PEC da Previdência deixa reajustes ao sabor dos governos

Governo propõe que a definição das regras de reajuste seja mediante lei complementar, que será desenhada no futuro. Especialistas explicam o risco

Jornal GGN – A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), entregue pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso, retira da Constituição a regra que determina a reposição da inflação na aposentadorias. O texto exclui o termo “valor real” em dois trechos – um que trata do reajuste de benefícios dos servidores e outro que trata do reajuste para trabalhadores da iniciativa privada.

Um especialista entrevistado pelo jornal Folha de S.Paulo, que não quis se identificar, afirmou que com a mudança propostas nesses trechos, que hoje correspondem aos parágrafos 8º do artigo 40 (reajuste para servidores) e parágrafo 4º do artigo 201 (reajuste para trabalhadores da iniciativa privada), o governo desindexa toda a aposentadoria paga acima do salário mínimo e coloca o chamado Plano B do ministro Paulo Guedes dentro do Plano A.

Para Nelson Marconi, economista da FGV (Fundação Getúlio Vargas), entrevistado pela Folha, “a indexação de preços e salários na economia brasileira é um problema”.

“Mas aqui estamos tratando de algo específico: o trabalhador da ativa pode negociar salário para cima ou para baixo, mas aposentados não têm como negociar. Eles precisam ter o poder de compra de suas aposentadorias protegido”, completou.

A PEC Bolsonaro-Guedes propõe que a definição das regras de reajuste seja mediante lei complementar, que será desenhada no futuro. A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho disse em nota que “os benefícios continuarão sendo normalmente reajustados pelo INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor]” e que essa garantia está no artigo 37 da PEC, que diz o seguinte:

“Ficam recepcionadas, com força de lei complementar, as disposições de que trata o § 1º do art. 201 da Constituição contidas na legislação vigente na data de promulgação desta Emenda à Constituição, em especial quanto ao disposto na Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e na Lei nº 8.213, de 1991.”

A sócia da LBS Advogados, Gláucia Costa, também entrevistada pela Folha, explicou: “Quando se retira uma regra da Constituição, ela deixa de ser política de Estado e passa a ser política de governo —pode ser alterada de acordo com as conveniências”.

“Sem a disposição constitucional de preservar o valor real, poderá se chegar ao cúmulo de defender reajustes excessivamente inferiores à inflação ou mesmo a ausência de reajustes”, completou o professor de direito previdenciário da USP (Universidade de São Paulo) Marcus Orione.

Já a professora de economia do Insper, Juliana Inhasz pontuou que o governo poderia alinhar os indicadores escolhidos, lembrando que o IPCA (índice que mostra a inflação oficial do país) tende a ser mais alto que o INPC, por exemplo.

“Cada cesta é composta de uma forma. Isso pode gerar distorções no poder de compra para quem mora em capitais como São Paulo ou Rio, onde o custo de vida é mais alto.”

Relembrando

Durante um evento para empresários, no início de janeiro, Guedes havia dito que se o governo não conseguisse aprovar a PEC da Previdência, o “Plano B” seria uma outra proposta “desindexando todas as despesas e receitas da União”. Com isso, o governo ganharia maior liberdade para redefinir as prioridades de uma parte de suas receitas com despesas que considerar mais importantes, do que as estabelecidas hoje na Constituição.

“Se não aprovarmos temos que dar um passo mais profundo ainda. Agora, ou desindexa tudo, desvincula tudo, ou não há solução. O bonito é que se dar errado, pode dar certo. Porque se der errado a reforma da Previdência, que é a mais importante de todas, que nos dará esse horizonte fiscal, é bastante provável que a classe política dê um passo à frente e assuma, realmente, o comando do orçamento”, disse Guedes sobre o Plano B.

Na ocasião, o professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa, explicou ao GGN que a opção apresentada por Guedes poderia ser um espécie de “blefe”.

“A opinião pública, se for esclarecida, será contra e pressionará os deputados e senadores a não aprovarem”, pontuou o economista. Na prática, o Plano B apresentado por Guedes em janeiro como opção a PEC da Previdência, seria mais radical.

