As metas do Todos pela Educação

Educação: país avança, mas deve consolidar ações

Entrevista de Priscila Cruz, coordenadora-executiva do Todos Pela Educação

A OCDE – conjunto dos países desenvolvidos, mais a Rússia – publicou recentemente avaliação do desempenho educacional de 65 países, nos últimos dez anos, destacando o Brasil na terceira posição no ranking entre os que mais avançaram em educação. Em contrapartida, na tabela geral, o Brasil permanece em posição bastante desfavorável (53ª).

Em entrevista ao jornalista Luís Nassif, a coordenadora-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, explica que é natural que países em piores condições apresentem níveis melhores de avanço em relação aos Estados com melhor nível educacional. Logo, a resolução da OCDE, simplesmente, acusa os déficits históricos de investimentos no país. Atualmente, metade das crianças e jovens que entram no ensino fundamental concluem o ensino médio.

Para alcançar os níveis educacionais dos desenvolvidos, o Brasil necessita organizar um conjunto de medidas que passa pela melhora de metodologias de avaliações de ensino, reconhecimento da própria população sobre o esforço que deve empreender para superar os déficits no setor e construção de um currículo básico educacional, inexistente hoje no país.

OobjO objetivo desse último item é padronizar o ensino de Norte a Sul, e melhorar a avaliação de alunos em âmbito nacional. “É lógico que temos que respeitar as diferenças regionais, mas aquilo que é básico tinha que ser unificado”, completa.

Acompanhe a íntegra da entrevista:

Luis Nassif – No estudo que fizeram sobre as metas de educação, explique um pouco como que foram fixadas metas para cada Estado.

Priscila Cruz – Primeiro, a gente fixou as metas gerais do Brasil pegando a média de como estavam os países da OCDE, em 2006, e depois pegamos essa média, fizemos uma curva logística, e traçamos esses percursos entre esse número, da média da OCDE, e do Brasil de 2006 até 2022. Então, a perspectiva é fixada da média da OCDE, de 2006, lá para frente de 2022, traçou-se uma curva, e depois outras curvas, ano a ano, para fazermos as metas intermediárias.

E, aí, o que a gente faz, considerando a realidade inicial de cada um desses estados: os estados que estavam numa situação pior, em 2006, têm uma curva um pouco mais acentuada no começo, porque a gente sabe que é mais fácil conseguir resultados quando se está pior do que quando se está melhor. Então, você tem que avançar bastante no começo, correr atrás e, depois, acompanhar todo o resto da média do Brasil.

LN – Agora, os indicadores são montados em cima de quê, de provas? Entra repetência, entra absenteísmo?

PC – Quando fixamos as metas colocamos o aluno no centro. Teve muita discussão sobre processos que são importantes, mas a gente não pode perder a dimensão do resultado final no aluno. Então, a gente considerou ‘o aluno tem que estar na escola’, que é a meta 1, uma meta que usa dados da PNAD que é de quem está na escola e de quem não está na escola, em relação à população geral daquela idade. A meta 2 é ‘alfabetização das crianças até oito anos de idade’, porque se você não alfabetiza até essa idade, ela passa a não aprender nas séries seguintes. Você tira toda a oportunidade que ela teria de aprender quando alfabetizada no tempo correto.

LN – E essa avaliação da alfabetização até oito anos vocês pegam de onde?

PC – Essa não tem uma avaliação no sistema nacional e, aí – até foi aquilo que a gente comentou na divulgação do relatório – que se está fazendo uma avaliação, pela primeira vez no país, em parceria com o Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais], que é um instituto ligado ao MEC que faz as avaliações externas, com o Instituto Paulo Montenegro, ligado ao IBOPE, e a Cesgranrio.

A gente montou a primeira prova de alfabetização, na verdade de letramento e numeramento também, para crianças de segunda série barra terceiro ano. Daí a gente montou uma matriz, e a partir disso o Inep pode, junto com os anos anteriores de provas no Brasil, também aplicar o de segunda-série. Assim, você consegue ver a realidade da alfabetização, antes do leite derramar lá na quarta série, pois você vê os índices de aprendizagem que se tem de língua portuguesa e matemática.

É importante que os gestores tenham a medida correta de como está à alfabetização e numeramento de oito anos para poder corrigir à tempo.

LN – Então você falou, o 1º é a presença de crianças na escola, 2º é a alfabetização, até os oito anos, e o 3º?

PC – A 3ª é a ‘aprendizagem adequada à série’, é você ter as crianças tendo pelo menos o mínimo de aprendizagem que aquele ciclo permite. Daí, a gente tem avaliações de larga escala como Prova Brasil/ Saesb e Enem – a gente usa a Saesb e Prova Brasil para fazer essa meta 3 [aprendizagem adequada à série].

A meta 4 é a meta de fluxo. E é o seguinte: eu entrei na escola, me alfabetizei, aprendi tudo que tinha que aprender e conclui o ensino médio na data correta. Então a meta 4 mede esse fluxo. O que no Brasil ainda é um funil. A gente tem aí metade das crianças que entram no fundamental concluindo o ensino médio. Perdemos metade de crianças e jovens no meio do caminho.

E a meta 5 é a meta do investimento. O investimento tem que ser ampliado, porque realmente temos uma dívida histórica. Não é com o dinheiro que temos atualmente que será possível resolver o problema. Temos que ampliar. Mas, sobretudo, precisamos gastar bem esse dinheiro. Tem que haver muito mais foco, temos que saber investir onde realmente dá resultados, e dá resultados na aprendizagem das crianças.

LN – Acompanhei aquele encontro que participaram em Inhotim. A dúvida lá é que se tinha casos exemplares de escolas no Piauí, em Teresina, que foram muito bem avaliadas, e um conjunto de práticas que os educadores comentavam sobre as razões que levaram às melhores práticas – questão de relacionamento com as comunidades, com as famílias, com os país dos meninos – isso aí não é mensurável por essas estatísticas mais massificadas, né? Como é que vocês pretendem identificar as melhores práticas e multiplicá-las?

PC – Em educação, olhar experiências isoladas é um pouco complicado, porque a educação é algo tão complexo que, inclusive, é a beleza da educação, ser uma política muito complexa. Se a gente pegar a experiência de uma escola e ver o que deu certo e tenta replicar em todas as escolas do Brasil, você não terá os mesmos resultados. Porque é um conjunto de políticas que, juntas, de uma certa forma, criam uma sinergia tal, que você consegue resultados.

O back graun social e familiar das crianças conta muito, assim como a região geográfica, o histórico das políticas educacionais, como é o perfil do diretor daquela escola, de quem trabalha ali, o perfil de quem trabalha na gestão central. Isso tudo tem um impacto gigantesco. Por isso, quando você isola um fator, ligado a melhoria de resultados, vê que esse 1 fator tem impacto de 2%, 3% no resultado final, porque é o conjunto todo que faz a diferença.

LN – Priscila, quando a gente pega, por exemplo, a metodologia desses prêmios de qualidade, eles tentam ter uma visão sistêmica sobre as empresas que permitem, de alguma maneira, tratar essas diferenças. Sei que nós estamos falando de massa de milhões de pessoas, mas de alguma maneira, acredita que esses indicadores de educação avancem e cheguem a essa visão sistêmica para, daí sim, permitir identificar todos esses fatores extras que contribuem para melhoria ou piora?

PC – Acho que a gente tem caminhado para isso, cada vez mais. Primeiro, tivemos conquista, nos anos 1990, de termos avaliações, medidas mais concretas, mais gerais. Depois começamos, mais nos anos 2000, a usar isso para gestão, agora tem uma pró-passagem que é, juntar tudo e colocar tudo no mesmo pano, e fazer indicadores que ajudem realmente a escola, a rede, a fazer mudanças, e a gente realmente ter um olhar um pouco mais sistêmico das coisas.

Um exemplo é sobre um indicador de gestão que estamos desenvolvendo. Se você não tem um indicador que diga “aquele crescimento de aprendizagem, ou de fluxo, ou de várias coisas, se deve à boa utilização de recursos de forma x, y, z…”, se você não dá mais pistas para os gestores, você fica realmente cobrando apenas resultados sem dar o menor apoio. (…) Hoje uma escola recebe nota dela no Prova Brasil, ou no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], o máximo que ela consegue fazer com aquilo é saber se está melhor ou pior do que na edição anterior. Mas eu não sei, a partir de números, o que meu aluno aprendeu ou deixou de aprender.

Então, temos que caminhar para um sistema um pouco mais inteligente e integrado para que as escolas realmente utilizem as avaliações, e esses grandes números, para fazer os ajustes, as melhorias…

LN – Daí você acha que a premiação individual é um bom estímulo, ou não necessariamente?

