CNJ vai decidir entrada de estrangeiros no cadastro nacional para adoção

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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CNJ deve autorizar estrangeiros para facilitar adoção de mais velhos

 

Mariana Oliveira

Do G1, em Brasília

 

Uma resolução que deve ser aprovada nesta segunda-feira (24) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai permitir que casais estrangeiros ou brasileiros residentes no exterior sejam incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O objetivo é aumentar as adoções de crianças mais velhas e de grupos de irmãos.

O texto foi preparado após consenso entre especialistas da área após mais de um ano e meio de discussões – uma portaria da Corregedoria do CNJ de 2012 instituiu o grupo de trabalho sobre o tema.

A resolução está na pauta de votação do plenário do CNJ desta segunda, e a expectativa de conselheiros e especialistas na área é de que seja aprovada para que as mudanças entrem em vigor.

Dados atualizados do cadastro nacional mostram que há mais de 30 mil pretendentes – casais ou solteiros – a adotar e 5,4 mil crianças disponíveis para adoção.

Isso poderia indicar que todas as crianças serão adotadas, mas a realidade é outra.

Cerca de 98% dos pretendentes à adoção no país querem crianças com menos de 7 anos de idade. Só que as crianças nessa faixa etária são menos de 10% das disponíveis para a adoção. A grande maioria dos que procuram um lar são crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos.

Outro dado relevante: 75% das crianças e adolescentes que esperam ser adotados têm irmãos também disponíveis para adoção. E a Justiça sempre busca que eles sejam adotados juntos para não perderem o vínculo familiar. Entre os pretendentes, 80% querem adotar uma única criança.

Para o conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, que coordena o grupo de cooperação jurídica internacional do conselho, a relação entre crianças disponíveis e pretendentes no cadastro “não encaixa”.

Segundo ele, a inclusão de estrangeiros visa permitir que mais crianças tenham uma família.

“As crianças mais velhas, grupos de irmãos, estão num perfil daqueles que não são procurados. Temos pretendentes, temos crianças, mas isso não encaixa. E o perfil de criança que o estrangeiro quer adotar não é o mesmo do pretendente nacional”, diz Calmon.

A lei brasileira já permite que estrangeiros adotem crianças brasileiras. Atualmente, essas adoções ocorrem diretamente nos tribunais estaduais, sem passar pelo cadastro nacional.

Quando uma criança não é adotada pelo cadastro, juízes liberam para adoção internacional. O objetivo é que esses estrangeiros também possam participar do cadastro, o que agilizaria o processo e o tornaria mais transparente.

Calmon destaca que os procedimentos para adoção internacional preveem análise detalhada do perfil do pretendente, mas acrescenta que a preferência para adotar continuará a ser do brasileiro.

“A adoção internacional é exceção da exceção. O ideal é que a criança fique na sua família natural, e a adoção já é uma exceção. Mas verificamos que o cadastro não serve para a adoção internacional. Então, precisamos atualizar para permitir que mais crianças sejam favorecidas. Temos inúmeros casos de crianças que não são adotadas, ficam mofando nos abrigamentos, e chega uma idade que ninguém mais quer saber de adotar”, destaca Calmon.

Governo federal apoia
Para adotar uma criança, o estrangeiro atualmente se habilita em seu país em uma entidade credenciada pela Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O pretendente passa por preparação, envia a documentação para as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (Cejas), que tentam localizar as crianças. Depois que o juiz analisa o caso e eventualmente concede a adoção, é iniciado o procedimento de emissão de passaporte para a criança ou adolescente. O casal estrangeiro ou residente no exterior precisa ficar um mês com a criança no Brasil sob supervisão. A Acaf acompanha a adoção por mais dois anos.

Segundo o coordenador-geral da Acaf, George Lima, em 2013 cerca de 300 crianças foram adotadas no Brasil. Os principais destinos foram Itália e França. Lima diz que o governo espera que o CNJ aprove a inclusão dos estrangeiros no cadastro nacional.

“A criança, quando vai para adoção, passa por um processo de destituição do poder familiar. O  juiz tem muita cautela para dizer que ela não pode voltar à família natural. Isso demora. Acontece que, muitas vezes, a criança vai para um abrigo, demora a destituição do poder familiar, e ela fica disponível para adoção no cadastro e só depois vai para adoção internacional. Não queremos incentivar a adoção internacional, mas sim fazer com que mais crianças tenham uma família.”

Para George Lima, é uma questão cultural o fato de estrangeiros se importarem menos com a idade.

“Na adoção nacional, ainda se tem aquela ideia de tornar o filho adotivo como biológico, omitindo a adoção. Tendem a fazer isso, procurando criança pequena e da mesma cor, para elas não terem lembrança da adoção. Mas isso vem mudando, e o governo vem atuando para mudar essa cultura.”

Especialistas preveem melhorias

A advogada Nádia de Araujo, especializada em direito  internacional e que atua na área de adoção, concorda que os estrangeiros são “mais abertos” que os brasileiros.

“Acho que vai dar transparência para a adoção internacional e facilitar a adoção de crianças cujo perfil os casais residentes no Brasil não querem”, destaca Nádia.

Presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), Suzana Schettini destaca que a partir de agora será possível saber onde os estrangeiros adotam as crianças.

“Ficava sempre na obscuridade. Isso vai conseguir dar transparência e permitir o cruzamento de dados. Os estrangeiros são mais abertos a grupo de irmãos e até crianças com deficiência. É bom e é necessário incluir os estrangeiros no cadastro.”

Especialista na área de adoção, o desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco Luiz Carlos Figueirêdo participou dos debates no CNJ e concorda que a medida será “extremamente positiva”.

