As Ruelas

Desci do carro e fui andando.

Parei para observar o quadro já conhecido, muito igual ao de outros lugares, mas ao mesmo tempo diferente, específico, com um jeitão próprio. Algum novo ingrediente mudava o “igual a tantos”.

Aspiriei algumas vezes para sentir os aromas.

Havia algo diferente.

Coloquei a mão acima dos olhos, em forma de viseira, para poder ver melhor. Girei a cabeça e depois, lentamente, fui girando o corpo, cobrindo um panorama de 360°. Havia algo diferente.

Apurei o ouvido e os sons conhecidos chegaram, tomaram minha mente e, por um instante, me tornei apenas aqueles sons. Conhecidos, muito conhecidos, já ouvidos em tantos lugares,  tantas vezes ….

Mas ali havia algo diferente.

Fiquei assim, suspensa nos instantes não medidos, apenas sentindo o lugar.

Súbito, uns gritos fortes se aproximaram, cores corriam em minha direção, mulheres acenavam, homens inclinavam a cabeça em cumprimento educado. Ah, o ar estava quente, ardido.

Apesar da quietude da tarde de domingo, o movimento estava lá.

A alegria das crianças dançava no ar. O sorriso maroto do adolescente se achegando e perguntado – “ …como vai a sra? Precisa de ajuda para carregar essas coisas?” – e vai pegando a sacola pesada e ele meio que sacolejando no ritmo da sacola, trocava os pés e esperava a resposta. Quieto. Apenas o sorriso escapando dos olhos matreiros, os pés dançando ao som dos sons que brincavam com o vento, com a poeira ao redor dos pés do rapazinho comprido, um tanto desengonçado, que balançava levemente de lá pra cá, de cá pra lá…

Então a percepção chegou. Sim, havia algo diferente. Algo muito próprio. Como uma mistura que virou una. 

As gentes daquele lugar eram diferentes. Suas cores, seus risos, seus cantos. Até os choros, ao longe, eram diferentes.

E então percebi o cheirinho bom do feijão cozinhando, aquele da Dona Maria que era segredo de família.

E também a mistura de materiais nas construções estranhamente apoiadas umas às outras. As cores, que num primeiro momento parecem bizarras, mas que ao observa-las melhor mostram toda a beleza da criatividade unificadora. Um arco-íris próprio.

Encontrei. O arco íris deles era o arco íris deles. Ninguém mais tinha aquele arco íris. Não dava para identificar claramente as cores, pois elas se misturavam, mas ali conseguia-se manter, ou criar, provavelmente manter-criar-manter-recriar, um incontável numero de tonalidades tão diferentes entre si que tornavam-se únicas. Cada uma era única no conjunto formado por aquele arco íris de cores, cheiros e calores. Individualidades no coletivo.

Um banquete para os sentidos. Especialmente para o sexto sentido.

Do silencio da mente surge a profunda compreensão do lugar, daquele SER formado por aquelas gentes totalmente integradas ao um mundo criado à sua imagem.

Olhei o adolescente que me aguardava com seu discreto balanço de ajuste ao mundo que o cercava e que ele completava tão perfeitamente…..

Sorri para ele e começamos a andar na direção do interior daquele fantástico mundo.

………………

Fui me perguntando: O que é Educação em um mundo destes? Em um mundo tão naturalmente humano, rico, criativo? Sem perceber eu já estava novamente envolvida pelo ato de criar. De criar uma nova forma de ser educadora.

Talvez deixar de ser educadora para ser, totalmente integrada àquelas gentes, pura reflexão sobre seu mundo. Descobrir a si ao tempo que descobre o todo.

Educar deve ser simples como isso: um tipo de entendimento que promove a interação perfeita no eterno recriar.

………………

Maba,

31out2010,

São Paulo, Brasil

Redação

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