A visão de um médico sobre o serviço público

Por Fábio LM

Comentário ao post “O suicídio de imagem da medicina brasileira

Venho há algum tempo acompanhando quase diariamente as discussões a respeito desta “guerra” que surgiu após os anúncios dos programas do governo e principalmente após a chegado dos médicos cubanos ao país, e resolvi escrever minhas opiniões, mesmo correndo o risco de ser mal interpratado pelos frequentadores e comentaristas do blog (se algum tiver paciência suficiente para ler o texto).

Sou cardiologista, com 34 anos e menos de 10 de profissão. Antes que alguém pense: “lá vem mais um playboyzinho reclamar…”, posso dizer que, felizmente, não me incluo neste grupo: passei minha infância na roça, fui alfabetizado em escola rural (aposto que a maioria dos que vem aqui nem imaginem como é uma escolinha destas), sempre estudei em escolas públicas e só me formei pq passei numa Universidade Federal, e com muito esforço de meus pais, que durante 6 anos simplesmente abdicaram de tudo para que eu e meu irmão pudessemos ter a oportunidade que eles não tiveram na juventude.

Realmente, a classe médica é composta em sua maior parte de pessoas de vida mais abastada, e consequentemente, mais reacionárias (por medo de perder seu “padrão de vida”), sendo que pessoas com uma história de vida como a minha são a exceção. Isto é um dos grandes motivos, na minha visão, da maneira que a situação está sendo discutida, pois a reação é aquela de quem tem medo de perder o seu lugar, como se só a presença de “concorrência” fosse suficiente para isto. 

Eu, particularmente, não sou contra a vinda de pessoal de fora para suprir as lacunas no atendimento à população, não sou hipócrita de dizer: “vão roubar o meu lugar”, como passam a impressão os colegas que fizeram estas manifestações (muitas desrespeitosas) por aí, principalmente sabendo que a falta de profissionais não seria mesmo suprida no momento. Mas uma coisa que eu queria escrever que pouco vi sendo discutido nesta história, é sobre este modelo anacrônico de saúde que o país apresenta: ao mesmo tempo que possui o maior sistema público e universal do mundo, possui um sistema paralelo, eufemisticamente chamado de “complementar”, que movimenta milhões, cobrando caro dos usuários e remunerando mal, proporcionalmente a sua arrecadação, os profissionais, e mesmo assim, geralmente acaba sendo mais vantajoso para o profissional que o ganho no serviço público, em termos financeiros. 

O que acontece então: temos um serviço público que não funciona, por falta de estrutura, mas também por culpa da classe (estão aí os casos de falta ao plantão, dedo de silicone e quetais – fato que eu acho um absurdo, pois um erro não justifica outro), que prefere trabalhar no privado em detrimento ao serviço público. E isto posso dizer, pois trabalho no SUS e também tenho meu consultório, tento ao máximo dar o mesmo tratamento e atenção a todos os pacientes, porém nem sempre é possível, pois os gestores da saúde também apresentou uma visão de quantidade e não de qualidade dos atendimentos.

Para encerrar, se alguém conseguiu chegar até aqui, deixo minha crítica aos colegas e Conselhos que resolveram fazer politicagem com esta história toda e por isto só vem queimando a nossa imagem, como o Nassif descreveu no texto, ainda existem profissionais que procuram fazer seu trabalho de maneira honesta e correta, tentando ajudar os pacientes, e não só visando o dinheiro, como está parecendo no momento com toda esta confusão.

Luis Nassif

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