Dois dedos de prosa sobre prostituição

De 2006 a 2008 convivi intensamente com o universo da prostituição. Por causa de um trabalho acadêmico li bastante sobre o tema e freqüentei a Rua dos Guaicurus em Belo Horizonte e seus hotéis de batalha. Fui mais freqüente de janeiro a abril de 2008. Não, não fui lá em busca de sexo. Fui para observar o ambiente e entrevistar algumas mulheres sobre suas práticas informacionais (este é um assunto da ciência da informação e da biblioteconomia e diz respeito à busca e uso de informações pelas pessoas). Enfrentei estranhamentos fora e dentro da zona. Fora as pessoas não entendiam a importância e a relevância de pesquisar este assunto na ciência da informação e na biblioteconomia. No ambiente da zona o estranhamento vinha das mulheres que não estavam acostumadas a dar entrevistas para um estudante de biblioteconomia. Com estudantes e profissionais do jornalismo, da psicologia, da sociologia elas estavam acostumadas a falar.

No trabalho acadêmico procurei me despir dos valores morais e religiosos – fruto da minha vivência católica – e olhar de forma isenta o trabalho das prostitutas. Parti da premissa de que a prostituição não é uma atividade criminosa, embora tenha atividades subjacentes a ela que sejam (lenocínio, tráfico de pessoas, exploração sexual, etc.). Percebi o quanto é difícil desvencilhar-se dos preconceitos sociais, mesmo dentro da universidade. Ouvi de anedotas a grosserias. E críticas infundadas. A concepção da sociedade a respeito da prostituição é de desprezo e desinformação. A pergunta que mais ouvi (e ainda ouço), quando falo que a prostituição é uma atividade honesta, é: você gostaria (ou aceitaria) que sua mãe, irmã, filha, sobrinha, esposa (ou outra mulher próxima a você) fizesse isso? Respondo que não, não gostaria. Aceitar é diferente, porque trabalhar (isso mesmo, trabalhar) como prostituta é opção da pessoa, não caberia a mim aceitar ou não. Mas não gostaria. Não pelo preconceito contra a atividade. Não gostaria porque é um trabalho duro, difícil, estressante, desgastante e perigoso. Assim como não gostaria de vê-las cortando cana de manhã à noite, quebrando e carregando pedra, fazendo faxina doze horas por dia, de pé diante de um balcão quatorze horas por dia, ou trabalhando em qualquer atividade insalubre e mal remunerada.

A prostituição nas zonas de baixo meretrício é uma atividade insalubre (embora não seja tão mal remunerada, mas a alta remuneração depende de uma quantidade grande de programas por dia). Os hotéis de batalha da Rua dos Guaicurus (citados aqui como exemplo) são escuros, mal ventilados e sujos. O risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, por doenças “dermatológicas”, por doenças respiratórias é alto. O risco psicológico também. A exposição à violência, o preconceito da sociedade em relação à prostituição e as concepções morais e religiosas das mulheres que exercem a atividade (sim, elas também têm valores morais e religiosos) são fatores que podem desencadear depressões, pânicos e levar à dependência química. Ironicamente o conforto dessas mulheres costuma vir da religião, especialmente das leituras da bíblia e de livros espíritas.

Por tudo isso, trabalhar como prostituta não é fácil. Aliás, nada mais mentiroso que o rótulo “mulher de vida fácil”. Elas têm uma vida difícil, com jornada de trabalho acima de doze horas diárias e sem descanso semanal. E porque essa jornada tão opressiva? Tem vários motivos: porque a prostituta dos “hotéis de batalha” tem que pagar a diária do quarto (na época da pesquisa custava em torno de R$ 80,00 por meio período); porque a quantidade de programa varia de acordo com a idade e o físico da mulher (as mais jovens faturam mais); porque as mulheres estabelecem metas (como juntar uma quantidade de dinheiro, comprar uma casa, pagar um curso, montar uma pequena empresa) com prazo definido, geralmente de dois ou três anos.

Percebi que uma parte do preconceito em relação à atividade vem do desconhecimento dela. Já ouvi coisas do tipo: “ah, mas existem trabalhos honestos que elas podem fazer, elas podem fazer faxina, atender no comércio”. Sim, elas têm muitas opções de “trabalhos honestos”. Inclusive a prostituição, que é um trabalho honestíssimo. Das mulheres entrevistadas por mim, todas tinham experiências profissionais anteriores (balconistas, cozinheiras, caixas de supermercado, cabelereiras). Algumas chegaram até a se especializar em uma atividade. Outras cursaram (ou cursavam) faculdade. A escolha pela prostituição foi por uma razão lógica: no momento em que estavam desempregadas a prostituição foi vista como um meio para alcançar a independência financeira.

Quando ouço alguém criticando a prostituição e as prostitutas até desconsidero. Já entrei em muitas discussões que eu sabia que não ia mudar a concepção das pessoas. Agora não faço mais. Ouço e me calo. Mas sempre que vejo a possibilidade de falar abertamente sobre isso, com pessoas abertas ao diálogo, volto à carga. Porque foi gratificante fazer este trabalho. Aprendi muito e isso me ajudou a desfazer meus preconceitos. Enfim, é isso!

 

 

Redação

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