Sobre o comando civil na Defesa

Comentário ao post As críticas de ex-militares a Jobim 

São declarações de fato sérias e firmes, próprias de um general respeitado, mas o seu discurso é o de sua formação, e isso concentra muita coisa, muita história, muitas experiências, nem todas se adequam ao presente momento, ao prospectivo, digamos assim, ao que está logo adiante.

Parece mais um confronto pessoal de grupos de oficiais contra o estilo de um interlocutor já afastado de suas funções, da mesma forma que a gente vê as manifestações da “torcida” governista contra uma personagem que se tornou “não simpática” para eles. O núcleo desse conflito está sem dúvida no estilo, na expressão do ex-ministro. Quem já estudou um pouco a história ou conhece um pouco da formação militar, sabe que os comandantes militares aprovam certas posturas de longa data, milenares mesmo, sobre a caserna: laconismo e ascetismo.

OlacO lacônico é o calado, o quieto, de poucas palavras, que se manifesta ou age apenas para decidir, esse é o valor cultivado. Vem desde a formação dos guerreiros espartanos, Esparta, que ficava na região da Lacônia, Grécia. Mas é o comportamento exigido para o comando das tropas, e tem como objetivo a formação de um caráter preparado para a guerra. O ascetismo tem o mesmo sentido e é uma filosofia que busca a disciplina, a virtude e a austeridade, com o mesmo objetivo de se comportar bravamente na hora das batalhas. Implica uma certa renúncia das coisas mundanas, para melhor preparar o corpo e o espírirto.

Bem, o que se desenha, então, dessa entrevista, é no fundo a insatisfação pelo comando civil no Ministério da Defesa, todo o resto é decorrência disso, tanto que se estende ao ministro Amorim, em uma crítica um pouco apressada do general. Vamos comentar um pouco essa escolha civil?

Primeiro, me manifestei no Blog em favor de um ministro militar, dizendo ser mais apropriado, mas depois também aprovei a escolha do Amorim, considerando um avanço, um passo a mais em direção à integração entre militares e civis no Brasil, depois da experiência traumática do regime militar e da redemocratização, para um lado e para outro, respectivamente. Ambos têm suas razões, não há motivo para maniqueísmos aqui. O caso é que o retorno dos militares aos cargos importantes dos GOVERNOS, isto é fundamentar perceber, não é um cargo do ESTADO, da carreira regular dos militares, de 30, 40 anos de trabalho, mas uma posição política que pode durar 4 anos ou 4 dias, absolutamente temporária. Ok, mesmo assim, como o Ministério da Saúde deve ir para um médico, o da Defesa deveria ir para um militar. Em tese está correto, mas há momentos certos para isso ocorrer ou não, não é um valor absoluto, e essa é a questão principal. Vejamos o porquê.

Essa estrutura Ministério da Defesa é bem recente no Brasil, e não tem nem quadros nem cultura formados, mas é ainda um processo de desenvolvimento da cultura de Defesa em nosso país. Tivemos a necessidade primeiro de uma interlocução básica em uma hora de crise, essa foi a contribuição inegável de Jobim, não se deve tentar tirar dele esse feito. Bom, mas o quadro avançou e agora Jobim não se adequa mais, especialmente por motivos políticos, foi uma questão de governo, não de Estado. O que pesou na escolha do ministro, minha análise, nada tem a ver com orientação ideológica ou partidária, porque senão nem Jobim teria sido escolhido! Mesmo que o governo tenha agido assim sem ter total consciencia disso, o nome de Amorim se fez mais adequado por causa da GEOPOLÍTICA, ou seja, uma disciplina fundamental para a formação e instalação de uma cultura de Defesa no Brasil. E essa contribuição também é fundamental, e ninguém melhor do que Amorim, neste momento, para dar fazer isso.

Depois, haverá outros prismas a serem cuidados, alguns deles mais específicos da área militar, como a inteligência, as tropas, o treinamento, os armamentos, e as políticas de Defesa propriamente ditas, que não podem mais ser isoladas ou separadas da vontade política da nação, e nem da orientação da política exterior brasileira, tanto de suas tradições quanto de suas novas perspectivas.

Os militares, por sua vez, têm obrigatoriamente como missão retornarem efetivamente para a integração democrática, e para a cooperação natural com os civis (estes também precisam fazer isso). Precisam atualizar as formas de atuação política, de projeção política, a fim de que sejam aproveitadas nos altos cargos da República, não necessariamente ligados às Forças Armadas, em princípio. O ministro da Defesa não é um cargo militar e se um comandante militar passa a ocupar esse cargo não estará mais subordinado ao Alto Comando das Forças Armadas, mas ao governo. Isso faz uma grande diferença, e essa cultura também precisa ser desenvolvida. Acredito que é isso que esteja em curso e é isso que deve continuar a ocorrer no Brasil, para o bem do país.

Os outros “detalhes” e consequências dessa questão deveriam ser secundários.

Luis Nassif

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