Governo e setores da mídia e Judiciário constroem narrativa contra o Bolsa Família

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Na semana passada, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) do governo Michel Temer anunciou que fez o “maior pente-fino da história do Bolsa Família” e disse ter detectado uma série de irregularidades que levaram ao cancelamento imediato de quase meio milhão de benefícios. Sem mais detalhes, outros 654 mil foram suspensos por três meses, obrigando os beneficiários a procurar as prefeituras, verdadeiras gestoras do programa, para “regularizar a situação”. 

Foi com uma mudança no método de cruzamento de dados dos beneficiários que o governo Temer conseguiu reduzir o Bolsa Família em 8% em apenas um mês.

Ao atingir 1,1 milhão de assistidos pelo programa de transferência condicionada de renda criado por Lula, o governo diz ter gerado uma economia anual de R$ 2,4 bilhões. O volume pode dobrar nos primeiros meses de 2017, pois o MDS já projetou que o corte pode atingir outros 1,4 milhão de beneficiários, com o mesmo discurso de combate a fraudes avalizado por figuras como Gilmar Mendes.

Leia mais: MPF alia-se a Osmar Terra para carnavalizar o Bolsa Família

A velha mídia, que tradicionalmente trata o Bolsa Família como uma política para fins eleitorais, celebrou a decisão do governo Temer de mudar a base de dados.

Em editorial publicado na semana passada, o Estadão apontou que “um pente-fino era indispensável diante das evidências de que os governos petistas, por criminosa negligência ou simples incompetência, haviam perdido o controle do programa” que garantia ao “ao lulopetismo um curral eleitoral de 40 milhões de votos”.

Para a pesquisadora e professora da Unicamp Walquíria Leão Rego, autora do livro “Vozes do Bolsa Família”, o governo Temer – “ilegítimo”- e setores do Judiciário e da mídia “estão construindo uma narrativa para pregar que o Bolsa Família era a compra de votos institucionalizada do PT” e, assim, desqualificar o programa e esvaziá-lo pouco a pouco.

A decisão de auditar o Bolsa Família mensalmente, para a pesquisadora, é uma das mais prejudiciais. Isso porque a renda dos beneficiários é muito volátil. Nos finais de ano ou em meses recheados de datas comerciais, quando cresce a oferta de empregos temporários, algumas famílias correm o risco de ter o benefício cortado porque o MDS não analisará o quadro social e econômico como um todo. Por isso, o antigo MDS fazia análises anuais, contando ainda com ajuda do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União.

O governo Temer, por outro lado, decidiu substituir o cruzamento de várias informações cedidas pelos ministérios que atuavam no programa sob as gestões do PT pelo uso de seis bases distintas: o Cadastro geral de Empregos e Desempregados, o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o Instituto Nacional de Seguro Social, o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos, o Sistema de Controle de Óbitos e a Relação Anual de informações Sociais.

Abaixo, a entrevista de Walquíria Leão Rego, realizada na última quarta (16).

***

GGN – Dentro de sua pesquisa acadêmica sobre o Bolsa Família é possível dizer que havia completo descontrole do acompanhamento do programa?

Walquiria Leão Rego – Não, não existia descontrole nenhum. Isso é propaganda barata, ideológica e persecutória. Os controles sempre foram muito bem feitos, tanto é que o programa ganhou muitos prêmios exatamente pela boa gestão, que inclui o cruzamento de dados entre os ministérios da Saúde, Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social. Havia, o tempo todo, mecanismos de controle dos procedimentos, inclusive independentes e internacionais. Isso [de dizer que há descontrole proposital] é desinformação e má-fé.

O governo Dilma tirou milhares de pessoas do Bolsa Família várias vezes. Nunca foi noticiado. Esse tipo de notícia, agora, tem outro objetivo, o de desqualificar o programa. Serve para dar vasão ao preconceito da classe média, para quem o Estadão é uma espécie oráculo.

