofresse um “baque” que ela jamais sofreu. Eles se imaginavam inatingíveis essa é que é a verdade. A estrutura era tão densa, tão forte, que eles se imaginavam inatingíveis. Foi uma conspiração do bem. De pessoas que coincidentemente se uniram ali tanto no âmbito estadual, quanto federal, que conseguiram fazer um trabalho muito bonito pra obter esse sucesso.

Luis Nassif

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