Setor de móveis pode registrar déficit inédito em 2012

Móveis e têxteis perdem para importados

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

Pouco mais de um ano após o lançamento, em agosto de 2011, o Plano Brasil Maior precisa ainda de musculatura para tornar mais competitivos importantes setores da industria de transformação. Embora haja consenso de que o programa e seus diversos estímulos configurem a tomada de consciência do governo em relação aos problemas enfrentados pela indústria no mercado internacional, segmentos específicos, como o de móveis e de têxteis, dão sinais de enfraquecimento diante dos importados. “Provavelmente devemos terminar o ano com déficit inédito”, alertou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Móveis de Alta Decoração (Abimad), Michel Otte, durante o 28º Fórum de Debates Brasilianas.org, em São Paulo. 

Responsável por empregar diretamente mais de 259 mil pessoas no país, o setor moveleiro também vem perdendo para os importados. A China é a principal origem do móveis trazidos de fora, seguida por Estados Unidos, Alemanha, Tailândia e Coréia do Sul. Em 2010, o valor importado da China era de US$ 60 mi; dois anos depois, já chega a US$ 140 mi. Dados da associação mostram que, até julho deste ano, o setor havia exportado US$ 396 mi e importado US$ 368 mi, gerando um saldo positivo de US$ 28 mi.

Apesar da balança comercial favorável, a indústria de móveis de alta decoração vem demonstrando enfraquecimento diante dos importados nos últimos anos. Em 2010, o saldo era superior a US$ 200 mi; em 2011, havia caído quase pela metade, chegando a US$ 109 mi, com rápido crescimento da importação e queda da exportação. E a expectativa para o final de 2012 não é das melhores, com um provável déficit.

O setor conta com aproximadamente 15 mil empresas, sendo que a maioria é representada por micro (86%) e pequenas empresas (12%). As grandes empresas constituem apenas 2% do total. “É um mercado formado por pequenas indústrias e que às vezes tem dificuldade de se apresentar ao governo, ou para buscar um política industrial diferenciada”, afirmou Michel. Do grupo dos principais exportadores no Brasil, Santa Catarina é o líder, tendo exportado mais de US$ 140 mi até julho 2010, e ultrapassando a casa dos US$ 100 mi durante o mesmo período em 2012. Os demais Estados que compõem a lista são, em ordem de importância, Rio Grande do Sul, São paulo, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. 

Michel Otte, da Abimad: “devemos terminar o ano com déficit inédito” / Foto: André Napolitano

Em relação à evolução da receita nominal de vendas, o IBGE coloca na mesma categoria móveis e eletrodomésticos. Por meio deste levantamento, observou-se que os dois setores apresentaram alta de 15,8% no volume de vendas em relação a junho do ano passado. “Com o aumento do poder aquisitivo e da massa salarial da população brasileira, o crescimento na compra e na aquisição de eletrodomésticos e de móveis realmente é vigoroso, mesmo com períodos de baixo crescimento”, explicou Michel. A tendência, portanto, para a receita líquida de revendas de móveis do comércio varejista é de aumento. O que não significa crescimento da indústria nacional.

“A importância da indústria está clara para todos. Enxergo competitividade como competência, e estamos falando da indústria brasileira contra as indústrias do resto do mundo. Dentro da competitividade, tempos dois caminhos, e um deles é custo. O outro é o caminho da diferenciação”.

A busca pelo “oceano azul” e a diferenciação

O caminho da diferenciação tem sido a saída do setor moveleiro, e vem sendo estimulado pelo governo, pois o Brasil deixou de ser um país competitivo em termos de custo. Para exemplificar, Michel citou a indústria que trabalha com madeira maciça. “Se compararmos o Brasil com o Vietnã, que é o grande player hoje no país, o custo de nossa mão de obra, em 2005, era de US$ 195 e no Vietnã, em torno de US$ 120. Hoje, o custo do funcionário da fábrica é US$ 555, aqui, e US$ 160, no Vietnã”. Dividido as indústrias brasileiras por matéria-prima empregada, tem-se colchões com 2%, madeira com 85%, metal com 8% e outros com 5%. 

