Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Volto, por Rui Daher

A cada verso da música, no batuque da cozinha percussiva do Nordeste, desfilam lutadores contra as iniquidades que historiam a região de menor rejeição ao anterior projeto de nação

No 3º dia deste ano de 2020, postei em minha página no Facebook vídeo por muitos estranhado. Não era para sê-lo. Pretendia-o entranhado.

Perto de dez minutos, vísceras bateram neste coração pilantra e recuperado no UNICOR, SP. Seis dos minutos correm nos compassos de “Leão do Norte”, rasqueado de Lenine sobre palavras do carioca Paulo César Pinheiro, que descrevem o melhor do estado de Pernambuco.

Durante o vídeo, que provavelmente, sem alguma ajuda, não conseguirei colocar aqui, permaneço estático, olhos tristes e desafiadores, fixados
na câmera, apenas espasmos de boca, ranger de dentes, expressões agressivas de incômodo, impaciência e aflição.

Em poucos momentos deixo escaparem do âmago gritos de “É sério!”, súplica inconformada, como as erupções que aparecem em minha face, segundo minha dermatologista alternativa, frutos de desiquilíbrio atual entre os estados yin e yang.

Mas como não, se é sério?

A cada verso da música, no batuque da cozinha percussiva do Nordeste, desfilam lutadores contra as iniquidades que historiam a região de menor rejeição ao anterior projeto de nação, não perfeito, mas inclusivo e não fascista, que tivemos.

Folclores e cultura de paixões tão antigas deste cronista endiabrado ou embriagado pelo amor aos desprovidos, de que me culpo por ter feito tão pouco. Culpa cristã-judaica, dizem. Que seja, pois. As marcas da ditadura me serão indeléveis. Fiz o que pude. E sigo.

Senti na audição que, “pelos sete buracos da minha cabeça”, junto com o baiano Caetano Veloso, entraram Mateus e Bastião do Boi Bumbá, -personagens do folguedo; Mestre Vitalino, artesão, ceramista, barro de bonecos, estética inesquecível; baluartes do frevo, Carlos Pena Filho e Capiba, “ao som da Orquestra Armorial”; Capibaribe, o rio famoso que corta o Recife; a poesia de João ‘Vida Severina’ Cabral; mamulengos de São Bento do Una, terra de Alceu Valença, “num baque solto de Maracatu”.

Que riqueza! Hoje negada pela indústria da comunicação contraceptiva.

A diversidade e a bagunça organizada da Feira de Caruaru, que se espalha por todos municípios do semiárido. Frei Caneca no pastoril do palhaço Falceta, Jerusalém Nova, Luiz Gonzaga, Mangue, Chico Science, engenheiro Joaquim Cardozo, Banda Pife No Meio do Carnaval, boneca Calunga.

Eu se não sou, um dia gostaria de ser: “O mameluco, de Casa Forte, Leão do Norte”.

No vídeo, desci lá de Olinda com o Homem da Meia-Noite, puxando o cordão de um país grandioso que não pode ceder à barbárie pretensa. Sequioso cheguei aos mares para ser “jangadeiro na Festa de Jaboatão”.

Que nada! Qual a foz do rio Jaboatão de Guararapes? Aquela onde “presos do semiaberto” ajudam na limpeza de 40 toneladas de piche que lá inabilitam a vida? Não!

Se aí parasse já estaria aos prantos, mas não, zum-zum-zum, está faltando um.

Ariano Suassuna, professor mor, meu conselheiro no celestial “Dominó de Botequim”, em seus autos e magnas aulas. Salve intelectual maior!

Canalhas! Não disse que é sério?

Bem-vindos à nossa mais recente decapitação.

 

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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