Livro lançado pelo IPEA derruba mito de que políticas regionais somente estimularam o consumo e aponta que houve estímulo superior para o setor produtivo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste
Do Brasilianas
Como a terra seca que absorve mais rapidamente a água do que um terreno em equilíbrio hídrico, regiões do país com maior déficit de desenvolvimento respondem de forma mais acelerada aos estímulos feitos por políticas públicas. É o que observa o economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Aristides Monteiro Neto, um dos organizadores do livro Desenvolvimento Regional no Brasil: Políticas, estratégias e perspectivas.
Em entrevista realizada por Skype para o jornalista Luis Nassif, o pesquisador desmistificou a crítica de que a redução das desigualdades regionais verificada nos últimos dois governos, anteriores a 2015, não modificaram as estruturas produtivas regionais, ou seja, foram apenas ações que estimularam o consumo.
“Na verdade a gente encontrou uma realidade diferente que combina uma expansão muito importante dos gastos sociais em geral mas, em particular, daqueles que vão diretamente para as pessoas mais pobres, que têm a ver com a redução da miséria absoluta”, apontando como exemplo o programa Bolsa Família.
Além disso, analisando duas fontes de crédito público – o BNDES e os Fundos Constitucionais de Financiamento – o trabalho mostra que houve uma ampliação real no gasto com investimentos nas regiões menos desenvolvidas do país, como Norte e Nordeste.
“Quando nós analisamos essas duas fontes percebemos que eram superiores àquilo que era o gasto em política social. Na verdade, houve uma estratégia privilegiada para a expansão do investimento privado”, esclarece Monteiro Neto completando que os fundos públicos são disponibilizados na forma de crédito para o capital privado alimentando ainda mais o investimento produtivo nessas regiões.
“Esses dados, portanto, desmentem [a tese] de que as políticas mais recentes não estavam voltadas para a atividade produtiva”, reforça o economista.
Sobre o papel do BNDES, o pesquisador aponta que até 2005 o banco aportava no Nordeste em torno de 7% do total dos seus desembolsos. O percentual salta para 14% até 2015, quando volta a se retrair. Monteiro Neto avalia, entretanto, que a atuação do BNDES em todo o período foi “tímida” por conta da baixa escala produtiva da região.
“Em geral o volume de recursos demandado no Nordeste é muito pequeno, a escala produtiva é pequena, então você só pode romper com aquela situação se colocar plantas produtivas muito mais robustas”, reflete apontando em seguida que os governos recentes procuraram expandir as plantas produtivas. Um exemplo foi o investimento na ampliação do porto de Suape, em Pernambuco, melhorando a capacidade e tecnologia de automação do cais. O resultado hoje é o Complexo Industrial Portuário de Suape que abriga mais de 100 empresas e está em vias de se tornar o segundo maior porto do país.
Outras atividades produtivas na região, estimuladas pelo aumento de recursos, foi o polo exportador de frutas em Petrolina, interior de Pernambuco e Mossoró, no Rio Grande do Norte. O setor terciário, por sua vez, sofreu expansão significativa em Campina Grande (Paraíba), Juazeiro do Norte, no Ceará, e em Caruaru (Pernambuco), onde algumas atividades industriais também foram impulsionadas.
Por sua vez, o Centro Oeste foi a região que mais foi beneficiada pelo aumento de investimentos nos últimos anos, graças à atenção dada ao setor agropecuário mais desenvolvido entre seus estados. “Isso exige agora preocupação especial com o meio ambiente, poluição e uso dos recursos hídricos, mais intensivos na agricultura de grande escala”, alerta o pesquisador.
Monteiro Neto pontua, no entanto, que apesar do fomento significativo na economia local as cidades médias do Norte, Nordeste e Centro-Oeste ainda são dependentes de demandas externas de investimentos, principalmente em relação às capitais dos estados. Logo a atual crise econômica põe em risco o crescimento conquistado.
Sul
Seguindo o exemplo da água no solo, a estrutura produtiva da região Sul se comportou bem em resposta ao apoio do BNDES e dos outros investimentos públicos, mas não apresentou grande alteração em termos de tamanho, pois já estava mais consolidada. Para completar, o Rio Grande do Sul é atingido pela crise da indústria, um fenômeno mundial.
“Não é uma economia em depressão, é uma economia que apenas não consegue atingir níveis superiores de crescimento. Está passando por transformações produtivas e por uma espécie de estado estacionário com taxas baixas de crescimento”, explica o pesquisador.
Ao mesmo tempo, os estados vizinhos Paraná e Santa Catarina seguiram com crescimento mais robusto, o primeiro ampliando suas plantas automobilísticas e o segundo as atividades da indústria da carne.
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Educação melhora cenário
Outras políticas que trazem impactos de longo prazo contra a desigualdade social e econômica das regiões menos favorecidas é a ampliação de instituições de ensino superior.
