Rumos que a diplomacia brasileira vem tomando são preocupantes, por Francisco Arid

Ambos os discursos de Bolsonaro na ONU foram marcados por acusações infundadas, mentiras descaradas e teses absurdas, envergonhando a tradição diplomática brasileira

Em Chamas

Por Francisco Arid

Pela segunda vez, Jair Bolsonaro abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas. E, pela segunda vez, o fez em um contexto em que a atenção do mundo todo está voltada para a catástrofe ambiental que ocorre no Brasil. Em 2019, as queimadas na Amazônia, causadas deliberadamente por grupos ligados ao agronegócio, tornaram o nosso país alvo da crítica internacional; agora, é a destruição do Pantanal – também investigada a partir da suspeita de incêndio criminoso – que traz o Brasil novamente ao centro das atenções. Não por acaso, ambos os discursos de Bolsonaro na ONU foram marcados por acusações infundadas, mentiras descaradas e teses absurdas (não só sobre o tema da proteção ambiental), envergonhando a tradição diplomática brasileira e dificultando ainda mais nossas possibilidades de cooperação internacional.

A despeito da evidência empírica fornecida por especialistas – inclusive dos próprios órgãos estatais, como o INPE – e das investigações que apontam para ações de desmatamento coordenadas por garimpeiros, latifundiários etc., com a cumplicidade do Ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro prefere minimizar a gravidade das queimadas e culpar os indígenas pela destruição dos ecossistemas que são fundamentais para a própria sobrevivência dessas populações. Em nosso continente, no entanto, a mentalidade racista e colonial das elites políticas e econômicas infelizmente já é habitual – terras indígenas e áreas de proteção ambiental seriam entraves ao desenvolvimento, privilégios de um povo incivilizado e, portanto, inferior.

Bolsonaro mente, também, ao destacar um suposto compromisso do Brasil com os direitos humanos: na verdade, estamos entre os países mais perigosos do mundo para jornalistas e ambientalistas, além de termos taxas de homicídios comparáveis às de zonas de guerra. Como se não bastasse, o presidente glorifica a participação das nossas forças armadas em missões internacionais de paz – seu exemplo favorito é o da atuação brasileira no Haiti, que serviu de laboratório para os generais bolsonaristas e deveria ser motivo de vergonha, inclusive para os setores ditos progressistas que governavam o Brasil quando essa missão começou.

Os rumos que a diplomacia brasileira vem tomando são preocupantes, para dizer o mínimo. A obsessão bolsonarista pelos Estados Unidos pode ruir ainda este ano, a depender do resultado das eleições presidenciais estadunidenses – o que nos restará então? Ver como o acordo entre União Europeia e Mercosul vai por água abaixo? Aproximar-nos dos governos mais conservadores e reacionários do mundo (como, aliás, já estamos fazendo, em nome de uma pauta retrógrada de “costumes”)? Assistir impotentes ao Brasil reduzindo-se, literalmente, a cinzas?

Francisco Arid é estudante de Ciência Política na Universidade de Marburg, na Alemanha, e articulista da Saíra Editorial.

Redação

3 Comentários

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  1. Se por um lado, o Min. Relações Exteriores é saudado como exemplo de equilíbrio em assuntos de política externa, por outro se mostra bastante confortável ao assumir uma postura visivelmente inclinada para os interesses do setor conservador.
    Quem se dispuser a analisar a postura do Itamaraty durante os oito anos de FHC, aquele em que os embaixadores de punho de renda não se incomodavam em tirar os sapatos nas aduanas deste mundo, e nem mesmo submissos foram capazes de emplacar qualquer iniciativa de interesse concreto para o país, e o período do “monstro vermelho” Lulalá e DRousseff, no qual ninguém podia tirar sapatos coisa nenhuma e, mesmo sem precisar se ajoelhar, o país ampliou consideravelmente a sua dimensão no ambiente externo, haja vista a quantidade de embaixadas que surgiram naqueles quatorze anos de “perigo vermelho”, postura obviamente correta mas bastante criticada por diversos diplomatas, só que críticas baixinhas pra apenas meia dúzia terem notícia.
    “Perigo vermelho” afastado, vieram os chanceleres ANFerreira procurado pela Justicia, o grande J.Serra, mais sujo que pau de galinheiro e agora, esta figura difícil de definir, um chanceler pangaré como nunca foi visto, pangaré que se sujeita a acompanhar o parrudo fanfarrão Mike Pompeo numa cena única, inimaginável, a de querer exterminar com o governo venezuelano de NMaduro.
    E por onde anda a opinião do Itamaraty sobres estas aberrações? O silêncio covarde e servil parece indicar que Itamaraty passou a ter como função principal, além da secular prática do compadrio, o pagamento dos salários de seu pessoal, boa parte colocando uma ótima grana $$ lá pelo dia 20 de cada mês.

  2. Em 2019 o governo Bolsonaro foi oferecer o Brasil aos exploradores, a quem quisesse ajudá-lo no projeto de destruição da nação. Até Al Gore, se espantou por ter ouvido uma proposta inconveniente de um mentiroso inconvincente.
    Em 2020, com vários cenários já destruídos e com números e imagens vergonhosas, falseou a verdade que lhe é inconveniente, com seus dados mentirosos.
    Já começo a temer por 2021.

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