PC – É importante a gente premiar porque tem um efeito de exemplos. Por outro lado, em geral, um bom resultado é fruto de um conjunto de profissionais, de um conjunto de políticas aplicadas lá atrás, de esforço, também, dos alunos.

Mas, acho que a gente tem que tomar muito cuidado na hora de isolar como se fossem heróis. Na medida que a gente coloca assim alguns como heróis, você perde a dimensão que existem milhões de heróis.

Prefiro valorizar a classe dos profissionais de educação, ainda mal compreendida. Como sociedade, valorizamos muito pouco. Os governantes e lideranças, ainda, valorizam muito pouco. E, no final das contas, é o principal profissional que a gente tem nesse país.

LN – Voltando às metas. Você disse que estados que têm pior avaliação, conseguem, em termos relativos, avanços mais rápidos que estados com melhor avaliação. Na definição dessas curvas, até 2025, você levaram em conta isso?

PC – Levamos em conta, exatamente. Tanto estados que estão muito ruins quanto os que estão melhores têm, mais ou menos a mesma dificuldade para poder atingir aquela meta. Também as metas foram calibradas ano a ano, considerando essa dificuldade de quem está na frente, e a melhor facilidade, digamos, para quem está atrás. É uma curva logística que considera isso, por isso ela tem um ponto de curva lá na frente – ela converge todos os estados em 2090.

LN – Em 2090?

PC – Não. A convergência de todos os estados. Em 2025, você tem a média do Brasil, mas, ainda, considerando que a gente vai ter uma diferença muito menor do que a gente tem hoje. Porque a diferença que temos hoje, é escandalosa, não tem outra palavra. O fato de uma criança ter nascido em um determinado lugar determina o quanto de educação ela vai receber. O que é uma injustiça tremenda.

LN – Saíram esses dados comparativos, entre o Brasil e outros países, mostrando que, em termos absolutos, o país muito atrás, e em termos relativos, um dos três países que mais está avançando. Esse ritmo de avanço é adequando para se atingir, em 2022, a meta?

PC – É a mesma história. Se evoluiu bastante, é porque estava muito ruim. É natural que o país que esteja muito abaixo xonsiga evoluir. Seria até estranho se, em dez anos, a gente não tivesse entre os que mais evoluíram. Então, naquela analogia de perder peso, se você tem que perder dez quilos, os cinco primeiros perde rápido, os outros três demoram mais, e os dois últimos, parece que não consegue mais perder.

LN – De qualquer modo, esse ritmo de recuperação para se atingir o estágio de países desenvolvidos é o adequado, ou…?

PC – Não, a gente tem que acelerar muitíssimo. A população brasileira ainda não se deu conta do esforço que temos que empreender como nação para, realmente, superar um problema histórico de divisão de classes. Falta de oportunidade. Quando a gente olha a diferença de resultados por classe de renda, é revoltante. Fica muito claro que quem não está na escola, quem não está aprendendo, quem repete de ano são as crianças que pertencem às famílias mais pobres. Então temos que fazer compensação, que seja uma política compensatória, tem que dar mais para quem precisa de mais.

LN – Daí entra um ponto que vocês abordam, que é essa questão de currículo mais flexíveis e praguimáticos às demandas das crianças e até de entrada no mercado de trabalho…

PC – É. Nós precisamos primeiro definir o currículo, porque não temos um currículo nacional. Os professores não têm uma clareza de saber, exatamente, o que é uma maldade muito grande… Imagina que você vai ter uma avaliação a cada dois anos para saber se seu aluno aprendeu ou não prendeu. Mas eu, professor, não sei exatamente o que tenho que dar. Não existe um currículo que me diga, por exemplo, ao final da quarta série que meu aluno tem que saber a raiz quadrada.

O professor também foi formado em cima de um currículo que privilegia muito mais a teoria do que instrumentalize ela para a prática pedagógica, do dia a dia. Então tem vários fatores que contribuem para essa falta de aprendizagem das crianças. Antes até de pensar que currículo ter para o século XXI, é ter um currículo. Se conseguíssemos ter um currículo no país, poderíamos, inclusive, promover um amplo debate sobre um currículo modelo para o século XXI, mas não temos nem isso.

O professor do Acre dá uma coisa que o professor do Rio Grande do Sul dá completamente diferente. É lógico que temos que respeitar as diferenças regionais, mas aquilo que é básico tinha que ser unificado. Saber fazer contas, escrever, interpretar texto – isso é básico, todo mundo tinha que fazer igual. E a gente não tem a definição de tudo isso no Brasil. 

Luis Nassif

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