A Aldeia Maracanã

Por Pedro Gualda

Conhecendo a Aldeia Maracanã

por Marília Gonçalves
do Canal Ibase

Crédito: Beatriz Noronha/Ibase

Não é preciso muito tempo para perceber que a Aldeia Maracanã é mais do que um prédio ocupado ou um movimento político. Por trás da resistência que ganha cada vez mais força e adeptos, está recortado ali um pedaço da história. Mais do que a história do prédio, a história de cerca de trinta etnias indígenas que vivem no Rio de Janeiro tendo como porto aquele espaço. Nos últimos dois meses, este povo tem alternado gritos e suspiros, num constante estado de tensão causado pelainsistência do governo do Estado em demolir o prédio para construção de um estacionamento.

“Me perguntaram se eu sou mesmo índio. Eu ri. As pessoas costumam dizer que os índios estão invadindo a cidade. Será? Ou será que a cidade foi quem veio até os índios? Eu nunca saí da costa”. O desabafo é de Urutau Guajajara. Ele veio do Maranhão para o Rio de Janeiro há 20 anos – sua primeira vez aqui foi para participar daECO 92, conferência mundial sobre ecologia promovida pela Organização das Nações Unidas realizada na época. Exceção entre os indígenas que ocupam a Aldeia, que majoritariamente têm no comércio de artesanato sua maior fonte de renda, Urutau é bolsista da UFRJ, onde termina este ano mestrado pelo Museu Nacional, sobre línguas indígenas. Ele dá aulas de Tupi Guarani na Aldeia, pretende fazer doutorado e defende a revitalização do espaço para que funcione como uma espécie de universidade de saberes dos ‘povos originários’.

Até conhecer Urutau, circulei pela pela Aldeia, onde cheguei sem me identificar. Os portões estavam trancados por um cadeado e foram abertos por uma pessoa que, aparentemente, tinha a função de guardá-lo. Hoje, são mais ou menos 150 os que vivem naquele grande prédio que preservou, há algumas décadas, a cultura indígena num museu fundado por Darcy Ribeiro. Os novos moradores também vivem em torno das ruínas do antigo museu, onde construíram suas ocas – pequenas casas, algumas de tijolo, algumas de barro, minimamente equipadas com geladeira, sofá, fogão.

As condições do velho prédio não são boas. Não parece ter havido nenhum tipo de preocupação ou investimento na preservação do patrimônio ao longo dos anos, mesmo antes dos índios ocuparem o espaço em 2006. As janelas do museu ficam de frente para a Avenida Presidente Castelo Branco, a Radial Oeste, e a entrada, por duas pequenas escadarias no lado oposto. Da escada que ligaria ao segundo andar sobrou apenas a estrutura de ferro, exigindo um certo malabarismo de quem se arrisca a ocupar aquele espaço – seja para dormir, seja somente para pegar um melhor sinal da internet.

Passear pelo interior do prédio demanda desviar das dezenas de barracas montadas em quase todos os cômodos. “Quer matar um povo? Então roube-lhes a cultura”. Nas paredes, em muitas frases e fotografias lê-se expressões de resistência e alegria dessa gente. Uma grande mesa, em um canto, concentra cartazes e muitos pequenos potes de tintas coloridas. No último cômodo, uma estante de livros atrai algumas crianças para uma brincadeira. Tem vida por ali, a cada passo que se dá.

Lá fora, além das ocas, um generoso quintal bastante arborizado parece deixar mais “em casa” esses antigos proprietários, novos moradores. Tem barro no chão, grandes árvores que espalham nele suas folhas e frutos e um cheiro próprio, indescritível. É apenas um muro simples que separa a Aldeia da estrada, mas é possível sentir de imediato o contraste no clima desses espaços. Dentro daqueles muros um certo frescor acolhe as pessoas enquanto o sol queima o asfalto lá fora.

O terreno do antigo museu tem 14 mil metros quadrados, mas os índios não ocupam todo este espaço. Na verdade, quando o prédio ainda estava abandonado, o Ministério da Agricultura implantou ali o Laboratório Nacional Agropecuário (LANAGRO), que hoje também está sendo retirado para que o espaço seja ocupado pelas empreiteiras que realizam a reforma do Maracanã. O Laboratório funcionou por anos tendo como vizinho o prédio abandonado, mas, quando os índios o ocuparam, em 2006, os funcionários do LANAGRO relatam terem sido aconselhados a “não se meter com eles”. Por conta disso, um muro, que até hoje os separa, foi construído.

Num dia de sol, o entra e sai de pessoas no local é muito grande. Nem dá pra saber de onde vêm. França, Bélgica, Buenos Aires. Maranhão, Goiás, São Paulo. Para fazer um filme, uma intervenção artística, escrever uma matéria ou simplesmente apoiar a causa. Sim, muitos vieram apoiar a causa das formas mais simples e solidárias que se pode: no “controle” do portão, do livro de assinaturas, na cozinha, no que precisar, afinal. O grande grupo se divide em comissões de apoio à comunicação, à cozinha, à programação.

Se é um dia de chuva, é tanto para fora quanto para dentro do prédio. Mesmo no primeiro piso, as goteiras garantem que ninguém fique seco por muito tempo. É preciso passar o rodo todo o tempo para escoar a água acumulada. Qualquer descuido pode causar um alagamento mais sério no interior do prédio. Por tantos anos, por tantas chuvas, não houve quem cuidasse daquela estrutura centenária que hoje sofre as consequências.

Está quase chegando ao fim o prazo para que 25 lideranças indígenas desocupem o local. Elas receberam, no dia 18 de janeiro, uma notificação da Procuradoria Geral do Estado pedindo sua retirada em até 10 dias. Enquanto isso, a Aldeia Maracanã recebe a cada dia mais colaboradores, entre artistas e anônimos, engajados e curiosos. Por essa o governo do Estado não esperava: que a população do Rio não assistisse anestesiada pela “alegria da Copa” a série de ações arbitrárias que chegaram com o evento. Tomara que possamos contar que a mobilização seja já um legado social.

Luis Nassif

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