“PSDB mais à direita pode atrair eleitor de Bolsonaro para a democracia”

Em entrevista, cientista político Sérgio Abranches analisa que reposicionamento tucano permite afastar forças conservadoras da liderança autoritária do presidente. "Se isso acontecer, será um ganho para a democracia”

Por Bruno Lupion

Da DW Brasil

Dez meses depois da eleição de outubro de 2018, que desorganizou o sistema partidário brasileiro, uma nova configuração começa a se desenhar no horizonte. Nesse cenário, João Doria lidera um PSDB reposicionado à direita de olho nos eleitores conservadores que votaram em Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia busca organizar uma centro-direita liberal que não descuide dos desprotegidos e a centro-esquerda discute como rearticular a agenda progressista à espera do surgimento de uma liderança que a levará adiante. Essa é a análise do cientista político Sérgio Abranches, que se notabilizou ao elaborar o conceito de presidencialismo de coalizão em 1988.

Em entrevista à DW Brasil, Abranches afirma que o deslocamento do PSDB para a direita pode ter um efeito positivo para o jogo democrático brasileiro: ao atrair eleitores de Bolsonaro para um partido mais institucionalizado, reduz a base de apoio a uma liderança iliberal e autoritária. O novo PSDB, porém, é uma legenda sem identidade com suas lideranças tradicionais, e na opinião de Abranches poderia mudar de nome, de social-democrata para “liberal conservador”.

Abranches vê o país convivendo com dois tempos de polarização: a velha, entre PT e PSDB, e a nova, entre a extrema direita não democrática contra o centro democrático. A nova polarização, para ele, cria oportunidades para um discurso unificado contra Bolsonaro, que deve começar a vir à tona nas eleições municipais do próximo ano. Ele afirma que o petista Fernando Haddad abdicou, após as eleições de 2018, de liderar uma rearticulação pela centro-esquerda, e que o campo progressista ainda está no começo do processo de buscar um líder. “Esse lugar está vazio, [mas] vai ser ocupado em algum momento”, diz.

Para 2020, ele prevê intensificação da crise política entre Planalto e Congresso, maior dificuldade para aprovar reformas e condições para mobilizações de rua e conflitos violentos entre povos indígenas e grileiros na região norte.

DW Brasil: Como o senhor avalia o relacionamento entre Bolsonaro e o Congresso?

Sérgio Abranches: O presidente tem forçado os limites desse relacionamento e da própria institucionalidade, mas o Congresso tem tentado evitar uma paralisia decisória. O [presidente da Câmara] Rodrigo Maia estabeleceu uma liderança que permite aprovar determinadas questões que interessam ao governo e a uma maioria mais ampla da Câmara ao mesmo tempo em que também aprova questões que interessam à esquerda. Fazendo esse jogo, a agenda pode ser tocada pelo legislativo independentemente da liderança presidencial. Foi o que aconteceu com a reforma da Previdência, e é possível que no Senado ocorra algo semelhante.

Esse protagonismo do Congresso vai durar?

Isso tem limite. O Legislativo é fragmentado, representa uma multiplicidade de interesses, e deve chegar um momento em que, sem a liderança presidencial, o processo vai parar. E essa liderança presidencial não será exercida por Bolsonaro. A reforma tributária tem menos chances de ser aprovada, pois divide muito os interesses. Na Câmara, a representação maior é dos Estados mais produtivos que arrecadam mais, e no Senado, por conta das bancadas, a representação maior é dos Estados com baixa arrecadação. O que sai da Câmara pode descontentar o Senado e vice-versa. Será muito mais difícil.

A pauta ligada a costumes e moral, como porte de armas, tem chances de avançar?

Essa é a pauta do Bolsonaro e é mais difícil ainda, pois atende a setores extremistas do Congresso. A maior parte dessa pautas vai morrer antes de chegar ao Plenário.

Como o senhor projeta o cenário politico até o final de 2020?

O presidente tem um discurso de confrontação, fala apenas a seus seguidores mais radicais e estreita a via política, deixando menos caminho para conciliação. O resultado será parcial ou total paralisia legislativa, agravamento da crise política e aumento do conflito. Isso pode ter repercussão nas ruas, na medida em que a crise fiscal não se resolva e haja mais pressão sobre as instituições, censura e perseguição.

No norte do país há risco de confrontos sangrentos entre comunidades indígenas e grileiros. O agravamento poderia ser mitigado com uma melhora na economia, que ficou mais difícil por causa do cenário internacional. Isso faz parte da grande transição estrutural global que estamos vivendo, que desestabiliza o quadro socioeconômico, gera desconforto e insegurança, aumenta a taxa de conflito e a possibilidade que populistas assumam. Tudo leva a crer que teremos um ano de 2020 mais tenso.

Nesse cenário crispado, há movimentação da centro-esquerda e da centro-direita brasileira para construir alternativas?

