Médicos/BR: quantidade não é qualidade

Selecionei dois textos do UOL hoje que, na minha opinião, servem para desfazer a percepção equívoca de que nosso país precisa de mais médicos; já os temos em número suficiente, precisamos é de melhores condições de trabalho e investimento em qualificação profissional (principalmente, oferecendo mais vagas de residência médica)

Seguem os links dos dois textos: texto 1 e texto 2

Baixos salários e estrutura precária causam “apagão médico” no Norte e Nordeste

  Especial para o UOL Ciência e Saúde

 Aliny Gama e Carlos Madeiro

Em Maceió

 

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  • “Aumentar as vagas não é prestar um bom serviço à saúde”, diz CFM
  • Pediatria e anestesia são especialidades mais escassas do país, aponta estudoSegundo o CFM (Conselho Federal de Medicina), existem 334 mil médicos atendendo aos 185 milhões de brasileiros. Os números são de 2010 e apontam para uma média de um profissional para cada 578 habitantes, bem acima do mínimo preconizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que indica um médico para grupos de 1.000 pessoas.A situação é ainda mais grave quando confrontados dados regionais. No interior de Estados como Amapá, Amazonas e Roraima, essas médias caem a índices inferiores a um médico para cada 8.000 habitantes, abaixo de Guiné Bissau (que tem um profissional para cada 8.333 pessoas), país subdesenvolvido da África.

Se divididos índices das capitais e do interior, o percentual mais baixo de médicos é registrado longe da capital de Roraima, Boa Vista. Com uma população de 166 mil pessoas, os 14 municípios do interior do Estado contam com apenas 15 médicos –o que dá uma média um profissional para cada 11.077 pessoas. Amapá (um médico para cada 9.290 habitantes), Amazonas (8.940) e Maranhão (6.437) também têm índices similares ao de países africanos.

Procurada pelo UOL Ciência e Saúde, a Secretaria de Saúde de Roraima informou que o Estado tenta dar melhores salários aos profissionais que escolhem o interior para trabalhar. “Uma alternativa encontrada é fazer concursos públicos direcionados aos municípios, com uma proposta salarial diferenciada, a fim de que os profissionais possam se sentir motivados e valorizados, no intuito de não requererem transferência de local”, informou.      

Ainda segundo o órgão, os 14 municípios são atendidos não só pelos 15 profissionais que moram no interior, mas também por outros 56 contratados. “Em média, a maioria dessas localidades conta com dois médicos atendendo, mas esse número pode chegar a oito, como em Mucajaí e seis em Pacaraima”, afirmou.

para o movimento sindical médico, a interiorização está se tornando mais difícil a cada dia por conta dos baixos salários ofertados e das más condições de trabalho. Segundo o 1° vice-presidente da Fenam (Federação Nacional dos Médicos), Wellington Moura Galvão, os médicos sofrem pelo atual “sub-financiamento da saúde”, que é um problema nacional, com reflexos mais graves nas pequenas cidades.

“O que falta é uma valorização da atividade médica. Hoje se paga a um médico no Nordeste, por exemplo, uma média de 10 salários mínimos (R$ 5.450) no PSF, quando o pactuado no programa era de 30 salários (R$ 16.350). Querem pagar mixaria sem dar condições éticas de trabalho. Assim, não vão interiorizar nunca”, alegou Galvão.

Regionalidades

A distribuição dos médicos esconde distorções regionais significativas. A média de profissionais cai na medida em que se sobe no mapa, variando entre índices europeus nas capitais, e africanos no interior do Norte e Nordeste, onde se enfrenta um verdadeiro “apagão médico”.

O CFM diz que, entre 2000 e 2010, o número de médicos no país aumentou 28%. O problema está na distribuição desses profissionais. O Sudeste é a região mais bem servida e concentra 55% dos médicos brasileiros. Na região, existe um médico para cada 422 habitantes. No Nordeste, essa média cai para 888 e no Norte, fica no mínimo de 1.000 habitantes para cada profissional.

Os índices começam a fugir da referência da OMS quando observada a distância das cidades mais longes dos centros de referência. Cerca de 56,3% dos médicos estão nas capitais dos Estados, contra 43,7% dos que atuam no interior. O índice é proporcionalmente inverso à população do país, que está concentrada basicamente no interior. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) mostra que dos 185 milhões de brasileiros, apenas 23% estão nas capitais.

O resultado dessa distorção é que o Brasil possui, ao mesmo tempo, índices de países ricos e miseráveis. Enquanto nas capitais existem um médico para cada 238 habitantes –média superior a de países como Alemanha, Bélgica e Suíça–, no interior a média é de um para cada 1.051 pessoas.

Municípios fazem “leilão” por médicos

Mas encontrar um médico para trabalhar no interior não é uma tarefa simples. Médica e ex-presidente da diretora de Saúde da Associação dos Municípios Alagoanos, a prefeita de Santana do Ipanema Renilde Bulhões afirma faltam médicos. Por conta disso, os gestores do interior do Norte e Nordeste são obrigados a ofertar cargas horárias menores, salários maiores que a média, combustível e hospedagem. Apesar disso, a maioria das vagas está desocupada por falta de profissionais, especialmente para o programa de saúde da família.