Ele destaca que, antes do cadastro nacional, não se tinha informação sobre se o estrangeiro era ou não favorecido ante brasileiros. O número de adoções internacionais em Pernambuco, afirma o desembargador, era elevado. Depois do cadastro, as adoções caíram drasticamente. Por isso, ele defende um “meio termo”.

“Ficava a dúvida se havia ou não favorecimento. Se o estrangeiro chegava na comarca e levava a criança sem observar a preferência dos brasileiros. Isso vai dar transparência e as adoções internacionais podem voltar a subir. Não pode ser como antes do cadastro, quando Pernambuco tinha 80 adoções internacionais por ano, nem como ficou depois, com cerca de cinco adoções por ano. É preciso um meio termo.”

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

4 Comentários

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    1. Crianças brasileiras que ninguém quer

      Ivan, cê já visitou um abrigo?

      Eu já, como parte da adoção de minha filha. E é uma experiência que jamais esquecerei. A gente sai de lá querendo levar todas as crianças conosco, e os mais velhos (de 8 anos pra cima) vêm conversar com a gente e contar suas histórias. Só falta nos pedirem explicitamente que a gente os tire de lá – ninguém fala, mas está nos olhinhos, que perguntam o tempo inteiro: “é você que vai me levar pra sua casa?”. E infelizmente, por mais que a gente queira, a gente não consegue – por falta de condições materiais, por falta de tempo (eu larguei meu emprego para conseguir integrar nossa filha à nossa família). Outros têm medo de pegar uma criança mais crescida (e com traumas já estabelecidos – quem acredita que a vida num abrigo é uma experiência feliz acredita num mito); outros não têm interesse e outros expressam seu puro desamor, devolvendo as crianças que não combinam com eles. Sim, é um assunto tabu do qual ninguém fala, mas que frequentemente acontece.

      Cabe ressaltar que nesse abrigo nada faltava, materialmente. Cada criança tinha seu próprio guarda-roupa, seus próprios brinquedos; as crianças ainda tinham quadra, salão de jogos, brinquedoteca, sala de leitura e mesmo sala de informática para os mais velhos. Materialmente, tinham a vida de crianças de classe média. Em outros lugares, os abrigos não são assim. Mas o que é mais importante é que tenham jeito de família, e que inspirem a solidariedade entre as crianças. Era bem o caso desse lugar: as crianças protegiam umas às outras, numa solidariedade comovente que nós, adultos, não conseguimos praticar. (Até hoje, minha filha tenta proteger meu filho das brigas, pois ele é pacato e ela já não leva desaforo pra casa.)

      Só lhes faltava o mais importante: pais que amassem e se importassem com elas.

      E é aí que a porca torce o rabo: no Brasil, a maioria das pessoas que deseja adotar só quer adotar bebês – no máximo, crianças de 2 anos. Para essas pessoas, o nirvana seria que encontrassem menina, recém-nascida, de olhos e/ou cabelos claros – algo que simplesmente não existe, em termos de adotandos. E por isso e por conta dessas exigências irrealistas, passam anos e anos na fila. Mesmo nós, que não colocamos tantas exigências – primeiro queríamos menina, saudável, de até 3 anos e depois mudamos para criança, saudável, de até 4 anos – tivemos que esperar pouco menos de 4 anos na fila (acho que também contou o fato de nosso filho ter nascido pouco depois de termos sido habilitados, e o pessoal do fórum talvez tenha achado melhor lidarmos com uma criança de cada vez, ao invés de duas).

      Enquanto isso, as crianças que ninguém quer vão envelhecendo nos abrigos, e os únicos que realmente se interessam por elas são os estrangeiros. E eles são sua tábua de salvação, pois ao fazerem dezoito anos elas são simplesmente despejadas dos abrigos. Não existe nenhuma política permanente de educação para essas pessoas – seja ela universitária, técnica ou industrial/comercial. E com isso, tristemente, muitas delas acabam enveredando pelos caminhos da marginalidade e do crime. Durante nossa preparação para a adoção, tivemos a chance de conhecer Roberto da Silva, ex-interno da Febem que após deixar a instituição, mergulhou no mundo do crime. Mas se recuperou, estudou direito e pedagogia e, aos 43 anos de idade, defendeu sua tese de doutorado na USP. Um resumo de sua história pode ser lido aqui e aqui.

      Você sempre diz que o estado brasileiro falha quando precisa defender os direitos das pessoas. Concordo em gênero, número e grau. Ao ver os autos do processo de destituição do poder familiar dos genitores de minha filha, cansei de ler neles a expressão “com urgência”, para ver que a resposta a essas solicitações vinha 3, 6, 9 meses depois. E enquanto isso, minha filha ia crescendo. Ela tem um caderno de recortes onde podemos acompanhar sua evolução de 15 meses a 3 anos. E não tenho mais coragem de abrir esse caderno, pois acho sempre que vou morrer de tristeza pelas outras crianças que tivemos de deixar para trás.

      Por isso é que, nesse caso, acho que o estado está procurando ajudar essas crianças. Já que esses estrangeiros se interessam por essas crianças – que nós, brasileiros, não queremos – acho muito justo que o governo brasileiro facilite que sejam adotadas por eles. Acho que a felicidade dessas crianças não têm preço, independentemente de onde essa felicidade seja alcançada.

      1. (Obrigado, Zarastro.  Conheco

        (Obrigado, Zarastro.  Conheco varias historias de adocao brasileiras, algumas das quais eu nao posso nem contar em publico.  E eh claro que eu ja conheco a situacao e me importo com o futuro dessas criancas.

        Meu ponto era estritamente que ta com cara que o Estado vai comecar a discriminar oficialmente o parente adotivo brasileiro facilitando a adocao por estrangeiros.  Que eh uma coisa impensavel nos EU, digamos, ou Inglaterra.)

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