Pandemia de gripe A(H1N1): presente e futuro

 O temível fantasma da pandemia de gripe espanhola de 1918, na qual se estima que quase 40 milhões de pessoas morreram, assombrou novamente a humanidade em 2009 com a gripe suína ou influenza A(H1N1). Mais de um ano depois, qual o saldo do episódio?

Um dos aspectos mais chocantes foi a irresponsabilidade de indivíduos que plantaram informações fantasiosas e alarmistas sobre a doença. Mensagens eletrônicas contendo dados inverídicos dos riscos da vacina contra o H1N1 ou propondo receitas de “métodos caseiros” à base de anis estrelado para prevenir o contágio espalharam-se na Internet mais rápido do que o vírus influenza na natureza.

Muitos leigos propagaram as mensagens, movidos pelo medo da doença. Queriam apenas proteger seus familiares e amigos. Entretanto, quem semeou as inverdades agiu com dolo, de vil e profunda má fé contra a saúde pública. Preocupa que certa mensagem sobre a vacina tenha sido escrita em linguagem técnica, levando à presunção de que os autores eram pessoas ligadas à área da saúde. Não consta que esses indivíduos tenham sido identificados e responsabilizados por isso, o que abre espaço para que voltem a agir em outra oportunidade. Portanto, não seria hora de incluir a veiculação de informação de saúde enganosa entre os crimes contra a saúde pública, permitindo punir os culpados?

O terrorismo da mídia, primeiro apavorando o público com as notícias de óbitos e cobrando das autoridades medidas inviáveis – como a garantia de estoques de antivirais suficientes para atender a toda a população -, e agora descendo ao nível rasteiro de explorar o episódio de 2009 com fins eleitoreiros, também prestou um imperdoável desserviço aos cidadãos brasileiros. O que as pessoas de bem querem ver, ler e ouvir é uma divulgação científica de saúde genuinamente democrática, precisa e imparcial. Esperamos que esse desejo seja atendido daqui em diante.

Estamos deixando cair a peteca da conscientização da população sobre os cuidados básicos de higiene. Os frascos de álcool gel sumiram das prateleiras do comércio durante a pandemia de influenza A(H1N1), mas encalharam assim que o pânico terminou. O que devemos fazer para estimular o hábito de lavar as mãos e objetos e assegurar a higiene dos ambientes que frequentamos?

Um aspecto importante foram os lucros exorbitantes da indústria farmacêutica decorrentes da pandemia de gripe suína, não apenas com a venda do antiviral Tamiflu, mas também de vários antibióticos para infecções respiratórias. A Roche, fabricante do Tamiflu, aponta no balanço de negócios que suas vendas de produtos farmacêuticos subiram 11% em 2009 (1), quase o dobro da taxa de crescimento do setor no mesmo período. Impulsionadas pela pandemia, as vendas de Tamiflu bombaram, alcançando a cifra de 3,2 bilhões de francos suíços (aproximadamente 3 bilhões de dólares, salvo engano no cálculo de conversão das moedas). Outras empresas também comemoraram os recordes de comercialização de seus antimicrobianos no ano passado, não igualados até o momento.

Até quando permaneceremos reféns do capital para cuidarmos da nossa saúde? A coletividade e o poder público têm exercido pressão suficiente para quebrar o obsceno oligopólio das gigantes transnacionais da indústria farmacêutica? Desdobrando a questão, os profissionais de saúde não estariam prescrevendo antibióticos e antivirais de modo abusivo? Não deveriam se dedicar mais a educar a população para prevenir doenças infectocontagiosas?

Quem é pobre e depende do SUS sabe o quanto é difícil receber atendimento decente num pronto-socorro ou ambulatório, fazer uma radiografia de boa qualidade e conseguir medicação gratuitamente para tratar a gripe e as pneumonias. Mas os cidadãos e membros dos conselhos municipais de saúde têm atuado de forma efetiva e contínua para melhorar esta situação? Parece que não, pois a maioria das pessoas sequer acompanha as reuniões do conselho de saúde de sua cidade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) foi duramente criticada por especialistas em saúde pública por sua conduta no episódio da gripe A (H1N1) e viu-se obrigada a rever os critérios para declarar a ocorrência de uma pandemia, o que já foi um avanço.

Em documento divulgado no último mês de agosto (2), a OMS enfatiza que o vírus H1N1 ainda deve circular e causar gripe sazonal durante os próximos anos, com maior probabilidade de contágio entre os jovens. A entidade recomenda que as autoridades nacionais de saúde não baixem a guarda em relação ao controle epidemiológico, monitoramento de mutações do vírus e da sua resistência a antivirais, vacinação e atendimento aos casos da doença.

            Que a população também não se descuide da prevenção da doença e arregace as mangas na luta por uma saúde cada vez melhor e acessível a todos.

 

Aracy P. S. Balbani é otorrinolaringologista, Doutora em Medicina pela USP. CRM-SP 81.725.

 

(1) http://www.roche.com/key_facts_and_figures?tab=2

(2) http://www.who.int/csr/disease/swineflu/notes/briefing_20100810/en/index.html

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador