Poesia romana, um antídoto contra o fanatismo genocida evangélico, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O que nós chamamos hoje de Fake News é um fenômeno antigo e perigoso; os romanos tinham consciência da rejeição da ideia de que existem “verdades factuais” compartilhadas por todos

Poesia romana, um antídoto contra o fanatismo genocida evangélico

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O que nós chamamos de Fake News – a rejeição da ideia de que existem “verdades factuais” que podem ser compartilhadas por todos as pessoas – é um fenômeno antigo e perigoso. Os romanos tinham consciência dele, mas não se deram ao trabalho de estudá-lo de maneira sistemática.

Poetas como Tibulo procuram nos afastar dos sonhos perigosos que são capazes de inflamar os espíritos das pessoas crédulas. Propércio aconselha a amada (e todos os leitores) a não ceder espaço aos boatos mentirosos que foram espalhados por seus inimigos.

Ite procul. Vanum, falfumque avertite vifum:
Definite in vobis quaerere velle fidem.

Álbio Tibulo – Elegiae IV

Tradução:

Ide longe, fátuos, e livrai-me de vossa falsa visão:
deixai de querer encontra fé entre nós.

Sed tu non debes inimicae cedere linguae:
semper formosis fabula poena fuit

Sexto Aulo Propércio – Liber II

Tradução:

Não deves tu ceder às línguas inimigas:
Os boatos sempre punem as mais belas.

É perigoso acreditar nas fabulações que preenchem e dominam nossas consciências quando estamos dormindo. Nos períodos em que estamos despertos, é muito arriscado acreditar nas mentiras que nos são contadas pelos nossos inimigos. Tanto a vida privada (amorosa) quanto a vida pública (política) podem ser prejudicadas pelos sonhos e pelas mentiras que são compartilhadas como se fossem verdades factuais.

Desde tempos imemoriais os homens navegam num mar de incertezas. Se não quiserem ser mortos ao escutar o canto das sereias (dos sonhos, das mentiras) eles devem entupir os ouvidos com cera ou, no mínimo, tomar o cuidado de se amarrar num mastro do barco como Odisseu. É preciso Metis para se orientar durante a viagem por um caminho que mostra e esconde pontos de referência que são incertos e, as vezes, enganosos.

Em razão do golpe de estado de 2016 disfarçado de Impeachment não podemos mais confiar totalmente na imprensa. Algumas vezes os blogues são confiáveis, mas eles também podem se igualar às empresas monopolistas de comunicação que criam uma versão neoliberal distorcida da realidade brasileira. Não podemos confiar no (des)governo que foi eleito fazendo campanha massiva de Fake News. A oposição também não é muito confiável, pois fez o mesmo numa escala menor e com menos eficiência.

Os juízes que legitimaram duas fraudes processuais grotescas (a que derrubou Dilma Rousseff e aquela que possibilitou a condenação e prisão de Lula) e que conduziram uma eleição presidencial dominada por mentiras repetidas à exaustão pelo candidato vitorioso também não merecem crédito. O Judiciário brasileiro conseguiu se despir do manto de isenção e da aura de seriedade ao conspirar abertamente contra o regime democrático ao substituir a legalidade por um simulacro dela.

A bestialidade que Jair Bolsonaro representa é evidente. Além de liberar o comércio de armas de fogo, ele tem aconselhado as pessoas a usá-las. “Mate que o Brasil garante” é o verdadeiro mantra publicitário do novo regime.

Aqueles que cederem à tentação de seguir o conselho presidencial irão se transformar em criminosos. O fato do Ministro da Justiça fazer de tudo para legitimar os assassinatos cometidos por policiais sempre que eles se sentirem ameaçados deveria ser considerado é revelador. Além de estimular a violência homicida, o governo pretende tirar proveito da situação que está criando para adotar uma solução final.

O genocídio é um fruto nauseabundo da intolerância. Mas a própria intolerância somente encontra espaço para crescer quando os sonhadores fanáticos e os mentirosos contumazes conseguem substituir a cultura por uma versão simplificada da realidade que divide a sociedade entre “amigos” e “inimigos”.

Quando um pastor berrar “Bolsonaro foi eleito por deus”, ninguém precisa procurar a verdade ou falsidade das palavras dele na Bíblia. É muito melhor se deliciar com os poemas de Titubo e de Propércio. Esses dois poetas romanos eram especialistas em Fake News mesmo não sendo capazes de pronunciar o nome desse fenômeno.

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário
  1. Acabei de saber, e não poderia deixar de registrar a perda inestimável para o pensamento humanista:
    o filósofo francês Michel Serres faleceu ontem aos 88 anos. O outono da civilização.

    http://br.rfi.fr/franca/20190602-franca-homenageia-filosofo-michel-serres-morto-aos-88-anos

    https://revistacult.uol.com.br/home/ecologia/

    Abaixo, sua entrevista ao Roda Viva (1) e entrevista sobre seu livro “A Polegarzinha” (2); o filósofo Pierre Levy fala sobre a o que aprendeu com Serres e Castoriadis (Fronteiras do Pensamento / 3).

    MICHEL SERRES NO RODA VIDA (legendado em português)
    https://www.youtube.com/watch?v=Ga0J–SGA9U

    Michel Serres habla sobre Pulgarcita (ativar a legenda: clique em “detalhes”, “legendas”, “francês (gerada automaticamente”, “legendas”, “traduzir automaticamente”, escolha o idioma na lista)

    https://www.youtube.com/watch?v=KfrBZYWQaCs

    Pierre Lévy – O que aprendi com Michel Serres e Cornelius Castoriadis
    https://www.youtube.com/watch?v=O_CFq6ZTrnc

    Sampa/SP, 02/06/2019 – 20:59

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