Não se trata de corte para controle de gastos públicos. Se você ver os valores que as pessoas ganham, você vai ver que eles não estão preocupados com economia. Ao invés de falarem de dívida pública, vão falar do Bolsa Família? Tem gente que foi cortado do programa porque estava ganhando quatro reais a mais! É fazer, como sempre fez a imprensa brasileira, o festejo dos ataques aos pobres.

O que eles querem mesmo é acabar com o programa e assim satisfazer a sanha escravocata da classe média e da alta elite econômica brasileira, dizendo que é um programa, como diz Gilmar Mendes, de compra de votos permanente. É um modo de desqualificar os pobres, que é uma prática normal, constante e recorrente da imprensa.

Estão construindo uma narrativa para pregar que o Bolsa Família era a compra de votos institucionalizada do PT.

GGN – Seria possível cortar tantos benefícios, mês a mês, sem alterar o método de cruzamento de dados para adotar um modelo com seis bases distintas, que deixa de lado o Cadastro Único ou mesmo informações trocadas entre ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social?

WLR – Acho que não, porque aí não cortariam uma pessoa porque ela está ganhando 4 reais a mais [do que a renda mínima exigida pelo programa]. [Quando isso acontece] Você chama a pessoa e pede para ela explicar as informações. E isso fácil é isso, basta acionar os CRAS (Centro de Referência em Assistência Social), ou usar a tecnologia no controle. O MDS era impressionantemente atento a esse controle.

Isso sem contar que, às vezes, a mudança na renda é sazonal. A pessoa pode estar, naquele momento, atingindo a renda de 400 reais per capita porque conseguiu um emprego temporário. Porque pelas regras, se você tem carteira assinada, por exemplo, eles cortam o benefício. É só verificar no Ministério do Trabalho se ele está na ativa. Se a renda é formalizada e permanente, o próprio sistema impede.

Esse risco de cortar o benefício injustamente porque a pessoa arruma um emprego temporário, de final de ano, por exemplo, é permanente, e por isso a ministra Tereza Campello tinha o cuidado de monitorar o programa pensando nesses aspectos.

Em minha pesquisa, eu visitei lugares onde as pessoas diziam que tinham arrumado um emprego num hotel, para fazer faxina em alta temporada, com carteira assinada, sim, mas só por dois meses. O MDS tinha que estar preparado para esse tipo de situação.

O problema é que eles querem esvaziar o programa com o discurso de fraude.

GGN – Se estivéssemos falando de um governo que defende o aprimoramento do programa, e não o estabelecimento de critérios que aparentemente o esvaziam, o que poderia ser melhorado?

WLR – Além de aperfeiçoar constantemente os mecanismos de controle, acho que uma das principais questões que não deu tempo de o programa enfrentar, porque é uma questão complexa, é a geração de políticas culturais e educacionais específicas para as mulheres do Bolsa Família. Porque você ser excluida durante anos, desde o seu nascimento, sendo que sua mãe já foi uma excluída do sistema de educação e saúde…

Há um descompasso entre as necessidades da sociedade atual e essas milhares de pessoas que, durante séculos, foram abandonados pelo Estado basileiro. Não adianta fazer reformas educacionais sem olhar para essas gerações com déficits. Não dá para achar que qualquer programa de educação vai abarcá-las, atingí-las. Tem de ter algo mais específico.

A questão é como fazer esses programas para pessoas que vieram de uma geração que nunca teve acesso à educação. Essa população foi abandonada em tudo. O que sobrou para ela de acesso à cultura são as novelas da Globo.

É questão de reunir os pensadores desses temas para saber como vamos oferecer uma educação e atualização cultural para quem dificilmente teve acesso à educação e cultura. Isso o programa não teve tempo de fazer, e explica em muito a tentativa de acabar com o Bolsa. Porque imagina o que acontece quando você educa 40 milhões de pessoas. Vejo que aí tem um veto ideológico e político da própria sociedade e da visão elitista que ela tem sobre si mesma.

