O plano de enfrentamento ao crack de Diadema

Município paulista monta plano para enfrentar crack 

Por Lilian Milena, do Brasilianas.org

Diadema, cidade da região metropolitana de São Paulo, é a primeira do Estado a montar um plano para enfrentar os problemas causados pelo crack. A estratégia de ação imita, e recebe recursos, do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado pelo governo federal em maio do ano passado.

O programa será iniciado em julho e, segundo a secretária de saúde da cidade, Aparecida Linhares Pimenta, contará com duas kombis equipadas com alimentos, materiais de primeiros socorros, e folhetos informativos, além de profissionais da saúde, psicólogo e agente comunitário. Os carros funcionarão como consultórios de rua e irão percorrer áreas onde se concentram dependentes químicos.

“As equipes vão trabalhar para tentar convencer os usuários a irem até um serviço de saúde, para um atendimento. Se algum usuário não quiser ir vamos fornecer uma barra de cereais para comer, porque geralmente ficam muito tempo sem se alimentar”, explica Aparecida.

Os dependentes químicos que aceitarem a proposta dos agentes de rua serão encaminhados para o Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD), que passa a funcionar 24h. A secretária promete que leitos do Hospital Municipal de Diadema serão disponibilizados para atender os casos mais sérios de desintoxicação. 

A reinserção social do usuário de crack deve começar com o seu afastamento das drogas e, consequentemente, processo de desintoxicação, explica o doutor José Manoel Bertolote, professor da faculdade de medicina da UNESP Botucatu, e consultor da Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), do Ministério da Saúde. 

A escolha pelo tratamento tem que ser voluntária, caso contrário as chances do processo de reinserção dar errado são de praticamente cem por cento. Por isso, “só é possível conversar e negociar alternativas com o indivíduo após o processo de desintoxicação” completa.

 

Capacitação
A proposta de oferecer novos caminhos aos dependentes químicos em Diadema está sendo montada com a ajuda de várias secretarias (educação, saúde, assistência social e cidadania, defesa social, esporte entre outros). A prefeitura pretende capacitar todos os funcionários públicos dessas repartições, segundo a secretária de saúde. A primeira turma, em treinamento desde o dia 27 de junho, é de 490 agentes comunitários de saúde do município. Esses profissionais irão receber aulas por um ano. Os recursos para essa capacitação, no valor de R$ 300 mil, estão sendo repassados pelo governo federal, através do edital do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas.

Aparecida reconhece que a articulação de tantas secretarias é um desafio, mas esclarece que o plano está sendo implantado e que as ações iniciais (consultórios de rua, CAPS em funcionamento 24h e treinamento dos agentes comunitários de saúde para conhecer o problema das drogas e alertar as famílias que atendem) são um passo importante. “A liga entre as várias áreas (educação, esporte, cultura, defesa social etc.) se dará a partir da capacitação permanente que faremos com os funcionários de todas essas áreas”, completa.

Além das secretarias, lideranças comunitárias também foram contatadas pela prefeitura. O município realizou duas reuniões com cerca de 50 líderes locais, desde religiosos até representantes comunitários, como o grafiteiro Antonio Souza Neto, o Tota, que lidera ações no ponto de cultura Casa do Hip Hop de Diadema, desde 1999.

“É um tema que merece atenção principalmente entre os jovens que são, geralmente, os mais desinformados”, considera Tota, que participa do programa no eixo da comunicação, trabalhando na produção de cerca de 20 grafites espalhados pela cidade com o tema ‘Droga é uma roubada fácil de entrar, mas difícil de sair’. Até o momento foram entregues 13 painéis. “O grafite é uma forma de comunicação muito forte, ainda mais para se dirigir aos jovens”, defende.

Em agosto o Ministério da Saúde deverá lançar uma nova versão do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas. Segundo Aparecida, especula-se que, dentre as novas medidas do edital, estará a liberação de recursos para que municípios ou parcerias inter-municipais construam Casas Transitórias, que irão atender pessoas em processo de desintoxicação. Essas casas seriam um espaço para que os ex-usuários possam reconstruir suas vidas. “Nelas haverá serviços de atendimento psicológico e capacitação profissional. Uma forma de superar o maior desafio: apresentar um projeto de vida para o jovem capaz de competir com as drogas”, diz a secretária.

A prefeitura de Diadema ainda não tem o número de usuários de crack do município, mas afirma que esse levantamento será realizado pelas polícias Civil e Militar no âmbito do programa. Outras lacunas do plano serão preenchidas ao longo dos anos e da capacitação dos funcionários públicos. “Queremos deixar claro que não temos nenhuma expectativa de resultados no curto prazo”, ressalta Aparecida.

O crack
Segundo o professor Bertolote, as políticas públicas para tratar e reinserir ex-usuários de crack são recentes porque o consumo dessa substância passou a ser um problema urbano há pouco tempo, aproximadamente uma década. 

O médico explica que o crack surgiu em função das restrições e do controle de produção da cocaína. A pasta base (produzida a partir da planta coca) é matriz do crack, cocaína e, mais recentemente, do oxi. Todas essas drogas tem efeito anestésico local, porém são altamente estimulantes do sistema nervoso. “A rigor essas substâncias causam excitação motora, excitação sexual, perda do apetite e insônia”. A diferença, conta Bertolote, é a forma como cada uma é metabolizada pelo organismo.

Quando o indivíduo inspira a cocaína, aproximadamente 80% da substância psicotrópica chega ao cérebro, em mais ou menos cinco minutos. Já quando o indivíduo fuma o crack, aproximadamente 95% da substância psicotrópica é absorvida pelo organismo, e leva de cinco a dez segundos para chegar ao sistema nervoso. O professor explica, ainda, que o corpo demora entre duas e três horas para eliminar as sensações trazidas pelo uso da cocaína. Já a eliminação das sensações causadas pelo uso do crack dura, no máximo, 20 minutos.

“Sabe-se, em farmacologia, que quanto mais rápida a sensação de prazer dada pelo uso de uma droga e menor tempo de duração no organismo, maior o poder de dependência de uma substância”, completa.

Bertolote esclarece que o problema da violência associada à droga decorre do ambiente onde ela é consumida. “Como o crack é uma droga ilegal e, diferente da cocaína, muito barata, ele acabou se popularizando enormemente. E como o individuo passa a ficar o tempo todo chapado – pelo alto poder de dependência que o crack tem – se afasta mais rapidamente da família, da escola e do trabalho”. Ao se marginalizar, o dependente entra em contato com o mundo da violência, rouba e até se prostitui para conseguir comprar a droga.

O médico defende que ao levar a discussão das drogas para as escolas e comunidades, o poder público deve tomar cuidado para não “fazer terrorismo do tema”. “A pedagogia do terror não funciona porque você acaba desmoralizando as ações de combate ao uso de drogas. Um exemplo clássico é quando dizem em salas de aula que ao fumar a maconha o indivíduo começa a ver coisa estranhas. O jovem que fuma e escuta isso sabe que nada disso acontece, e acaba não levando a sério as propostas de combate ao uso de drogas”, ressalta.

Histórico de Diadema
Com aproximadamente 386 mil habitantes para um território de apenas 30,7 km2, Diadema é a segunda cidade com a maior quantidade de pessoas por metro quadrado do país; são 12.574 pessoas por km2, segundo estimativas do IBGE. A forte concentração populacional é fruto da rápida urbanização local, iniciada nos anos 1940, quando a construção da rodovia Anchieta atraiu para as cidades vizinhas e à Diadema empresas automobilísticas e de autopeças.

O município ganhou o título de ‘cidade dormitório’, na época, por receber milhares dos migrantes nordestinos, mineiros e japoneses que se instalaram na região atraídos pelos loteamentos mais baratos. Os anos passaram e, em 1999, Diadema chegou a liderar o ranking da violência no estado. Para reverter a situação, em junho de 2002 o município instituiu a ‘Lei Seca’ que regula a abertura de bares entre 23h e 6h. Com isso, a cidade reduziu em 57% o total de homicídios/ano.

Luis Nassif

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