“Essa autorização [desvinculação de receitas da união] deixaria livre o uso de 30% de receitas antes ‘engessadas’, destinadas a despesas específicas”, destacou Nogueira da Costa. Apesar de não chegar no ponto de ter que apresentar o Plano B, se o governo conseguir sair vencedor na reforma da Previdência como está posta, Guedes terá parte proposta conquistada.

À Folha, Marcelo Martins, sócio do Granadeiro Guimarães, disse acreditar que a mudança que exclui o termo “valor real”, nos trechos sobre o reajuste nas aposentadorias, pode ser alvo de debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por onde a PEC começa a tramitar no Congresso. “Se acabar aprovado, deve ser objeto de ação de inconstitucionalidade [no Supremo Tribunal Federal]”, prevê.

O que dizem os que defendem a desindexação

Tivera especialista entrevistados pela Folha que consideram a retirada da regra que determina a reposição da inflação para as aposentadorias de servidores e trabalhadores da iniciativa privada como positivas. Veja a seguir o que comentaram:

“Se estamos caminhando para um país com uma inflação baixa, mais uma razão para não ter vinculação. Do ponto de vista do ambiente macroeconômico, já podemos dar esse salto —assumindo que teremos uma reforma da Previdência suficiente forte para evitar a volta da inflação alta e consolidar a trajetória de inflação baixa”, disse Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

“Tivemos inflação [alta] por muito tempo, para nós ficou natural indexar. Mas essa ideia é muito ruim. Uma das funções do Legislativo é justamente legislar com base na situação concreta”, comentou Hélio Zylberstajn, economista e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

“O governo está correto em colocar isso fora da Constituição. Estamos apenas seguindo o que o resto do mundo inteiro faz”, opinou o economista da consultoria MB Associados Sergio Vale.

Leia também: Governo inclui artigo “cavalo de Troia” para destruir Previdência, alerta ex-ministro da Fazenda

4 Comentários

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  1. 1) Todo mês tem inflação
    2) A aposentadoria não é reajustada mensalmente
    3) Logo, todo mês o valor real da aposentadoria é menor.

    Se não houver reajuste, então o valor de compra da aposentadoria tende a zero.

  2. Este Guedes está querendo congelar as aposentadorias, reduzindo paulatinamente o seu valor real.
    É um banqueiro que defende os interesses dos Bancos.
    Os congressistas devem repudiar está iniciativa.
    Fica assim claro que o objetivo desta reforma não é buscar o equilíbrio da previdência, nem tampouco atacar os privilégios. Mas sim, dar continuidade ao desgoverno Temer.

  3. Várias vezes Portugal foi citado aqui como exemplo a ser seguido em matéria de como saiu da crise e como o governo impulsiona o crescimento atravéz não do arroucho, mas sim do aumento dos gastos públicos.

    Bom, eu achei como ele fez essa mágica:

    13 – Que cortes ainda existem nas pensões?
    Este ano ficou marcado pelo fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade para pensões superiores a €1 000. No entanto, a CES ainda existe para as reformas mais altas. As pensões entre €4.611 e €7.126 sofrem um corte de 15% sobre o valor que excede os €4.611; e as pensões acima de €7.126 estão sujeitas a um corte de 15% sobre €2.515 e a um corte de 40% sobre o valor que excede os €7.126.

    Além do mais

  4. Vejam como as cortes de justiça no mundo interpretam o direito adquirido:

    Crise justifica redução temporária de aposentadoria, afirma corte europeia

    24 de setembro de 2015, 14h56

    O orçamento da Previdência pode ser usado para ajudar um país a sair de crise econômica, decidiu a Corte Europeia de Direitos Humanos. Os juízes europeus consideraram que reduzir o valor pago para os aposentados é uma medida válida em prol do bem-estar da sociedade como um todo.

    A corte julgou reclamação de uma portuguesa contra cortes na aposentadoria paga em 2013 e 2014 em Portugal. A redução foi parte das medidas adotadas por Portugal para controlar os gastos públicos e honrar com o empréstimo obtido junto à União Europeia e ao Fundo Monetário Internacional.

    Os julgadores reconheceram que diminuir o valor pago a um aposentado interfere no direito de propriedade, protegido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. No entanto, quando é para beneficiar toda a sociedade, essa interferência é legítima, avaliou o tribunal.

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