Falando também do que não está sendo pensado

Comentário ao post “Quem está pensando o novo?

É importante falar também do que não está mudando, do que não está acontecendo.

Saúde é um tanto assim. O raciocínio mais corrente é apenas aumentar a oferta de atendimento, hospitais, médicos, etc. Mas pouco se fala de medicina preventiva, de ensinar às pessoas a não ficarem doentes. Caminhamos para uma epidemia de obesidade. E nada se fala sobre estresse ou assédio moral no trabalho, fatores que levam a doenças psicossomáticas.

Sobre educação e trabalho, nada muito estruturado se pensa para oferecer alternativa a já aposentados voltarem a trabalhar. A visão do governo sobre abertura à imigração é boa, mas não encontra respaldo nem entre seus simpatizantes.

Mas onde este país mais assusta é no conservadorismo na área de segurança.

Nos últimos 20 anos, o que vimos foi a triplicação do aprisionamento, a maior taxa mundial, resposta cara mas cômoda que os políticos têm a oferecer.

Mas a criminalidade não caiu, não se nota que apenas se está fazendo é “abrir vagas” na atividade clandestina e criminosa com pouco se fazendo na prevenção e para aumentar o “custo” (risco de detenção) x benefício (rentabilidade das operações) das atividades criminosas.

Em muitos lugares do mundo se fala em descriminalização de algumas drogas para reduzir o fluxo de renda do crime e ao mesmo tempo liberar recursos públicos (quanto se gasta em investigar, julgar e deter pequenos vendedores de maconha?) Mas o assunto virou tabu no Brasil.

Outro tabu, o aborto, não gera muitos gastos para o sistema, posto que depende de denúncias. Mas é um absurdo completo manter-se a criminalização de algo que não funciona, simplesmente as mulheres e seus companheiros não deixam de recorrer a isso. O que se consegue? 200 a 300 mulheres jovens mortas por ano. Se o cumprimento da lei atual fosse buscado “pra valer”, o sistema poderia prender 700 mil mulheres por ano? Seria bom é que houvesse educação sexual mais efetiva nas escolas, aí menos jovens abandonariam precocemente as escolas (e para que atividade irão aqueles que não completam o ensino médio?)

Também não se fala em redução de penas ou mais prisões em tempo parcial. Experiências internacionais para isso há (Nova York, por exemplo.) Isto porque sairia do estereótipo do que a sociedade imagina, que é alongar a punição. Mas qual o objetivo do sistema? É reduzir o crime, não aumentar o número de pessoas presas e ainda por mais e mais tempo. Deve-se buscar um ponto de equilíbrio em que, havendo a punição, não haja a formação de uma universidade do crime. E como os ex-condenados retornarão à economia normal?

Sem falar no medievalismo da ideia de reduzir a maioridade penal. Para justificar esse projeto, na contramão histórica, vale usar falácias, como comparar a idade penal do Brasil com a idade para envio a reformatórios na Europa. Ainda por cima colocando o pequeno tráfico como razão de prisão, o que levará a uma nova geração de traficntes-mirins, entre 14 e 16 anos.

Atualização do Código Penal, nem pensar, é tido como “antirreligioso”. A pesquisa Datasenado de outubro passado revelou como a sociedade brasileira deseja caminhar para o passado: até aceita a necessária criminalização da homofobia, mas não aceita que este crime, como os seus análogos (racismo, xenofobia, etc) seja abordado com penas alternativas. A prisão por não-pagamento de pensão ainda existe (ou seja, quem é preso aí é que fica sem renda…) E em outros aspectos abordados também se nota a popularidade de ideias como acabar com a inimputabilidade de índios.

“Esquerda” e “direita” acabaram quando se fala em segurança pública no Brasil. O sonho de consenso, ao que parece, é transformar o Brasil num imenso Texas.

Luis Nassif

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