Segundo ela, o Ministério da Saúde repassa apenas R$ 6 mil para pagamento de médicos, o que está abaixo da média de mercado. “Vivemos hoje uma espécie de leilão. O município que der mais, ganha o médico. Pagamos aqui, por exemplo, R$ 7 mil ao médico. Mas têm municípios vizinhos, aqui no sertão, que pagam até R$ 9 mil, mais gasolina. Trabalhamos no limite financeiro do município. Essa é a realidade do Norte e Nordeste, que são regiões pobres”, contou.

Outro problema apontado pela prefeita é que dos nove profissionais que trabalham em Santana do Ipanema, apenas dois moram na cidade. “Como gestores, não conseguimos segurar o profissional no município. Hoje os médicos preferem passar apenas uma temporada no interior. Quando fazem seu pé-de-meia, voltam para os grandes centros para fazerem suas especialidades médicas”, afirmou Bulhões.

Falta incentivo, dizem profissionais

O vice-presidente da Fenam confirmou que, para “ter uma remuneração mais ou menos digna”, o médico que opta por trabalhar no interior é obrigado a ter vários empregos. “Eles reduzem a carga horária para poder trabalhar pelo que recebem. O médico é hoje um caixeiro viajante. Sem contar a precarização. Um médico hoje no interior do Nordeste é contratado com salário-base de R$ 1.000, que chega no fim a R$ 5 mil, R$ 6 mil por gratificações. Mas quando entra em férias, se acidenta, recebe o 13° salário é apenas R$ 1.000. Não existe um plano de cargo e salário”, afirma.

Além da falta de altos salários e de bons hospitais, o interior ainda sofre com problemas políticos, que interferem no exercício médico. “Em muitos casos, o médico é refém do prefeito. Às vezes, se ele fizer uma denúncia, ele é tirado de uma comunidade pra outra. Acontece de vereadores quererem que médicos façam coisas-extras, trabalhem fora de horário. Falta de um carreira de Estado. E isso é muito mais grave no Norte e Nordeste, onde o coronelismo ainda impera em muitos locais”.

Novas medidas

Para tentar mudar o mapa de distribuição, o governo federal anunciou medidas que pretendem interiorizar a atuação dos médicos. Na terça-feira (30), a presidente Dilma Rousseff prometeu, durante aula inaugural do curso de medicina em Garanhuns (PE), criar 4,5 mil novas vagas em cursos de medicina por ano para atender à população do interior.

No último dia 25, o Ministério da Educação publicou edital anistiando do pagamento do empréstimo do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) os médicos recém-formados que aceitem trabalhar em uma das 2.219 cidades consideradas prioritárias do país, todas no interior dos Estados. Cada mês trabalhado abaterá 1% da dívida total. Ao todo a medida vale para 19 especialidades médicas, além de quatro áreas de atuação prioritárias para o PSF.

 

05/09/2011 – 07h00

“Aumentar as vagas não é prestar um bom serviço à saúde”, diz CFM

Aliny Gama e Carlos Madeiro
Especial para o UOL Ciência e Saúde
Em Maceió

O Brasil possui hoje 181 escolas médicas, sendo que 100 delas foram instaladas na última década. Segundo o CFM (Conselho Federal de Medicina), o país é o que tem mais faculdades no mundo. Apesar de formar 16,5 mil médicos ao ano e ter uma média de um profissional para 578 pessoas, a presidente Dilma Rousseff anunciou que vai formar mais 4,5 mil profissionais ao ano.

Para o CFM, a solução é redistribuir os médicos pelo país, e não abrir mais vagas. “Não somos contrários ao Brasil ter mais cursos. Somos contra a criação de mais vagas. Se um novo curso bom é aberto e um ruim é fechado, está ótimo. Nós defendemos uma quantidade de vagas na capacidade de demanda. Temos no Brasil mais escolas que qualquer lugar do mundo. Aumentar as vagas não é prestar um bom serviço à saúde”, disse o vice-presidente do CFM, Carlos Vital.

O CFM ainda questiona o argumento do governo de que “faltam médicos” no país. “Nós temos uma metodologia científica para chegarmos a essa conclusão. O governo e o MEC têm que outra fonte para dizer que faltam médicos no Brasil? Que base é essa?”, indagou.

Outra preocupação da categoria é com a ampliação do número de faculdades particulares. “Nos preocupa muito isso, porque a abertura de escolas no país nos últimos anos se deu em cima das escolas privadas, não públicas. E essas escolas têm interesse em abrir vagas, não em ofertar cursos de qualidade”, afirmou.

Segundo o vice-presidente do CFM, o país precisa redistribuir os profissionais com a oferta de melhores estrutura e salários aos profissionais. “Nós temos 72% dos 330 mil médicos no Sul e Sudeste. Os profissionais que estão no Sul e Sudeste não estão necessariamente satisfeitos. Os salários pagos no serviço público não condizem com a dignidade médica. Havendo incentivo, oferecendo instalações adequadas, os médicos insatisfeitos vão migrar”, explicou.

Para ele, o país investe pouco em saúde e precisa urgentemente aumenta os recursos destinados á área para melhorar o atendimento à população. “Precisamos de investimentos, da regulamentação da emenda 29 [que prevê gastos mínimos dos entes federativos com saúde], e de mais financiamento da saúde. Nós não podemos entender a interiorização sem incentivos da criação de centros de atendimento”, disse Carlos Vital.

 

Redação

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