Para lembrar de um outro 1 de abril: a Guerra Civil na Espanha, por Franklin Frederick

A República Espanhola encarnou como nenhum outro país até então, os sonhos de construção de uma sociedade mais justa, mais digna. Foi o primeiro e mais poderoso símbolo da luta internacional contra o fascismo que se alastrava pela Europa

Por Franklin Frederick

“Aos navios que regressam
marcados de negra viagem,
aos homens que neles voltam
com cicatrizes no corpo
ou de corpo mutilado,
peço notícias de Espanha.”

                                                                   Carlos Drummond de Andrade

 

 “Foi na Espanha onde a minha geração aprendeu que se pode ter razão e ser derrotado, que a força pode destruir a alma e que, às vezes, a coragem não recebe recompensa”

                                                                                       Albert Camus

 

Há 80 anos atrás, em 1 de abril de 1939, o General Franco declarou o fim da Guerra Civil na Espanha. As tropas nacionalistas sob o seu comando haviam entrado em Madrid sem resistência e na costa do Mediterrâneo os últimos combatentes da República tentavam fugir em barcos da prisão certa e da morte possível. Era o fim de um sonho. No século XX, a Guerra Civil da Espanha foi o primeiro grande conflito entre a barbárie e a civilização, entre a dignidade e a covardia, entre a liberdade e a submissão. Como em nenhum outro conflito anterior, a Guerra Civil na Espanha mobilizou trabalhadores, intelectuais, escritores e artistas em todo o mundo em defesa da jovem e vibrante República. Muitos foram como voluntários lutar na Espanha ou atuar como correspondentes de guerra, como Antoine de Saint-Exupéry, George Orwell, Simone Weil, André Malraux, John dos Passos, Ernst Hemingway, Martha Gellhorn, Tristan Tzara, Emma Goldman, para citar apenas alguns. Pablo Neruda era então, em 1936, Consul do Chile em Barcelona e quando seu amigo Federico Garcia Lorca foi assassinado por franquistas três dias antes do início dos conflitos armados, Neruda  passou  a engajar-se na luta contra o fascismo. Por seus discursos e militância política, Neruda acabou perdendo seu posto diplomático, mas ainda conseguiu organizar a saída audaciosa de cerca de 2000 refugiados espanhóis e suas famílias, após a derrota da República, para o Chile, onde obtiveram asilo político. Em 1938 Neruda publicou “España en el Corazón – Himno a las Glorias del Pueblo en la Guerra”.

Por um curto e intenso período, de 1936 a 1939, a República Espanhola encarnou como nenhum outro país até então, os sonhos de construção de uma sociedade mais justa, mais digna. Foi o primeiro e mais poderoso símbolo da luta internacional contra o fascismo que se alastrava pela Europa. É fundamental lembrarmos deste conflito pois existem muitas semelhanças no Brasil e na América Latina de hoje  com o que aconteceu naquela época.

É importante lembrarmos, por exemplo, que as principais democracias burguesas da época, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, optaram por uma “neutralidade” diante da guerra civil na Espanha que deixaram às potências fascistas – Alemanha e Itália – o terreno livre para armar e apoiar o exército do General Franco. Os EUA, a Grã-Bretanha e a França não apoiaram a República da Espanha do mesmo modo como a Alemanha nazista e a Itália fascista apoiaram o General Franco e seu movimento, incluindo o bombardeio de cidades espanholas como Guernica. Diante da escolha entre o fascismo, com a consequente manutenção do capitalismo e de sua inerente hierarquia, e o socialismo, a elite industrial e financeira que governava de fato as democracias ocidentais, optaram pelo fascismo. Lição fundamental que não podemos esquecer. Diante da escolha entre um mínimo de justiça social – que chamam de «comunismo» – e o subfascismo tupiniquim do Governo Bolsonaro, as elites brasileiras também não tiveram dúvida em  optar pelo fascismo.

Como naquela época, as variedades contemporâneas do fascismo procuram tomar o poder em várias partes do mundo. Não mais pela força bruta – embora esta permaneça sempre como uma opção – mas por métodos mais modernos e eficientes, na América Latina sobretudo lawfare, golpes de estado conduzidos por parlamentos e sistemas judiciários apoiados por intensas campanhas conduzidas pela grande imprensa. O objetivo, porém,  permanece o mesmo, naquela época como hoje: preservar o capitalismo, suas relações de poder, suas hierarquias e concepção de mundo e sociedade. Para a América Latina em geral e o Brasil em particular isto significa uma volta ao status de colônia e de submissão completa aos interesses do capital internacional centralizados na sede do Império, os EUA.O Governo Bolsonaro representa com perfeição este projeto neocolonial subfascista. As declarações públicas de Steve Bannon de apoio ao Presidente Bolsonaro devem ser levadas muito a sério pois revelam claramente os interesses por trás deste governo e qual a sua função; entregar as riquezas públicas do país ao capital internacional. Até que isso seja feito, principalmente através dos programas de privatização defendidos pelo ministro Paulo Guedes, o Governo Bolsonaro continuará tendo TODO o apoio do Império para a sua manutenção. Devemos nos lembrar de que, mesmo depois da derrota da Alemanha nazista e da Itália fascista na Segunda Guerra Mundial, o fascista General Franco permaneceu no poder na Espanha até a sua morte em 1975, o que não teria sido possível sem o apoio explícito dos EUA.

Quanto à política de privatizações, elas servem na realidade a dois objetivos, pois ao propósito claro de transferência das riquezas públicas para o capital privado internacional, que é a função fundamental do capitalismo neoliberal, segue-se a transferência de poder POLÍTICO da esfera pública para a privada. A partir de um certo nível de privatização da economia, as decisões realmente fundamentais para a condução de uma nação já não podem mais ocorrer dentro da esfera política pública, mas passam a ser tomadas diretamente pelo setor privado que adquire assim o controle TOTAL sobre a sociedade – o que sempre foi o objetivo real do capitalismo neoliberal.

De outros modos, por outros meios, mas pelas mesmas razões, vivemos hoje no Brasil e na América Latina nossa guerra civil espanhola. Como escreveu Albert Camus na citação acima, também nós procuramos defender nossos sonhos e a dignidade de nossa existência  da avassaladora força que tenta destruir as nossas almas. Também nós vemos hoje, assustados, que  podemos ter razão e ser derrotados. E mesmo que a coragem não receba nenhuma recompensa, há que continuar a luta, acreditar na humanidade, e sobretudo ter a clareza de perceber que não são Franco, Bolsonaro ou Trump a verdadeira ameaça, mas o sistema que os torna possíveis.

Redação

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