A crise política alerta as lideranças democráticas para reagirem, mas ainda persiste a velha polarização. O Brasil está vivendo dois tempos de polarização. A velha, PT-PSDB, que ainda não foi superada. Há muito ressentimento do PT e partidos de esquerda com os partidos de centro que foram protagonistas do processo de impeachment da Dilma [Rousseff]. E a nova, que é a da extrema direita iliberal não democrática contra o centro democrático.

Qual a lógica recomendada nesse processo? Definir que o adversário principal deve unificar as forças da democracia. Isso vai acabar desaguando nas eleições, e os candidatos a prefeito nas principais capitais [em 2020] começarão a tratar dessa questão, mirando o eleitor nacional para as próximas eleições gerais.

Que partidos devem liderar esse processo?

O sistema partidário foi desalinhado em 2018 e pode ocorrer um realinhamento. A mudança no PSDB [sob a liderança do governador de São Paulo, João Doria] faz parte desse movimento. O PSDB está se movendo para a direita, e poderia até mudar de nome, porque está se tornando um partido liberal conservador.

Esse deslocamento do PSDB tem uma vantagem, permite trazer uma parte das forças liberais conservadoras que apoiaram Bolsonaro para um meio mais institucional – se isso acontecer, terá sido um ganho para a democracia, pois eles deixarão de se agregar a uma liderança disruptiva e iliberal. E também abre mais espaço na centro-esquerda, assim como a crise do PT cria a possibilidade de reorganização das forças pela esquerda. O nosso problema hoje é quem vai liderar a redefinição desse espectro que era ocupado pelo PSDB e pelo PT.

O senhor vê uma figura assumindo essa liderança?

É um processo ainda incipiente, não houve o despertar de uma liderança significativa. O [Fernando] Haddad teria chance, depois das eleições, de liderar um processo de rearticulação pela centro-esquerda, mas não o fez e esse lugar está vazio. E o que eu tenho certeza é que na política não existe espaço vazio, ele vai ser ocupado em algum momento, por uma liderança populista ou por lideranças mais racionais.

Se houver um realinhamento, qual seria o perfil desse novo espaço?

Tenho visto chance de formação de um grupo social liberal, defensor da democracia, com uma visão mais liberal na economia e com responsabilidade fiscal, mas sem descuidar da questão social, com redução da desigualdade e proteção aos desprotegidos. E vejo na esquerda uma clara noção de que ela precisa ter uma visão mais contemporânea dos problemas sociais, construir uma legislação para dar conta das mudanças e abandonar a esquerda corporativista.

Quando se estuda o processo de realinhamento partidário no mundo, é sempre assim. Pessoas começam a escrever, a fazer seminários, discutir, e de repente uma liderança política com maior capacidade de penetração social pega essas ideais e deslancha. A gente está no comecinho desse processo, tenho visto esses sinais. Só não tenho visto ninguém com a capacidade de ser o catalizador desse processo. Na centro-direita liberal social poderia ser o próprio Rodrigo Maia, mas pelo lado da centro-esquerda, da social democracia progressista, ainda não vejo ninguém.

Redação

6 Comentários

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  1. Não dá mais. É uma pior que a outra. Temos um problema gravíssimo de formação política no Brasil.

    Essa ideia de que é possível construir um “centro democrático” é o seguinte: todos os crimes cometidos pelo PSDB (derrubar a Dilma), pela Lava-Jato (prender o Lula) e pelas Forças Armadas (assédio político ao Judiciário e ameaça de golpe militar) são convenientemente (para quem?) esquecidos e toda a esquerda é trazida para a direita, que estabiliza o golpe de Estado com a jogada. Nessa jogada, a esquerda como força política é absolutamente obliterada.

    Não é possível ser uma força política sem autonomia intelectual, sem ousadia, sem coragem. Todo dia a gente vê ideias idiotas por parte de pessoas da esquerda. Não dá para lutar pelo nosso Brasil sendo capacho da direita. Ou a esquerda se assume, aprende a se auto-afirmar como esquerda, que veste vermelho, que LUTA CONTRA a direita, que tem uma análise crítica da miséria humana gerada pelo modo de produção capitalista, ou acabou.

    Não dá para amenizar os crimes contra a humanidade e a democracia que foram e continuam sendo cometidos nesse país. Nós não vivemos em um regime democrático, e me desculpem, não será aliança com figuras abjetas como Dória e Alexandre Frota que resolverão nosso problema.

    Repito, é um problema de formação política: ao deixar de lado toda a tradição marxista-leninista e adotar os “estudos culturais”, a esquerda perdeu a maior arma de todas, a análise clara da realidade com a teoria correta. O culturalismo, em suas problematizações fragmentárias de “identitarismos” ou “temáticas” não possibilita uma análise integrada de conjunto e nem a ação política necessária.

    A esquerda tem de ser SÉRIA, CORAJOSA e INTELIGENTE. Tem de ser BRAVA, LUTAR CONTRA a direita, o exército, a PM, os militares, a burguesia. Se ficar chafurdando em idiotices, a esquerda vai se esfacelar e estaremos todos condenados a sobreviver no inferno.