Michel ainda demonstrou que esse custo pode dobrar no Brasil, quando considerados os demais encargos. “Como uma indústria será competitiva em termos de custo? É impossível”. Diferente da indústria têxtil, para a qual o fator logístico para importações não tem tanto peso, o setor moveleiro enfrenta barreiras fortes com esse tipo de custo. Isso porque não são muitos os produtos que podem ser importados com um custo razoável. Outro obstáculo diz respeito à necessidade de customização. Uma cozinha, por exemplo, geralmente é customizada, o que dificulta a importação. A lógica mostra que as duas barreiras acabam sendo positivas para se manter uma indústria moveleira forte no país. No entanto, estes obstáculos logísticos, que ainda seguram um pouco a importação, criam, ao mesmo tempo, barreiras para a exportação. “A indústria que exporta é a que mais sente na pele os problemas com falta de competitividade”.

“Dificilmente vamos conseguir recuperar essa competitividade, em termos de custo, frente aos outros países”, avaliou Michel. O principal indicador dessa tendência é o número de volume exportado, que vem caído nos últimos anos. O engano ocorre quando se olha apenas para valores: antes, um container de móveis era exportado a US$ 10 mil; hoje, o mesmo container pode chegar a US$ 80 mil, mas devido à diferenciação, e não a aumento do volume de bens. “O governo pode fazer o que quiser, mas não existe maneira hoje de se alcançar um nível de competência em custo nos setores moveleiro e têxtil”. 

A preocupação é que, mesmo a estratégia da diferenciação se esgote. Isso pode ocorrer caso o custo alcance um patamar insustentável, e force empresas nacionais a produzirem em outros países. As indústrias têxtil e de calçados são um grande exemplo disso. “Elas conseguiram de diferenciar no mercado, montaram estratégias, mas chegou num ponto que, mesmo produzindo com diferenciação, era preciso buscar a melhor competência em termos de custo. E aí acaba-se procurando soluções mundo a fora”. 

Dentro do arsenal da diferenciação, estão investimentos em novos materiais e design. O setor de móveis argumenta que governo desenvolva uma política industrial com o objetivo da diferenciação. “Quando uma empresa está tentando buscar sua estratégia para os próximos anos, temos que procurar um ‘oceano azul’, um lugar onde posso, frente aos meus concorrentes, sair na frente”, afirmou, em referência ao livro A Estratégia do Oceano Azul, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne. A obra trabalha com os termos “oceano azul”, onde a concorrência não é tão forte ainda, e “oceano vermelho”, de sangue, repleto de “tubarões”.

“Competimos com governos, não com empresas”

Devido ao grande número de empresas do setor têxtil e de confecção – mais de 30 mil – o empresário têxtil tem que ser muito competente no país. A afirmação é do gerente da área internacional e de economia da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Renato Jardim, logo após a exposição de Michel Otte. O Brasil é o 4º maior produtor têxtil do mundo e atualmente emprega 1,7 milhão de pessoas, envolvendo uma longa cadeia, que vai desde o campo (no caso do algodão), ou da pretoquímica (no caso do poliéster), até o produtor final. Da mesma forma, a utilização do produto é ampla, indo muito além do vestuário: está presente em móveis, interior de automóveis, colchões etc.

Com um mercado interno tão competitivo, “é o vizinho que poderá acabar substituindo o produtor, e não o importado”, alertou Renato. Ainda assim, a importação tem tirado o sono dos empresários nacionais. Trata-se de um dos poucos setores em que existem indústrias em todos os países do mundo. “Não tem um país que não tenha, no mínimo, uma indústria de confecção”.

Por esta razão, o mito de que o setor têxtil não é forte em países desenvolvidos é desvendado quando verificada a balança comercial têxtil e de confecção deficitária em relação à União Européia. A Alemanhã, por exemplo, está entre os dez maiores exportadores de produtos têxteis do mundo. A despeito da UE, é na Ásia, porém, onde se encontram as maiores ameaças, por conta dos subsídios dos governos daquele continente. “Competimos com governos estrangeiros, não com empresas”, explicou Renato, particularizando o caso chinês. “A China é o nosso maior fornecedor têxtil externo e é com o governo deles que estamos concorrendo”.

Jardim, da Abit: “câmbio potencializou nossas mazelas” / Foto: André Napolitano

Para dar conta dessa “guerra”, as empresas brasileiras não tiveram outra saída a não ser investir muito para permanecer no mercado. Em 2011, foram mais de US$ 2 bi de investimentos, tanto em importação de equipamento, quanto empréstimos do BNDES. Renato considera que outro fator que contribuiu para manter as empresas no mercado é o alto nível de competitividade interna, “do portão para dentro da fábrica”. “Quando comparamos com outros países, gostaríamos de ver essas empresas estrangeiras, tidas como muito competitivas, produzindo aqui”, provocou. De acordo com o representante da Abit, o ideal seria as empresas estrangeiras concorrerem lado-a-lado com as nacionais, sob as mesmas condições. “Talvez elas não tenham tanta competência, quando os níveis extra-fábrica são alinhados”, completou.

