Retrocesso: em 2020, o Brasil voltou ao Mapa da Fome

Jornal GGN – O ano de 2020 não foi só o da pandemia. Foi o ano que se soube que o Brasil despencou no desenvolvimento social e voltou, oficialmente, ao Mapa da Fome no mundo. Na prática, os milhares de brasileiros que estavam passando fome foram vistos nas estatísticas.

O Brasil havia deixado essa temerosa lista em 2013, não divulgando os dados no governo Temer, em 2018, e tampouco nos dois anos de governo Bolsonaro. Mas o alerta do retrocesso na fome e na pobreza no Brasil chegou. Relembre o especial do GGN, “Fome no Brasil: de exemplo mundial à preocupação“, publicado em setembro, com a entrevista do economista Francisco Menezes.

Fome no Brasil: de exemplo mundial à preocupação

Por Patricia Faermann

Os dados de que há 10,5 milhões de pessoas passando fome no Brasil, divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira (17), apenas confirmam as expectativas já denunciadas durante o governo de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Em 2017, por exemplo, o economista Francisco Menezes, que acompanha de perto a situação da insegurança alimentar no Brasil e integra o grupo de trabalho Agenda 2030, alertava que o Brasil voltaria ao Mapa da Fome da ONU.

Naquele ano, o Relatório Luz, o primeiro produzido pelo grupo de trabalho Agenda 2030, mostrava os riscos de um retrocesso (Confira aqui). Signatário aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre os países que integram a ONU, o Brasil prestou contas dessas metas somente uma vez, em 2017, ficando omisso em 2018, no governo Temer, e 2019 e 2020, no governo Bolsonaro.

Também com Jair Bolsonaro foi a primeira vez que o Brasil, desde que é signatário ao pacto em 2015, não incluiu os objetivos de desenvolvimento sustentável no programa de governo. É o que informa o economista que faz parte do GT, em entrevista ao GGN. “No plano estratégico lançado pelo governo, ele [Bolsonaro] suprimiu, pela primeira vez, a referência às ODS, retirou o compromisso que existia antes, o que vemos com muita preocupação”, relatou Menezes.

O alerta do retrocesso na fome e na pobreza no Brasil não foi feito apenas por este grupo de trabalho, que acompanha de perto a situação. Além dos dados do IBGE, divulgados a cada 5 anos, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicou um relatório, no ano passado (Leia aqui), indicando que a curva de desnutrição no país, que era descendente, começava a crescer, juntamente com a anemia entre mulheres em idade reprodutiva e recém-nascidos abaixo do peso atingindo 8,4%.

E considerando que a fome está diretamente relacionada com outra das metas das ODS, a erradicação da pobreza, dados da Fundação Getúlio Vargas (FVG) divulgados há dois anos também mostravam que a desigualdade no Brasil vem aumentando desde 2016 (Acesse aqui).

Questionado sobre o que esperar de um governo que foi alertado antes mesmo de iniciar o mandato, Menezes foi direto: “desse governo a gente não espera nada, a expectativa é neutralizá-lo na sua lógica de destruição e buscar, a partir da sociedade e em discussão com as instituições brasileiras, propostas alternativas.”

Estão no Mapa da Fome todos os países que têm 5% de sua população ingerindo menos calorias do que o recomendável, ou seja, passando fome. Em 2013, era 3,6% da população no nível de insegurança alimentar. Deixando este mapa, no feito inédito, o Brasil também ganhava credibilidade internacional.

A própria FAO reconhece amplamente os logros do Brasil naquele tempo: “As altas e persistentes desigualdades de renda do Brasil e no acesso a serviços básicos, como educação e os cuidados de saúde são bem conhecidos. No entanto, na década de 2000, a desigualdade diminuiu substancialmente, enquanto a economia cresceu a uma taxa anual de 3,2 por cento entre 1999 e 2014. Como resultado, as reduções em pobreza e desigualdade seguiram de forma semelhante padrão impressionante durante os anos 2000: 26,5 milhões de brasileiros saíram da pobreza entre 2004 e 2014”, destacava, em relatório.

“O Brasil, até 2015, conseguiu cumprir e muitas vezes com sobras esses objetivos. Nós estamos andando para trás, aquilo que a gente tinha conseguido até em um determinado momento, começamos a retroceder e retroceder de uma forma acelerada”, lamentou o economista.

Apesar de não ser uma obrigatoriedade, Francisco Menezes ressaltou os efeitos negativos para o Brasil também em perspectiva de relações internacionais de não cumprir com os compromissos dos quais assinou junto aos demais países.

“A consequência é bastante nefasta para o país. A imagem do país, por esse e outros tantos motivos, tem ficado bastante prejudicada. No caso da erradicação da fome, o Brasil era tido como um modelo, a experiência brasileira era acolhida com muita atenção. Agora, nós somos motivo de uma preocupação de outros países e da humanidade, haja visto o que vem acontecendo também no plano ambiental. O Brasil não só não cumpre os compromissos que assumiu em diversos acordos internacionais, como declara desconfiança sobre estes acordos”, assinalou.

Para o economista, atrelar o aumento da fome no Brasil à crise econômica é manter um discurso raso, assim como responsabilizar unicamente a população por iniciativas individuais, como o desperdício, é minimizar a tarefa do Estado. “Essas consequências nefastas que estamos vendo são decorrência de opções que foram tomadas para o enfrentamento dessa crise econômica. Passa, por exemplo, pela questão do Teto de Gastos, que foi fixado em dezembro de 2016 e que vem destruindo tanto as políticas sociais, toda a estrutura de proteção social.”

Tanto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de ações judiciais, quanto no Congresso, pela Comissão dos ODS, o grupo de representantes da sociedade civil mantém nestas outras frentes as esperanças de pressionar por mudanças e retomada destes compromissos, como fim da miséria e da fome no Brasil.

“Eu acredito que o país está chegando a um limite que vai ter que se defrontar com ele mesmo, ou seja, qual o seu futuro, o que ele pretende. Não sou pessimista nesse sentido, eu sou pessimista em relação às possibilidades com o governo que foi eleito. Há um trabalho a ser feito, não sei a que tempo isso vai propiciar resultados, mas não pode deixar de ser feito a cada dia”, concluiu Menezes.

Assista à entrevista completa ao GGN:

 

 


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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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