Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
[email protected]

A Derrota Política do Liberalismo, por Jorge Alexandre Neves

A Derrota Política do Liberalismo

por Jorge Alexandre Neves

Este final de semana, eu tive a oportunidade de acompanhar duas análises interessantes sobre a fragorosa derrota política do liberalismo (e do centro do espectro político) durante nosso atual processo eleitoral, no Brasil. A primeira, a partir de um artigo de Michael Reid, editor sênior da revista britânica “The Economist”, no jornal “Valor Econômico”, denominado “O Risco de uma Democracia Iliberal no Brasil”. A segunda, pela entrevista do historiador Boris Fausto, na “Globo News”.

No caso do artigo de Reid, chama a atenção o fato de ele, em sua análise, não ter considerado minimamente o próprio editorial da revista na qual trabalha e sobre o qual me detive em outra coluna aqui do GGN chamada “O Novo Crepúsculo do Liberalismo”. Ao analisar o péssimo resultado eleitoral dos partidos de centro nas últimas eleições brasileiras – e, até mesmo, no momento de tratar da queda do liberalismo político em nível internacional – Reid não considera uma questão central do editorial da “The Economist”, qual seja, o aumento da desigualdade.

Tanto o artigo de Michael Reid quanto a entrevista de Boris Fausto, para explicar os resultados das eleições de 07 de outubro, se fixam, fundamentalmente, na insatisfação dos eleitores em relação à corrupção e à incapacidade da chamada “classe política” em resolver problemas como violência e desemprego. Obviamente, consideram a questão da recessão econômica. Boris Fausto, pelo menos, percebe de forma mais clara que, entre os grandes partidos brasileiros, o PT foi o único a ter sido razoavelmente preservado pelo eleitor. Todavia, deixou claro não conseguir entender as razões disso. No caso do artigo de Reid, encontra-se, ainda, a patética visão de que o PT e Bolsonaro são ameaças quase equivalentes à democracia.

A verdade é que o liberalismo tem fracassado politicamente em nível mundial e na América Latina, em particular. A grande nova estrela liberal europeia, Emmanuel Macron, já se encontra com sua popularidade em níveis muito baixos. Na América Latina, as grandes esperanças da direita liberal, o peruano PPK e o argentino Macri, também fracassaram. O primeiro renunciou e o segundo está com uma popularidade baixíssima e enfrentando intensos protestos. Por outro lado, a esquerda teve vitórias eleitorais recentes na Costa Rica e, ainda mais importante, no México. Além disso, o governo de esquerda, no Uruguai, continua bem avaliado pela população.

A verdade é que, desde a publicação do artigo de Fukuyama “O Fim da História”, publicado em 1989 na revista “The National Interest”, o mundo caminhou numa direção muito diferente da prevista por ele em seu artigo e no seu subsequente livro best-seller. As razões para tanto estão no citado editorial da “The Economist” e na minha coluna sobre o novo crepúsculo do liberalismo.

A verdade é que o liberalismo econômico não consegue melhorar a vida da maior parte das pessoas. Ele gera enormes desigualdades e desemprego ou subemprego. Onde as políticas econômicas liberais têm conseguido reduzir o desemprego, elas têm gerado ocupações de péssima qualidade, com baixos salários (o que leva à queda da participação do trabalho na renda nacional) e longas jornadas (ex.: motorista de aplicativos). Isso tem ocorrido na Espanha e nos EUA. No caso americano, a degradação social tem como principais indicadores o aumento da população de rua, a elevação da mortalidade (algo realmente espantoso para um país tão rico) e a consequente queda da expectativa de vida.

No caso do Brasil, têm-se todos esses fatores e mais alguns. Os principais partidos liberais de centro (MDB e PSDB) foram os protagonistas políticos do golpe estamental de 2016. Implementaram políticas econômicas liberais prometendo gerar emprego e renda, no que foram (e não poderia ser diferente) totalmente fracassados. O país voltou a viver uma situação de degradação social, com elevação da pobreza, o aumento da desigualdade, a volta da fome, o crescimento da população de rua e a elevação da mortalidade infantil.

A memória da melhoria das condições sociais em período recente explica o desempenho relativamente positivo do PT – em particular na região Nordeste –, que o professor Boris Fausto não consegue explicar. Todavia, o forte crescimento de uma extrema direita autoritária, sem qualquer compromisso com valores liberais, no Brasil, foi, fundamentalmente, facilitado pelo apoio político dos liberais de centro à meticulosa construção de um estado de exceção.

Uma das bases morais do liberalismo político é o “império da lei”. Na expectativa de destruir a esquerda (fundamentalmente, o PT), os políticos liberais de centro estimularam e aplaudiram as iniciativas autoritárias do estamento jurídico, que têm como grande símbolo, obviamente, o juiz Sérgio Moro. Tais iniciativas levaram a constituição de uma prática de livre discricionariedade dos agentes do estamento jurídico que têm destruído a racionalidade do direito e a higidez do nosso sistema legal. Em todo lugar do mundo onde isso ocorreu, funcionou como antessala do autoritarismo. O estamento jurídico, com a cumplicidade dos políticos liberais de centro, preparou o terreno para a construção de um estado autoritário no Brasil (note-se que ao mesmo tempo em que ameaçava o STF em sua fala divulgada recentemente, o deputado Eduardo Bolsonaro elogiava o juiz Sérgio Moro).

