As medidas de segurança em boates nos EUA e na Europa

Do O Globo

Nos EUA, segurança reforçada após tragédia

Pelo menos duas saídas e sistema anti-incêndio são exigências mínimas em boates para mais de 50 pessoas

Flávia Barbosa

WASHINGTON E GENEBRA— A boate Kiss, cenário da tragédia que matou 236 pessoas no fim de semana passado em Santa Maria (RS), não obteria alvará de funcionamento nos grandes centros urbanos e nas cidades que têm o turismo e o lazer como vocação econômica nos Estados Unidos. As normas e os requerimentos de segurança antifogo americanos exigem de casas noturnas com capacidade a partir de 50 pessoas um mínimo de duas saídas e sistema automático de chuveirinhos nos tetos, e proíbem materiais altamente inflamáveis (como espuma) em revestimentos e elementos decorativos.

Os EUA, como o Brasil, não têm legislação federal que estabeleça padrões de segurança contra incêndios, e os critérios são fixados pelos governos estaduais e locais. As normas e requerimentos são recomendados pela Associação Nacional de Proteção contra Incêndios (NFPA, na sigla em inglês), organização privada sem fins lucrativos, com mais de 70 mil filiados de 120 países.

— Em geral, os governos estaduais e locais seguem as normas e padrões, o que oferece uma boa combinação de medidas de segurança. Estados como Nova York, Califórnia, Nevada, onde está Las Vegas, e Flórida, que tem Miami e Orlando, certamente seguem os códigos e têm um sistema rigoroso de fiscalização para que as regras sejam cumpridas — atesta Robert Solomon, gerente da Divisão de Proteção contra Incêndios e Segurança de Vida em Edificações da NFPA.

País com dez incêndios de grande proporção em teatros e casas noturnas desde 1811, os EUA aprenderam com as tragédias. A fiscalização tem sido apertada ao longo da última década, após o fogo consumir a boate The Station, em West Warwick, no estado de Rhode Island, em 20 de fevereiro de 2003, matando rapidamente cem pessoas — a partir de erros praticamente iguais aos da Kiss, no Brasil.

— Havia superlotação e material proibido no revestimento para não vazar som, e foi usado um sinalizador para show pirotécnico sem autorização. E é sempre a combinação de fatores de risco que amplia a tragédia — diz Solomon.

Boa parte das regras rígidas já estavam estabelecidas em 2003, mas foram apertadas ou melhoradas no grande debate que se seguiu ao incêndio. A norma passou a prever que qualquer boate com capacidade para mais de cem pessoas tivesse duas portas de saída, critério que foi reduzido para 50 pessoas.

— O número de portas de saída é muito importante. As portas têm de ser desenhadas (na largura) para um número específico de pessoas, para que o cálculo de evacuação emergencial seja o mais preciso possível. Essas saídas também devem ter separação entre elas, garantindo vários pontos de fuga — explica Solomon.

O sistema automático de chuveirinhos tornou-se mandatório para clubes noturnos. Foi revista e endurecida a lista de materiais de revestimento e decoração que podem ser liberados pelos Bombeiros.

A NFPA não tem autoridade para a fiscalização, mas monitora as atividades do Corpo de Bombeiros. Solomon diz que, após a tragédia de Rhode Island, a fiscalização aumentou . A omissão em algum item essencial — como bloquear uma saída de emergência — custa a licença ou impede a sua renovação. A boate pode continuar funcionando em caso de falha em algum item menor, mas com ajustes. Porém, diz o gerente da NFPA, o desafio é manter o padrão. Com o passar do tempo, a sensação de perigo diminui, e o risco é o poder público relaxar novamente.

Na Europa, discoteca, só com duas saídas

Fiscais verificam até o tipo de pintura e o material de decoração

Deborah Berlinck
Correspondente

Regra elementar: é impossível abrir uma discoteca na Europa com apenas uma porta de saída. Até para reunir cem pessoas — ou seja, abrir uma discoteca pequena para os parâmetros das boates da moda, que reúnem dez mil — a exigência é a mesma: pelo menos duas saídas. E sem obstáculos. As imagens de tragédia da boate Kiss chocaram profissionais da Europa.

— Na França, hoje é praticamente impossível que um lugar pegue fogo pelo teto ou que cabos elétricos superaqueçam como aconteceu no Brasil — disse Phil Borgogno, diretor há 34 anos da “Magazine de la Discotheque”, uma revista sobre as boates francesas.

Laurent Lutsé, presidente da Federação Nacional de Cafés-Bares, Brasseries e o Mundo da Noite, na França, disse que ficou chocado ao ler que seguranças bloquearam a saída das pessoas na boate Kiss.

— Seguranças que bloqueiam portas para que as pessoas não saiam sem pagar… isso não é normal! Na França, o alarme de incêndio teria cortado a música imediatamente e divulgado uma mensagem orientando as pessoas rumo às saídas. E os seguranças têm que passar por formação especial — disse Lutsé.

Sobre fogos, ele comentou:

— Fogos em lugares fechados? É preciso ter um teto muito alto, de seis metros. E os tetos hoje têm que ter sistema contra incêndio. Durante pelo menos uma hora, eles não caem na cabeça dos clientes.

Hoje existem cerca de 2.400 discotecas na França. Há 20 anos, eram dez mil. Mas também foi preciso uma catástrofe no país para que as autoridades francesas revissem as normas e aumentassem os controles. Em novembro de 1970, mais de 140 jovens morreram num incêndio na boate 5-7, em Saint-Laurent-du-Pont, em Isère: as portas de emergência estavam trancadas para impedir a entrada de penetras. O fogo se propagou logo, porque a decoração era feita de papel machê e poliuretano.

De lá para cá, para abrir uma boate na França é preciso passar pelo crivo de uma comissão integrada por policiais, bombeiros, representantes das administrações locais, do serviço de controle da qualidade dos alimentos e do serviço de verificação das regras de acessibilidade. É um processo de, no mínimo, um ano, e que custa pelo menos 500 mil euros.

Tudo é verificado, desde o sistema elétrico até o tipo de pintura e decoração dos locais. Portas se abrem automaticamente ao menor sinal de fumaça. E, segundo Borgogno, inspeções acontecem regularmente:

— Hoje, temos normas draconianas, que são sempre difíceis para os decoradores. Há exigências para a altura do teto. Há exigências para o tipo de tecido que pode ser usado. E até o tipo de tinta. E quanto maior a capacidade da boate, maiores as exigências. Em alguns casos exige-se até que um bombeiro trabalhe no local.

Na Suíça, Michel Aymon comanda há 25 anos a boate El Gringo, na estação de esqui de Villars-sur-Ollon. Como na França, todo o material utilizado na decoração do El Gringo, das cortinas às cadeiras e pinturas, é à prova de fogo. Um sistema faz com que os caminhos rumo às saídas se iluminem automaticamente, caso haja pane elétrica.

Luis Nassif

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