***
Editorial do Estadão, de 14/11/2016:

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

15 Comentários

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  1. Bolsa Família é questionável,

    Bolsa Família é questionável, mas até aceito pra aqueles que precisam.

    Não ad eternum.

    Agora,uma montanha de pilantras que  tem renda  MUITO acima do mínimo do teto, ser beneficiado ?

    E este blog apoia ?

    Pois bem ,sem bricadeira–sério pra caramba.

     primeiro Documento que se pede é o título de eleitor.–o resto nem é necessário.

    E isso não é compra de votos ?

     

    1. Má fé…

      anarquista sério, você muda de pseudônimo, mas a burrice e má fé continuam as mesmas…

      Vou retificar seu comentário (se julgar necessário, eu desenho pra você): o documento a ser apresentado para cadastro no Bolsa Família é o CPF OU o título de eleitor. 

      “O resto nem é necessário”…sem comentários.

    2. Bolsa Família

      Cara, eu duvido que você conheça algum beneficiário do programa e, pelo que vejo, nada sbe sobre o bolsa família a não ser o que os “Estadão” da vida lhe passaram. alguma coisa para se indignar? O governo federal destinou mais de 200 bilhões para o latifúndio (agronegócio). Procure saber quanto de fato foi direcionado para a agropecuária. Vc vai tomar um susto. Sabe como é, juros baixos, carñeica, etc.

      Se você for um pouquinho mais curioso, descobrirá que falar do agronegócio (falo sempre do latifúndio) como algo maravilhoso para o país é um dos maiores sofismas vendidos ao povo brasileiros.

    3. E os milhões de integrantes

      E os milhões de integrantes das classes superiores, que usam todo tipo de estratagema para não pagar ou pagar o mínimo possível de imposto de renda? Ai pode? Nesse caso, nem pente grosso, que dirá pente fino? Antes que alguém justificar dizendo que nesse país paga-se muitos impostos e que a maior parte é desviada pela corrupção, vamos desconstruir essa falácia. No Brasil, os pobres pagam mais impostos que os ricos. E quem diz isso não são esquerdopatas, mas a BBC, com base em um Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC): http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/03/140313_impostos_ricos_ms

       

  2. Para manter um país

    Para manter um país indefinidamente na condição de subdesenvolvido é necessário manter uma sólida base na pirâmide social do país de desempregados e miseráveis, que se encontram nessa situação não por desmérito próprio, mas por absoluta falta de oportunidades. Essa base impede que os trabalhadores pleiteiem melhores salários e condições de trabalho, já que qualquer movimento nesse sentido é inviabilizado pela existência dessa base de miseráveis, pronta a aceitar qualquer tipo de trabalho para poder sobreviver. Esse é um dos motivos que faz a parcela gananciosa da elite econômica odiar tanto o Bolsa Família, que enfraquece consideravelmente essa base.

     

  3. Na verdade, atacam o Bolsa

    Na verdade, atacam o Bolsa Família, sobretudo, porque nem sequer o compreendem. Quando afirmam que “é um programa eleitoreiro do PT”, eles o fazem por pura estupidez, incapacidade de raciocínio lógico.

    Jamais um indivíduo que só vê a necessidade até o ponto de pedir, pois, quando pede, dão-lhe tudo o que demanda, poderá entender o que é o Programa. Esse indivíduo, então, que cresce e se “desenvolve” sem a menor chance de entender a necessidade, ele nem imagina que o Bolsa Família pague qualquer valor específico; ele assume e jura por Deus que aquilo é suborno, é compra de consciência, e que seja uma quantia que nem importa quanto seja (ele não sabe de quanto é), porque é “errado fazer esse pagamento”… ou coisa do gênero – é o máximo que a sua “capacidade de racicínio” lhe pode conferir.