Caso o deputado Jair Bolsonaro seja eleito presidente da República, ele terá que buscar conciliar uma postura política totalmente iliberal com as propostas econômicas liberais do seu “posto Ipiranga”. Não será nada fácil e, muito provavelmente, irá ver sua popularidade mergulhar, como tem ocorrido tanto na América Latina como em nível mundial. O mais do que provável fracasso do seu governo, combinado com seu total descompromisso com a democracia, muito provavelmente levará a algo bem pior do que uma democracia iliberal, como imagina Michael Reid. É absolutamente possível que o Brasil volte a viver um período de total ruptura com qualquer fundamento democrático.

Jorge Alexandre Neves – Ph.D. em Sociologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), Professor Titular do Departamento de Sociologia da UFMG, Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin (EUA) e da Universidad del Norte (Baranquilla, Colômbia), pesquisador do CNPq e articulista do jornal Hoje em Dia. Especialista em desigualdades socioeconômicas, análise organizacional, políticas públicas e métodos quantitativos.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. As esquerdas também fracassaram

    Não devemos esquecer que o antipetismo visceral da classes médias (B e C) se assenta não apenas na irracionalidade anticomunista e no ódio social ao pobre, mas também no fracasso econômico estrutural dos governos petistas.

    A vantagem da esquerda sobre os liberais é que elas ainda se preocupam com as pessoas e com a ideia de solidariedade, criando ou mantendo redes de proteção social. Ou seja, as esquerdas fazem um bom governo de administração de crise. Neste aspecto, o PT talvez tenha sido o governo de esquerda mais competente do século XXI, pois impediu,  por quase uma quinzena e dentro das regras democráticas, a implosão anunciada da sociedade brasileira, fragilíssima, agroexportadora periférica e historicamente desigual.

    Rússia, China e Turquia, por exemplo, só conseguem controlar a implosão social de suas sociedades desiguais com ditaduras explícitas ou democracias líquidas (autoritarismos com forma democrática).

    Quanto à geração de empregos, as esquerdas no mundo todo não diferem muito dos regimes liberais: as vagas abertas tendem a ser precárias e de baixos salários. Mesmo no governo Lula foi assim e assim é na China e nos demais emergentes. Nos países centrais a tendência também é esta, embpra estes sejam mais ricos e industrializados, ou seja, têm mais gordura para queimar e garantir melhores redes de proteção social (que mesmo nesses países, estão em lenta degradação).

    Olhando friamente o cenário político e econômico do mundo, constata-se que não é o capitalismo liberal, neoliberal ou financeiro que fracassa em manter a paz social, mas o capitalismo em geral, seja ele progressita ou liberal, nacionalista ou globalizante, industrial ou financeiro.

    Os governos democráticos de esquerda tendem a durar um pouco mais na periferia por oferecer mais redes de proteção social, extremamente necessárias em países cujo tecido social é historicamente frágil, por conta da pobreza de imensas parcelas de suas populações.  Os neoliberais fracassam mais rápido pois costumam considerar as políticas sociais um gasto inútil e sem retorno, a pesar sobre os parcos orçamentos dos “emergentes”.

  2. Golpe 2.0

    Ainda estamos no golpe!

    Bolsonaro sabe o papel que desempenha!

    Não haverá controle da mídia e a folha deu uma escorregada e por isso levou um pito do capitão!

    Nada que mude as coisas!

    O bicho só vai pegar para nós!

    Os financistas continuam tranquilos…

    Só há um desvio possível…

    São os apoiadores afoitos e esquentados, que podem degringolar o esquema…

    Essa ilusão de que o PT poderia ganhar, faz parte do esquema…

    Isso legitima o pleito!

    Era para o Alckmin chegar…

    Se não tem tu, vai tu mesmo…

    Alguem acha que TSE iria caçar bolsonaro ainda que o caixa dois digital batesse em 200 milhões?

    Essa eleição é a versão Golpe 2.0!

  3. Pros liberais nao interessa o fracasso politico

    Porque eles compram uma posicao mesmo assim, vide Bolsonaro.

    O PT pode saber administrar crises mas nao teve o know how de manutenção do poder. Desde o mensalão jogou nas cordas, não enfrentou o partido do judiciário – pior que isso, o incentivou com dinheiro, independência e péssimas indicações ao STF

    Por ter sido perseguido nao quis perseguir – erro crasso. Achou que bastava governar bem que teria apoio – outro erro. Se afastou da população, chegando ao cumulo de implementar o plano Levy!!!

    Não sei se o Bolsonaro sobrevive a 4 anos ou se conseguirá ficar 20 no poder como ditador. Mas torço para que se isso ocorra que o partido do judiciário sofra na pele o que fez com a esquerda.

  4. A irracionalidade do voto anti-PT

    A irracionalidade é tanta que nem sequer o ditado: “mas vale diabo conhecido…” está servindo para esta eleição. Em compensação, esses mesmos eleitores não conhecem o Bolsonaro, mas apenas acreditam que vai acabar “a roubalheira do PT”, como diz a coluna de Antônio Prata na Folha de São Paulo e, por conta disso, vale a tortura, a ditadura, a raiva cega. Alguém aqui tentou discutir seriamente esta eleição com um bolsonarista? Alguém sabe mesmo qual é o seu programa de governo? (nem os seus eleitores sabem), mas, tudo vale contra “a roubalheira do PT”. A parte golpista da mídia tem sido incapaz de mostrar acertos ou qualidades no plano de governo que seria a alternativa contra o PT e, por conta disso, hoje apelam para a irracionalidade.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador