FALTA DE MÉDICOS NO SUS: ACESSO, FORMAÇÃO E INTERESSES

A questão médica no Brasil é muito complexa. Vai desde sua origem econômico-social e passa pelo acesso à universidade e sua formação. A medicina ainda é a graduação de maior interesse das Classes A-B no Brasil, será por quê? Já para os egressos das Classes C-D-E é um desafio, quase intransponível, se graduar médico neste país. Mesmo com o PROUNI e suas bolsas para financiar a graduação em universidade privada não consegue atender aos egressos dessas classes econômicas mais baixas, visto que têm baixa qualidade na formação fundamental-básica e média não conseguindo os pontos suficientes para postularem e serem aprovados nos cursos de medicina. No SISU, que seleciona para as públicas, então, nem pensar. O fato é que a medicina ainda é uma graduação para os filhos das elites. Há exceções, claro, as cotas vão ajudar, mas não será suficiente se não melhorarmos a qualidade do ensino público, básico e médio, brasileiro. Por que um médico originário das classes A-B se interessaria em cuidar de pobres? Atenderia no SUS com que objetivos? O que faria alguns poucos idealistas, se manterem no SUS, não pelos salários já que são de origem econômica privilegiada, sem carreira, sem condições de trabalho, infraestrutura e logística adequada, sem pesquisa e investimento em modernização e qualificação… Os mais pobres, das Classes C-D-E, que poderiam estar assistindo, cuidando, de seus “irmãos”, não conseguem acesso aos cursos de medicina. O que fazer dentro deste sistema, capitalista e excludente, para enfrentarmos esse paradigma? As cotas para negros e pobres cursarem medicina é um caminho, facilitar o acesso aos graduados em enfermagem (pelo reingresso universitário sem vestibular) seria outro, investir na atração e manutenção de médicos no SUS (indiferente de sua origem econômica) é outra ação, e finalmente a mais afirmativa política pública de todas é investir na educação básica e secundária pública para que se qualifiquem nossas crianças e adolescentes de baixa e média renda a disputarem em iguais condições a universidade, em especial cursos como os de medicina, pública. A internacionalização e interiorização forçada ou compulsória de médicos é uma medida paliativa e assistencialista, de impacto no curto prazo, mas tenho dúvidas se consegue reter esses médicos “estrangeiros” nas periferias das cidades e no nosso interior campesino. A criticidade do recurso humano médico é outro debate estratégico que temos que fazer se queremos um SUS de qualidade e para todos os brasileiros.
Há um ser de ser médico que não é individual. Como qualquer outro grupo social, na corporação médica o indivíduo é absorvido e os pretensos interesses de uns e outros constituem uma identidade coletiva que no final é bem mais que a soma de suas partes. Assim, longe de julgar o profissional médico na figura de um ou outro colega da saúde, cabe julgar o papel que tem cabido a esta corporação dentro do SUS, suas relações com o sistema e diagnosticar através dos fatos o que pode explicar a concentração de médicos nos lugares onde se concentram as fatias do financiamento do SUS. Sinceramente, estou pensando em estudar isso em uma dissertação de mestrado. O fato mais evidente, para lembrar o óbvio ululante citado pelo Ricardo Teixeira, é o da concentração da corporação em torno dos municípios onde fica a maior parte do financiamento. Outro é sua ligação umbilical com a gestão do sistema, não dos serviços. O fluxo dos recursos (mas não a gestão da atenção) é muito de perto controlado pelo sindicato e conselho de medicina em todos os respectivos Estados do Brasil. Em todo o Brasil provavelmente há uma meia dúzia de pessoas que controla o eficiente sistema de reembolso dos serviços prestados ao SUS. A demanda reprimida oferece conforto e segurança aos operadores do mercado de procedimentos eletivos que tem uma tabela de custos muito bem remunerada pelo Ministério da Saúde. Exemplo: O Estado se Santa Catarina compra procedimentos da Santa Casa de Porto Alegre ao custo da tabela SUS. Assim, a demanda reprimida é gerida de modo a oferecer o máximo de rendimento em faturamento sem deixar que os profissionais da área de procedimentos eletivos atuem com capacidade ociosa. Enquanto isso, as emergências e rede básica sofrem a eterna falta de recursos para prestarem atenção adequada. Por outro lado, estes setores que sofrem o custo de represar a demanda cumprem muito bem a função de prospectar os procedimentos de alta complexidade em torno dos quais se acotovelam especialistas médicos que se dividem em cargas horárias mal cumpridas dentro do SUS. Além de brigarem entre si pela realização de procedimentos de alta complexidade. Procedimentos de certo muito bem remunerados na rede privada conveniada ao SUS ou aos seguros de saúde da rede complementar como já referiram acima. Hoje nenhum hospital de grande porte pode sobreviver sem realizar procedimentos para o SUS. Porém, se toda a demanda reprimida tivesse atendidas suas necessidades o sistema sofreria um colapso e a fadiga dos metais faria crescer a indústria de erro médico que se vislumbra a partir das recentes sentenças do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido cabe reconhecer que realmente alguns salários por mais elevados que sejam não atraem profissionais médicos. É o caso dos reguladores da rede SAMU de nossa região metropolitana. Como tudo fica gravado, o risco e, portanto o custo benefício não compensa os médicos o suficiente para eles se arriscarem em contratos emergenciais. De modo que, as vagas recentemente abertas em edital de concurso público superam as inscrições. Caso único na sociedade brasileira em se tratando de acesso a cargos públicos. Então é sintomática a reivindicação da categoria médica de se equipararem, no serviço público, aos servidores do judiciário. Independente do mérito dessa reivindicação que poderia, de fato, beneficiar a todos os trabalhadores da saúde. É a corporação em movimento. Não podemos deixar de reconhecer que o mesmo se passa em relação aos demais profissionais da saúde. Sejam os de nível superior, sejam os de nível médio. O que nos move são interesses que, em grupo, não são regidos pelos parâmetros morais que, queremos crer, regram nossas ações individuais.
A corporação médica se destaca pelo perfil histórico de uma categoria, que embora haja muito e cada vez mais, proletarizada, tem na mítica visão do senso comum, um resíduo da aura dos mágicos da idade média e dos cientistas da renascença e iluminismo europeu…
A solução está na ação lúcida do Controle Social. Ter em mente essa complexidade torna mais óbvio e menos misteriosa a gestão do interesse coletivo, mantido acima dos interesses das corporações de trabalhadores e empresários que compõe uma parte considerável do SUS.

Redação

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