SUS tem dinâmica econômica positiva, diz Temporão

Temporão: Saúde é parte de solução da crise

Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org
Da Agência Dinheiro Vivo 

Em depoimento na última terça-feira (29), o ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, sugeriu que os ministros da Fazenda e do Planejamento de todos os governos, inclusive Brasil, façam estágios no Sistema Único de Saúde (SUS), de preferência na periferia. “O cara só poderia ser ministro depois de trabalhar por seis meses no Programa Saúde da Família (PSF) da periferia de São Paulo, porque essa turma não usa o SUS, mas sim planos de saúde subsidiados por nós”, disse. De passagem por São Paulo, onde participou do 18º Fórum de Debates Brasilianas.org, Temporão criticou a maneira como muitos governos conduzem suas políticas sociais em tempos de crise econômica. “A Saúde é parte da resolução da crise, e não problema, pois ela tem uma dinâmica econômica positiva, cria empregos, renda, desenvolvimento e inovação, além de melhorar a condição de vida”, explicou.

O ex-ministro disse, ainda, que a crise do financiamento da Saúde Pública e a lenta agonia para a aprovação do projeto que regulamenta a Emenda 29 expressam a perda de hegemonia do movimento da Reforma Sanitária, do qual fez parte desde os anos 1970. Segundo ele, a posição do movimento sindical prioriza acordos coletivos que garantem planos de saúde. “O SUS é muito bonito para eles na retórica, ao dizer que apóiam o sistema, mas também não o usam”, afirmou. O ex-ministro também disse ser desfavorável à posição do governo federal de subsidiar planos privados para funcionários públicos. “Nada contra àqueles que optem pelo plano privado, desde que paguem de seus bolsos, e não com recurso do orçamento da União”. Estima-se que as renúncias fiscais e os subsídios do governos cheguem, hoje, aos R$ 15 bilhões por ano.

Conforme informou a Agência Brasil na última quarta-feira (30), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) cometeu um engano e colocou em votação do Projeto de Lei da Emenda 29, à frente de outra, considerada prioridade para o governo federal, acerca da Desvinculação de Receitas da União (DRU). “Não interessa ao governo a votação da regulamentação da Emenda 29, porque não quer aumentar os gastos com a saúde. Diante do anúncio da votação do projeto, os governistas não podiam mais retirar a pauta a não ser que fizessem um acordo com todos os líderes partidários – inclusive os de oposição. Para firmar o acordo, os líderes do governo ofereceram mudanças na data para votação da DRU”, informou a agência. Até a próxima semana, o Senado deve decidir a data de votação da emenda, que obriga a União a aplicar 10% de suas receitas na saúde, o que contraria o Planalto.

Para Temporão, que voltou a ocupar cargo de pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro,  a perda de hegemonia do movimento se expressa na incapacidade de fazer valer a força política de regulamentar a Emenda 29. Aprovada em 2000, a Emenda Constitucional nº 29 estabelece a vinculação de recursos nas três esferas de governo para o financiamento do SUS. Contudo, o documento constitucional não aborda quais são as fontes de recursos federais e qual a base de cálculo de maneira adequada. Desde 2004, tem-se travado a luta pela regulamentação da emenda, apoiada pelo Conselho Nacional de Saúde. 

A discussão sobre novas fontes de receita para a Saúde inclui a criação de nova contribuição, o Imposto sobre Grandes Movimentações Financeiras (IGMF), semelhante à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) – extinta em 2007 -, que incidia sobre todas as movimentações bancárias, exceto negociação de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas-correntes de mesma titularidade. A CPMF foi extinta em dezembro de 2007.

“Mas queremos mais recursos para quê?”, questiona Temporão. Segundo ele, não faz sentido ter aumento de recurso para aplicá-lo em hospitais. Trata-se do contrário, ou seja, consolidar, ampliar e qualificar a estratégia de Saúde da Família, integrando a visão da atenção básica com policlínicas e atenção domiciliar, vigilância, promoção e prevenção. É preciso também mais dinheiro para qualificar a macro gestão do sistema e trabalhar disciplinas interdisciplinares e intersetoriais. “Nunca esqueçamos que Saúde tem mais a ver com outras coisas do que com medicina”, completou.

O financiamento da Saúde

O orçamento do Ministério da Saúde em 2011 foi de R$ 78,9 bilhões, com percentual de execução de 80% e incremento de mais de 17% em relação a 2010 (R$ 67,3 bilhões). De acordo com a pasta, o incremento inclui recursos para pagamento de pessoal, investimentos nas redes, medicamentos, vigilância em saúde e toda a parte assistencial. 

Os investimentos, contudo, são muito inferiores quando se compara o montante gasto pelo governo federal com a dívida interna. Em 2010, foram gastos 45% (cerca de R$ 630 bilhões) do orçamento da União em juros, amortização e outros encargos da dívida interna. Para a Educação foram destinados 2,9%; para a Saúde, 3,9%;; Assistência Social, 2,7%; Saneamento, 0,04%; Ciência e Tecnologia, 0,38%. A Previdência Social levou 22% e burocracia e outras despesas do Estado, o restante.

“O que chama atenção é que metade de toda a riqueza que o governo federal arrecada vai para o pagamento da dívida interna, para pagar juros para 20 mil famílias”, pontuou. A questão da sustentabilidade econômico-financeira dos sistemas de Saúde é tema em todo o mundo, principalmente na conjuntura de crise econômica. Um das primeiras áreas que são afetadas pelos ajustes fiscais de corte neoliberal macroeconômicos são as áreas sociais. O Ministério da Saúde de Portugal, por exemplo, teve um recente corte de 20% no orçamento para os próximos anos.