Até no final da década de 1990, a expansão do sistema de ensino superior estava praticamente paralisada em todo o país. Com o programa Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), criado no governo Lula, foram instalados mais 173 campis, passando de 143, em 2003, para os atuais 316 espalhados pelo Brasil. Segundo o pesquisador do IPEA, 50% deles no Norte e Nordeste, em particular, nas regiões mais interioranas.
Monteiro Neto pontua, no entanto, que apenas nos próximos anos os pesquisadores terão dados suficientes para avaliar o impacto direto entre a expansão do ensino superior e o fortalecimento de setores produtivos locais, mas já é possível concluir que o novo “parque de instituições de ensino formando um conjunto de mão de obra de nível superior” deve tirar o Nordeste e Norte da condição de “repositórios de mão de obra de baixa qualificação”.
Ao mesmo tempo, o especialista em desenvolvimento regional lembra que as políticas, necessariamente, devem ser pensadas de forma integrada.
“É preciso que o saber produzido na universidade tenha alguma utilidade. Isso está mais avançado em alguns lugares do que outros. Então, o ensino superior é uma condição necessária para o desenvolvimento, mas não o suficiente. [Pensar nessa estratégia] é uma tarefa para todos: do Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Educação, entidades patronais, um trabalho de juntar todas as propostas em prol do desenvolvimento”.
Financiamento continua disponível
Apesar da crise econômica e a mudança abrupta no governo federal, o Norte e Nordeste têm em favor um cenário que nunca tiveram na história graças ao fluxo de recursos nos chamados Fundos Constitucionais de Financiamento.
O mecanismo foi criado na Constituição Federal de 1988 justamente para atacar as desigualdades regionais, destinando recursos para o setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste e municípios do Espírito Santo e Minas Gerais, que estão sob atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
Os fundos operam através de diferentes instituições financeiras. Logo, para acessar esse recurso, o empresário precisa entrar em contato com o banco local responsável – o Bando do Nordeste, por exemplo, é uma dessas instituições – e, segundo Monteiro Neto, hoje o estado financeiro dos três fundos existentes é “relativamente benigno”:
“Nós temos uma base de recursos hoje para essas regiões em torno de R$ 50 a 70 bilhões. Algo que não tínhamos no passado, ou seja, um volume de recursos públicos como esse destinados à financiamento e investimentos”, lembrando que o fluxo de recursos que retorna para os fundos está crescendo, pois estão sendo pagos pelos empreendimentos mais antigos, contratados em cerca de 25 anos de operação.
Portanto, conclui o pesquisador do IPEA, o financiamento que sempre foi o grande problema para o desenvolvimento do país não é mais impossível para Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
“O que temos hoje não é uma questão de escassez absoluta, é uma escassez relativa de recursos e de melhor administração deles”. Nesse ponto, alerta o economista, a política regional deve ser bem pensada, esclarecendo que não basta investir mais em regiões com menor PIB per capita, mas sim construir propostas mais “refinadas”.
“Não é apenas o recorte territorial que importa, é o corte setorial. Precisamos escolher quais setores impulsionar em determinadas regiões, setores encadeadores e fazer isso [o investimento] durar um período para depois sair deles e ir para outros, e assim por diante. Quer dizer, a política regional tem que ter etapas setoriais e, nisso, precisa amadurecer e fortalecer os arranjos produtivos locais”, conclui.
Trava ao desenvolvimento regional
Aristides Monteiro Neto destaca que muitas das leituras apresentadas nesta entrevista foram elaboradas por especialistas em encontros da Conferência do Desenvolvimento Regional, mas que não tiveram tempo ou estrutura para serem implementadas pelo poder público.
Ele também lembra que as relações federativas são sempre complexas e para que uma proposta seja implementada é necessário haver forte intenção por parte do gestor público.
“Mas nem sempre a intenção [do representante público] se revela produtiva. [Em muitas situações ela foi carcomida, foi redirecionada e foi reformulada pelas relações práticas da política. E, eu diria, o elemento mais relevante do êxito ou de um fracasso de uma determinada política do governo tem a ver com seu núcleo duro”, observa.
No caso dos governos mais recentes, o economista aponta o exemplo do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, como uma estratégia bem formulada e “exitosa” em muitos pontos, incluindo na articulação de vários ministérios e realização de obras, e isso tudo “terminou iluminando a política”.
Mas, com o passar da gestão, o economista apontou que o Ministério da Integração Nacional e o Ministério do Desenvolvimento Rural que, no governo Lula, estavam mais presentes nos grupos de trabalho, passaram a ficar de fora no governo Dilma, enfraquecendo em muitos pontos o programa ou, pelo menos, a proposta de reduzir as desigualdades regionais.
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