A sobrevivência do SUS depende de diálogo, ética e inovação, por Aracy Balbani

por Aracy Balbani

Recém-eleitos para as prefeituras de todo o Brasil têm diante de si o desafio de atender às novas expectativas de cidadãos cada vez mais bem informados que procuram os serviços do SUS frente à velha cultura que predomina na administração pública desde o tempo das capitanias hereditárias, às limitações orçamentárias, à ameaça real das epidemias de doenças transmitidas por mosquitos e às tecnologias de saúde disponíveis.

Algumas questões importantes, como a responsabilidade solidária dos entes federados no dever constitucional de prestar assistência à saúde, e a obrigatoriedade ou não do Estado fornecer aos cidadãos um medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em território nacional, permanecem em aberto. Aguardam a conclusão do julgamento dos recursos extraordinários RE 566471 e RE 657718, respectivamente, pelo Supremo Tribunal Federal.

De imediato, conciliar os interesses da população, dos profissionais do SUS e do mercado de produtos e serviços para a saúde com a legislação e o aperto no cinto da administração pública para fechar as contas exigirá mais que sabedoria política e competente assessoria técnica – jurídica, de saúde e de assistência social.

Será preciso levar, periodicamente, burocratas dos gabinetes com ar condicionado e internet sem fio ao contato direto com o povo mais carente das ruas e da periferia, e aproximá-los da realidade nua e crua do SUS vivida no cotidiano pelas auxiliares de limpeza, motoristas de ambulância, médicos e demais profissionais de nível fundamental, técnico ou superior. Humildade e abertura à escuta respeitosa de todas as ideias são vacinas eficazes contra a pasteurização do drama da saúde nas apresentações tecnocráticas em PowerPoint. Que sempre exista possibilidade para que cada um se manifeste e contribua com o SUS com suas melhores aptidões profissionais.

Harmonizar as diretrizes éticas das profissões de saúde com a prática diária da administração pública é outro ponto fundamental. Isso requer diálogo permanente entre os gestores do SUS, os conselhos de classe dessas profissões e as comissões de ética dos hospitais filantrópicos conveniados ao SUS.

Privilegiar a educação em saúde da população, incentivando-a repensar seus hábitos de vida e a adotar rotinas saudáveis, é a chave para cativar as pessoas e reduzir o adoecimento por obesidade, hipertensão arterial, diabetes e outras doenças crônicas não transmissíveis, cujas complicações custam tão caro aos cofres públicos. Promover uma comunicação que conscientize as pessoas a se cuidarem talvez seja o investimento em saúde mais rentável que existe.

Buscar maior cooperação com universidades para testar e implantar soluções inovadoras para diagnosticar, tratar e prevenir doenças transmissíveis como dengue, zika, chikungunya, sífilis e hepatites virais traz ganho para todos: administração pública, comunidade acadêmica e sociedade civil. Esta, que financia as atividades das universidades públicas, quer se beneficiar com o conhecimento teórico e aplicado que nossos pesquisadores produzem sobre a saúde humana, e que não é pouco. Expansão das Farmácias Vivas de plantas medicinais e soluções ecológicas para controle de vetores de doenças são algumas das possibilidades.

Nenhuma dessas propostas é inédita. O que é arrojado é um administrador público resistir à tentação de culpar heranças malditas; preferir arregaçar as mangas e acatar duas filosofias para enfrentar o desafio da saúde pública.

A primeira é do Prof. Dr. Adib Jatene (1929-2014): “Eu nunca discuto problema, tem gente que se perde na discussão do problema. Eu só discuto solução.” A segunda é expressa por muitos usuários leigos do SUS: “A gente é simples e não tem estudo, mas tem sabedoria”.

Só quem compreender isso e ousar canalizar a energia latente e a sabedoria do povo brasileiro para humanizar e aprimorar o SUS terá seu nome inscrito na História. Os outros passarão, vistos como insensíveis capazes de jogarem uma pá de cal no SUS.

Aracy P. S. Balbani

Redação

7 Comentários

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  1. Não há diálogo possivel com os golpistas!

    Com todo respeito, acredito que o articulista está divagando sobre um assunto para o qual recomenda ação. Alguém realmente acredita que os tecnocratas de planos de doença que tomaram de assalto o Ministério da Saúde irão a alguma UBS de periferia para saber das queixas do povo em relação a saúde pública? Ninguém acredita em algo assim, senhor!

    Esta gente foi colocada lá para defender de seus patrões dos planos de doença, da indústria farmacêutica e vomita quando tem a infelicidade de topar com um pobre, como disse,  em arquétipica inconfidência da elite brasileira, o candidato Greca, apoiador do Golpe!

    Eles jogaram a possibilidade de inclusão do povo brasileiro no Brasil através da democracia representativa na lata do lixo. Não há diálogo possível com eles pois eles não querem dialogar.

    É confronto, guerra contra esta camarilha, até a vitória!

  2. Estamos numa DITADURA. Numa DITADURA não existe negociação

    É inútil neste momento exercitar teorias, idéias, sugestões, estamos numa guerra contra o povo brasileiro e suas conquistas. Ou se encara a verdade e se enfrenta o verdadeiro inimigo, ou então ficamos brincando de brainstorming.

    1. Antonio, a questão é a nossa

      Antonio, a questão é a nossa sobrevivência. Mosquitos transmissores de doenças, como Aedes e Culex, não distinguem pobres dos ricos, nem democracias de ditaduras. Para refletir. Abraço. 

  3. No meu pequenino estado, 80

    No meu pequenino estado, 80 por cento dos municípios de fato serão administrados por agiotas que bancaram as eleições de prefeitos e até vereadores, a partir de janeiro de 2017. E os fundos da Saúde são o principal foco.

    Por outro lado, a mídia tem construído – facilmente, ressalve-se – na cabeça do cidadão comum, pobres, inclusive, que “o bom é a saúde privada”. Acham que é possível num ambiente desse haver a sobredita cooperação entre os entes federados.

    Perdoe-me a acidez cara Aracy e demais, mas é que estou completando 35 anos de serviço público à Saúde e a minha esperança começou a morrer com a prefeiturização, enfemisticamente chamada de municipalização da saúde.

  4. Tempo de RESISTÊNCIA !!

    Emissora de TV para furar o bloqueio dos bandidos são e continuarão sendo inviáveis .

    Então, que o povo (organizações sociais e associações de moradores) disseminem rádios clandestinas em comunidades proletárias e escancarem para o povão informações sobre a terrível situação em que se encontra o Brasil .

    Rádios clandestinas são relativamente baratas e fáceis de esconder dos repressores pró ditadura MiShell Cunha Temer de Marinhos.

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