Existe paternidade do Bolsa Família?, por Iraneth Monteiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Existe paternidade do Bolsa Família?

por Iraneth Monteiro

Nos últimos dias temos visto pela grande imprensa o surgimento de “novos pais” ou formuladores do Programa Bolsa Família. Compreendo que se trata de uma política pública bem sucedida. No entanto, considero importante trazer para esta discussão o processo coletivo que possibilitou o seu surgimento em 2003. Não acredito em passe de mágica e nem em salvadores da pátria quando se trata da construção de ação de grande envergadura, que modifica a vida de milhões de pessoas.

É importante a narrativa histórica do ciclo de construção de uma política pública, a fim de mostrar toda a complexidade que um processo deste envolve. A reconstrução histórica do Programa Bolsa Família mostra quantos entraves seu processo de instalação enfrentou, tais como: diversos programas de transferência de renda existentes até 2002; questões relacionadas ao cadastro de beneficiários; fatores econômicos ligados às limitações orçamentárias; e fatores políticos referentes à existência de projetos diversos de políticas sociais.

Havia, no início do primeiro mandato do governo do presidente Lula, duas visões na área dos programas de transferência de renda. O Projeto Fome Zero tinha um apelo histórico para o governo recém iniciado do PT, pois, seu foco era segurança alimentar, a questão da fome e o apoio à agricultura familiar. A segurança alimentar sempre foi uma bandeira de luta desse partido. E não foi por outro motivo que o este governo começou por este projeto, que ficou conhecido no Brasil e no mundo como o Programa Fome Zero. Entretanto, em meio a tantas críticas de que o programa não havia “decolado”, o presidente Lula, ainda em 2003, determinou que fosse revista, através de um grupo de trabalho (GT), coordenado pela Assessora da Presidência Miriam Belchior, a estratégia de seu governo, na área social.

De forma geral, o GT se baseou no relatório de transição da área social, coordenado por Ana Fonseca (professora da Unicamp), que defendia a unificação dos programas de transferência de renda a fim de evitar a dispersão, a sobreposição, a duplicidade e o desperdício de recursos públicos. O maior apelo desse projeto passava pela questão de melhorar a gestão e o arcabouço institucional para possibilitar a incorporação de todas as famílias pobres no programa. Buscava-se, assim, aperfeiçoar os mecanismos de gestão para que o uso dos recursos fosse mais racional e articulado entre as diferentes pastas ministeriais. Essa proposta tinha ainda a vantagem de mostrar um caminho mais curto e simples para combater o núcleo duro da pobreza, através da transferência de renda. De acordo com o modelo de “múltiplos fluxos” de John Kingdon, para que determinado tema entre na agenda é preciso que ocorra o reconhecimento do problema, a existência de soluções e o componente da política. Em 2003, o presidente Lula aproveitou a janela de oportunidade que foi aberta com a sua eleição; as três dinâmicas se encontraram e o combate à pobreza passou a ser prioridade na agenda governamental.

No campo das políticas públicas, não há solução definitiva, não há um caminho único e reto a ser percorrido, principalmente, em um país com as dimensões continentais do Brasil e com grande parte de sua população requerendo uma oportunidade para romper o ciclo perverso da pobreza.

Iraneth Monteiro – Mestre em História, Bens Culturais e Projetos Sociais pelo CPDOC-FGV-RJ e Doutoranda em História pela UFRRJ

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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