Nobel defende a homeopatia

Da Folha

Descobridor do HIV defende a polêmica “memória da água”

Luc Montagnier, agraciado com o Nobel em 2008, tem artigo sobre suposta base física da ação da homeopatia

Seguindo passos de um conterrâneo, ele diz que há evidências em favor de ideia atacada pela maioria dos cientistas

MARCELO LEITE
ENVIADO ESPECIAL A LINDAU (ALEMANHA)

Diz-se em Lindau (sul da Alemanha) que a cidade se torna a mais brilhante do mundo por uma semana, a cada ano, com o Encontro de Prêmios Nobel. Para esta 60ª edição vieram 59 laureados. Um deles, porém, parece disposto a contradizer o ditado.

O francês Luc Montagnier dividiu o prêmio em Medicina ou Fisiologia de 2008 com a ex-colega Françoise Barré-Sinoussi pela descoberta do vírus da Aids. Aos 77 anos, surpreendeu a plateia de 675 jovens pesquisadores com a palestra “O DNA entre a Física e a Biologia”.

Poderia ter usado o título “Memória da Água”. Durante meia hora, na segunda-feira, discorreu sobre marcas que seriam deixadas pelo DNA de algumas bactérias e alguns vírus no arranjo de moléculas de água, mesmo após sucessivas diluições.

O tema é ultracontroverso. Em 1988, o periódico científico “Nature” veiculou trabalho similar de Jacques Benveniste (morto em 2004). Em seguida, denunciou o trabalho como fraude. A “memória da água”, tema caro a homeopatas, virou tabu.

Montagnier não só ressuscitou tese equivalente como deu ainda sua explicação para o fenômeno, que chamou de “ressonância”: as modificações de estrutura na água emitiriam sinais eletromagnéticos. Um tubo de ensaio ao lado da água memoriosa “contrairia” a informação.

Num dos dois artigos que publicou sobre o assunto em 2009, cita Benveniste como fonte do aparelho empregado para captar os sinais.

MEMÓRIA APLICADA

Sua ideia agora é usar o suposto fenômeno para diagnóstico. Uma das aplicações com que sonha é encontrar vestígios do vírus HIV ocultos no sangue de pacientes mesmo depois que a carga viral é zerada com drogas.

Barré-Sinoussi falou logo depois de Montagnier. Não disse uma palavra sobre as pesquisas do colaureado.

A sucessão de painéis, na parte da manhã, não admite a realização de perguntas. Já na parte da tarde, os premiados se encontram com grupos menores de pesquisadores, em que jornalistas não podem fazer perguntas.

Montagnier foi procurado por menos de 30 pesquisadores, entre eles alguns que não conseguiram lugar nas sessões paralelas mais concorridas. O geneticista Nelson Fagundes -um dos cinco brasileiros entre os 675- estava lá.

Fagundes conta que Montagnier foi bombardeado com perguntas. O brasileiro perguntou ao colega do lado se era só ele que não estava acreditando. Recebeu resposta negativa.

Os dois trabalhos de Montagnier sobre o assunto saíram num novo periódico científico editado na China, “Interdisciplinary Sciences – Computational Life Sciences”. O primeiro deles foi recebido no dia 3 de janeiro, revisado dia 5 e aceito dia 6. Noutras revistas científicas, isso pode demorar meses.

Já há blogueiros defendendo que ele ganhe o Ig Nobel, prêmio satírico para “pesquisas que não podem e não devem ser reproduzidas”.

O repórter especial Marcelo Leite viajou à Alemanha para o 60º Encontro de Prêmios Nobel a convite da Fundação Encontro de Prêmios Nobel de Lindau 

Comentário

Marcelo é um belo repórter de ciências – além de ter sido um grande ombudsman da Folha. Mas incorre em um problema típico das discussões entre cientistas céticos e aqueles que aceitam fenômenos não estritamente explicados pelos métodos tradicionais. É um campo onde campeia a radicalização.

Agora, recorrer a um genérico “blogueiros” para ironizar um Prêmio Nobel é demais.

Me lembra um episódio célebre do Marechal Cordeiro da Farias, quando Thales Ramalho resolveu ironizar Luiz Carlos Prestes: “Só personagem da história pode ironizar outro”.

Luis Nassif

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