As “bolas de ferro” 

Renato ressaltou o profundo desequilíbrio nos fatores sistêmicos de competitividade. Segundo ele, são as “bolas de ferro” que estão determiando o sucesso, ou não, da concorrência e da competitividade. E a bola mais pesada é a do câmbio, que “expôs e potencializou nossas mazelas”. O movimento recente da taxa de câmbio é positivo, disse, mas ainda precisa chegar na ponta do processo, ou seja, as empresas, principalmente pequenas e médias. O problema é que empréstimos do BNDES não estão tão próximo dessas fábricas, fazendo com que elas tenham que recorrer ao mercado varejista de crédito. 

Questionado por um espectador do fórum sobre a possibilidade das empresas migrarem para o Nordeste, que vem ampliando as oportunidades de negócios, Renato afirmou que custa mais caro o transporte de São Paulo ou Minas Gerais para o Nordeste do que da China para o porto de Santos. Aliado a isso, ainda há a energia elétrica – uma das mais caras do mundo -, mas que deve ser barateada em 2013; a burocracia eos  custos trabalhistas.

“A indústria brasileira não quer e nem precisa de subsídios. O mínimo que queremos é uma isonomia nesses fatores sistêmicos de competitividade, nada mais”. 

Um “maior” Brasil Maior

Para Michel, da Abimd, a maior dificuldade das políticas do governo federal são conseguir botar em prática o que está no papel. Segundo ele, as mudanças na tributação do INSS, por meio do Brasil Maior, representaram um passo positivo, pois a medida ataca diretamente os problemas da competitividade. “Mas falta muita coisa”, ponderou. “Está claro que o Brasil não tem condições de ser competitivo em custo na indústria que emprega necessariamente mão de obra”. Contudo, não se trata de voltar atrás, uma vez que o país acumulou importantes conquistas trabalhistas. “Mesmo que fosse possível reduzir os salários pela metade, estamos ainda falando de 300% a mais do que o salário de muitos países, como o Vietnã”. 

Em relação à eficácia do Plano Brasil Maior, Renato afirmou que o programa não é uma política industrial, principalmente porque a maioria das medidas tem dia para começar e para acabar. “Na verdade, é um pacote deste governo e que pode, ou não, passar para o próximo governo”. Diante disso, Renato levantou dúvidas sobre a possibilidade de empresários conduzirem grandes investimentos a longo prazo, sem ter um horizonte para além dos 4 anos de governo. 

Ao mesmo tempo, explicou que os empresário da indústria têxtil reconhecem o esforço do governo federal para salvar a produção nacional. Trata-se de uma “conscientização” e de uma “sensibilização”, restando apenas a compreensão de que “o buraco é mais fundo”.

“São questões estruturais e que muitas vezes vem até mesmo da Constituição. Mas há, pelo menos, um enfrentamento do governo, que está disposto”. O grande ponto dos pacotes é a desoneração da folha de pagamentos, frizou. Ainda assim, Renato considera que a medida é, em realidade, uma substituição na forma de pagamento da contribuição. 

Outra ação importante, e que está na esteira do Brasil Maior, é o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras, o Reintegra, regulamentado em dezembro do ano passado. O regime institui desoneração de resíduos de tributos indiretos, como PIS e Cofins, sobre os produtos industrializados brasileiros exportados. As empresas beneficiadas tem direito à reintegração equivalente ao percentual de 3% da receita de exportação, e só podem ser beneficiado os produtos em que os custos dos insumos importados não são superiores a 40% do preço de exportação. “Podemos até questionar se os 3% são suficientes ou não, mas já foi na direção correta”, pontuou.

Outra arma do governo é o Conselho de Competitividade, que está identificando gargalos, com representantes dos setores público e privado. Ele vem do Fórum de Competitividade, do governo Fernando Henrique Cardoso, muda para PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), no governo Lula e que agora chama-se Conselho de Competitividade. 

Ainda assim, diante de todas as medidas, Renato reivindicou algo de fato “maior”. “Houve muita conversa, propostas e identificação de problemas, mas que não se concretizaram como política. O Brasil ainda precisa definir se quer uma política de governo ou de Estado”, concluiu.

Luis Nassif

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