  2. Re chamada: so pra andar menos??? Ouvi dizer que a democracia do PSDB eh beeem mais perto que os quintos dos infernos.

    E tao louvavel quanto.

  3. 1. O PSDB é o governo bolsonoro. A área econômica do governo está repleta de quadros tucanos.
    2. Os rumos do PSDB atual foram definidos no primeiro mandato de Lula. Ao guinar para a centro-direita liberal, acatando o tripé econômico vindo dos tucanos, acolhendo amplos quadros liberais em seu governo, como Marcos Lisboa, Henrique Meirelles, Lula delimitou o espaço político do PSDB: ele teria de se bandear para a direita ou morreria. Serra fez esse giro na candidatura de 2004 à prefeitura de SP, Alckmin fez mais claramente em 2006, acolhendo o fundamentalismo católico e Serra abriu a caixa de pandora para a extrema-direita definitivamente em 2010, incluindo, nesse caso, todos os temas anti-civilizatórios que a extrema-direita tem brandido, como o anti-feminismo, o anti-cotas, o anti-lgbt+. 3. Não gratuitamente, é justamente a partir de 2010 que a ação política de Bolsonaro começa a sair do gueto no qual estava desde 1991, quando chegou à Câmara, e ele começa a frequentar programas como Pânico, como um personagem de si próprio. Em 2014 é o deputado federal mais votado no Rio, após construir alianças com Eduardo Cunha, que faz dele um de seus aríetes principais na luta para alcançar a presidência da Câmara e pautar os temas anti-civilizatórios.
    4. A partir desse momento, o PSDB não é mais o centro da oposição ao petismo-lulismo e, em sua luta para a própria sobrevivência, dá mais um giro na direção medieval da extrema-direita, ao ser tomado por Dória.
    5. Contudo, entre Dória, Alckimin, Aécio, Marcone, Richa, Anástasia, Tasso, Serra e FHC, uma extrema-direita de oportunidade, e a real extrema-direita, chula, vingativa, mas real, o eleitorado resolveu apostar na real, os grandes eleitores (banqueiros e grande mídia) rapidamente entenderam isso e estamos nesse atual quadro.
    6. O retorno ao Estado Democrático de Direito passa pelo retorno do PSDB ao campo político entre a centro-esquerda e a centro-direita. Passa pela autocrítica pública desse grupo político ao seu apoio ao golpe de 2016. Passa pelo compromisso desse grupo com a CF88, com o fim da EC-95, com a sua negação ao pacto anti-civilizatório exposto na anti-reforma da previdência. Passa pelo apoio desse grupo político ao LULA LIVRE, enfim!
    7. Impossível. O PSDB é um partido, na atualidade, de extrema-direita, e Dória só quer disputar esse espaço político com quem já o ocupa. O retorno ao Estado Democrático de Direito não virá com esse PSDB que aí está.

  4. Intelectuais tucanos. Qual a diferença do PSDB de Dória para o PSL de Bozo? Nem Alexandre Frota é essa diferença. Talvez seja o pullover cor de rosa. Dória é extrema-direita também, quer inclusive se livrar da velha-guarda do PSDB.

  5. Curioso como vários comentaristas acham que Doria é melhor ou mais democrático do que Bolsonaro. Parecem estar atrás de verniz. O que está acontecendo com Dória é a migração dos tucanos na direção da direita extremada que é diferente da extrema direita, mas continua sendo uma direita autoritária e manipuladora. Dória jamais apresentou um plano para o ṕáis nem para o seu partido. Dória como Guedes tem um plano de negócios. Este PSDB que está sendo criado talvez vá chamar para os seus quadros Guedes, que é na verdade um bolsonaro com curso superior. E Dória não é melhor do que Guedes. E como Guedes não tem solução para o país nem mesmo para o seu partido. Partido que precisa sempre de um janota, seja da Sorbonne ou dos jardins, mas em ambos os casos o que se tem é um verniz que tenta encobrir a podridão interna. Pensar em Dória como um atrativo para a democracia é se negar a ver todos os passos que Dória deu na direção de Bolsonaro. Dória é uma biruta a procura do melhor vento. Os eleitores que vai atrair serão apenas aqueles mesmos e com as mesmas cabeças. A democracia não se faz desta forma. Quando começarmos a discutir a realidade do país nem Dória nem Frota, estarão presentes, pois estão no ramo de iludir o país. Me espanta alguem confundir o campo democrático, com filiação partidária.

  6. O que é extrema direita? Uma corrente que é golpista por excelência, que mantem um desprezo pelos trabalhadores, que se vincula de maneira exclusiva com os interesses mais mesquinhos da sociedade. Ou seja, é o PSDB. Ora, a aposta no PSDB não muda em nada o que estamos assistindo no governo bolsonaro em termos concretos. A unica diferença parece ser menos escatológica mas isso é desprezível do ponto de vista político. Valeu a tentativa de reerguer o PSDB mas spn. É cada intelectual marca barbante!

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