    O que o indivíduo desprovido de discernimento fatual sobre a “sociedade” brasileira não vai aceitar é que o Programa só oferece, ao paupérrimo cidadão brasileiro, apenas uma muito minúscula parte do que lhe é devido no seio da Sociedade Brasileira. Que ele não recebe nem mesmo o que seria seu de Direito.

    E uma das maiores provas de que qualquer atitude contra o Bolsa Família não procede é o simples fato de que um indivíduo como Gilmar Dantas se posiciona da maneira que o faz. Ele é um pária, restolho de gente que só serve e apoia ao meliante e ao bem-afortunado.   

  4. A maneira mais fácil de

    A maneira mais fácil de tornar o bolsa-família palatável para a classe média é torná-la universal. Todo mundo que tem filho ganha e pronto. 

    1. Concordo. Não só para

      Concordo. Não só para crianças, mas para todos os cidadãos do pais. É a Renda Básica da Cidadania. Vigora em vários países e funciona bem. No Brasil, já temos a Lei 10835/2004 pronta: Artigo 1º § 2o O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias. (Falta incluir moradia)

      Dispensa qualquer outro tipo de ajuda assistencialista e impede a habitual falácia de que as pessoas se tornam vagabundas por conta disso. Só pessoas com problemas físicos ou mentais graves deixam de trabalhar. As pessoas querem uma vida melhor, não só em termos financeiros, mas também para realização pessoal e profissional. 

  5. Pô! Mas sempre disseram que o

    Pô! Mas sempre disseram que o bolsa família dá votos! Ah! não precisam de votos! E mesmo dando votos ninguem vai votar nêles? E são ditadores golpistas que se preciso roubam votos alheios! Agora entendí… Então na verdade vão mesmo é práticamente acabar com o bolsa família! E o dinheiro vai para os outros bolsos de outrora, é claro.

  6. 1- Primeiramente: FORA

    1- Primeiramente: FORA TEMER!

    2- Segundamente: Até maio desde ano acompanhei diariamente no GGN as análises do quadro econômico e as cotações do dolar, mas de lá para cá nada mais vi… (tenho tempo, sou escorpiniano e não esqueço) 

    3- A dita elite branca nacional (especialmente a que evita o sol para não ficar “moreninha” como meus parentes em Natal, Rio e, claro, em Porto Alegre) sente uma saudade de seus empregados baratinhos, baratinhos, tipo 0800. Por isso também foram prás ruas: “Onde já se viu apenas 8 horas de trabalho?” . 

    4- Derrubarão o Bolsa Família e tudo que ajude os pobres. E as cenas que Darcy Ribeiro viu em sua infância na cidade de Montes Claros acontecerão em todo o país:  “Cidadãos de “bem”  trocavam um prato de comida para os retirantes da seca Nordestina desde que transassem com a menina da família.”

    Essa é a colaboração que os mi e bilionários e seus assalariados da privada empresa e do servido público darão a nossa civilização: A miséria, a dor, a desgraça, enfim, o horror!

     

    QSF

      

  7. E para descobrir os super salários do judiciário, é necessário..

    E para descobrir os super salários do judiciário, é necessário somente um pente grosso.

  8. São publicados os nomes

    dos beneficiários do Bolsa Família em todos os municípios. Quem quiser saber quais são, não há problema nenhum. 

    Em qualquer atividade sempre vai existir o erro humano (no caso a corrupção). Isso em qualquer país do mundo, há até uma estatística. ONDE ESTIVER O HOMEM,AÍ HÁ O ERRO. 

    Há vários Oficiais das Forças Armadas sendo investigados (sempre houve) então vamos acabar com as FFAA e com o Judiciário também. 

    Já divulguei só para provocar e crirar polêmica: William Waack escreveu que Oficiais praticavam corrupção com as refeições servidas aos Pracinhas na 2º guerra (por turno 13 a 14 mil refeições e havia somente uns 5 mil homens).

    aqui há a constestação: https://www.facebook.com/dennison.deoliveira/posts/10207611890845405 (no entanto, essa parte nunca divulgo).

     

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