Os gastos nacionais em Saúde expressam decisões de opções políticas das sociedades. Temporão enumera algumas categorias para se discutir o Brasil a partir desse cenário. A primeira é verificar como se deu, nos últimos anos, a evolução dos gastos públicos em Saúde; em segundo, como vem se dando a evolução do gasto público dentro do gasto total em Saúde, inclusive participação do gasto privado; em terceiro, a evolução dos gastos das famílias com assistência, medicamentos e outras despesas; e a quarta categoria, sendo o conjunto dos subsídios diretos e indiretos do Estado à classe média e ao setor filantrópico de renúncia fiscal. 

Dentre os problemas do orçamento, o ex-ministro destaca o aumento dos gastos  referentes à demanda – com transição demográfica, epidemológica, tecnológica e cultural / consumista -; a crise fiscal e econômica, que reduz os recursos disponíveis para o setor; e, por último, os gastos crescentes com assistência médica em termos de percentual do PIB. Para Temporão, o principal fator envolvido com o aumento dos gastos médicos é a inovação tecnológica, com um impacto de 50%. 

“É claro que a tecnologia pode reduzir custos, mas nesse momento predomina o aumento de gastos. E, no Brasil, as estratégias comerciais das indústrias e o trabalho que é feito sobre os profissionais médicos é absurdamente fundamental”, explicou. Nos Estados Unidos, por exemplo, o envelhecimento é responsável por 2% do impacto os gastos; a demanda induzida, por 10%; os custos administrativos, por 3,10% e a tecnologia incorporada entre 40% e 65%. “No caso do envelhecimento da população, é claro que ele também tem o impacto, e aí temos que trabalhar no sentido de reduzir o impacto do envelhecimento futuro, ou seja, envelhecimento ativo e autônomo”.

Também foi destacada a questão da construção das expectativas dos pacientes, envolvendo forte ação de marketing da indústria farmacêutica – que cria desejos – e da mídia, o que contribui para o aumento dos processos judiciais contra o Estado. “O doutor Google é o novo terapeuta do mercado”, provocou. “A pessoa vai na Internet, digita sua doença presumível e recebe uma pesquisa completa sobre sinais, sintomas, prognósticos, literatura internacional e remédios. Ele imprime, vai ao consultório e exige do médico todos os diagnósticos e procedimentos possíveis, com a mais alta tecnologia”. Caso contrário, conta Temporão, o paciente recorre à Justiça e, com o mandata de segurança, consegue qualquer tratamento. Segundo ele, são necessários educação e informação adequadas, além da construção de nova consciência política, envolvendo toda sociedade.

Autonomia universitária

Na último dia 23, o Senado aprovou o projeto de lei que autoriza o Poder Executivo a criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que terá como função administrar hospitais universitários federais e regularizar a contratação de funcionários, atualmente feita pelas fundações das universidades. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), relator do projeto, a empresa respeitará a autonomia universitária, ao não obrigar as universidades a contratar os serviços da Ebserh. 

Durante o evento, Temporão afirmou que ainda é cedo para dizer qual será a situação da autonomia universitária e da inserção desse novo órgão dentro do SUS. Mas lembrou que, na elaboração da Lei Orgânica da Saúde, na época da Constituinte, o movimento sanitarista sofreu derrota em um artigo que transferia os hospitais do Ministério da Educação (MEC) para o SUS. “A questão da autonomia, que dá base legal à inserção dos hospitais universitários no SUS, é um convênio, uma relação convenial ainda, pois os hosptais estão subordinados a outro ministério”, argumentou, completando que dentro da universidade há outra lógica e dinêmica de funcionamento.

Experiência chinesa 

O ex-ministro da Saúde aproveitou o tempo de sua apresentação para falar sobre o trabalho que tem realizado na China, desde o começo do ano, conforme informou o Brasilianas.orgem julho, após sua primeira viagem ao país, integrando o grupo de especialistas que avaliam o sistema público de saúde chinês.

Há 15 anos, o governo chinês, junto com seu Conselho de Estado, e pressionado pela opinião pública, decidiu fazer uma série de mudanças estruturais no sistema de saúde. A situação do país estava dramática, com famílias tendo que vender os bens que possuíam para pagar os custos de assistência à saúde.

Mas no início do ano, o governo convidou cinco especialistas – um professor da Tailândia, um especialista em saúde pública da Austrália, dois ingleses e Temporão – para fazer uma avaliação independente e crítica sobre o que estava acontecendo no país. Foram feitas duas exigências: nenhum dos especialistas pode pertencer a organismos bilaterais da Organização das Nações Unidas (ONU), Banco Mundial, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) ou OMS (Organização Mundial da Saúde); e tinham que ser pessoas de expressão.

Na primeira visita, o grupo foi ao interior do país, onde se localiza o padrão médio da vida chinesa. “A China ainda está numa situação pré-SUS, é tudo fragmentado, tem [política de] Saúde em tudo quanto ministério”, contou. Durante a viagem, os visitantes conheceram médicos de família, enfermeiros, gestores, lideranças políticas e produtores de medicamentos genéricos. Foi feitos, depois, um levantamento sobre o que já se publicou sobre o sistema chinês, resultando em um primeiro relatório e uma conversa com o governo chinês.

Em setembro o grupo voltou ao país para apresentar o relatório final. “Nesse momento, o governo chinês está digerindo nosso relatório, que foi bastante franco, objetivo e claro”. Ao longo da viagem, Temporão disse ter se impressionado com o sucesso “de público e bilheteria” do SUS, mas lamentou o sistema ser considerado um fracasso pela grande mídia brasileira. “A visão idealizada de parte da classe média e da grande mídia tenta classificar o SUS como um retumbante fracasso”, concluiu.

Luis Nassif

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