Indígenas acompanham julgamento do caso Myky no TRF-1, em Brasília. Foto: Ascom/TRF-1
do CIMI
Uma sadia recomendação do TRF-1 para a Egrégia Corte Constitucional
Superando decisões do STF baseadas na ultrapassada lei da tutela, TRF-1 admite povo Myky como parte de processo sobre demarcação de sua terra indígena
A Constituição, que é de hígida proteção do Supremo Tribunal Federal (STF), não vem sendo tão protegida quando se coloca diante de si o direito dos povos indígenas. Poderíamos falar do direito à terra, às suas crenças, línguas e tradições, e até mesmo dos seus usos e costumes, mas não, estamos a falar de proteção constitucional que o Tribunal Regional Federal da Primeira Região usurpou à Suprema Corte, aquele de reconhecer o direito processual dos indígenas.
É um dever das instâncias inferiores corrigir a Corte Máxima, e com toda a prerrogativa e legitimidade aceitável. Foi exatamente isso que ocorreu quando a Quinta Turma do TRF-1, ao julgar processos que discutiam sobre demarcação de terras indígenas, determinou que a comunidade indígena imediatamente afetada deveria ser parte no processo
Mas não se pode falar em usurpação de proteção de direitos constitucionais dos indígenas por Tribunais que confrontem o STF. Isso é um erro grosseiro, não se pode contrariar decisões da Corte Constitucional.
Em verdade, não se poderia, em tese, contrariar as decisões do Supremo Tribunal Federal. Mas, quando o Supremo vacila, os Tribunais inferiores também têm que titubear? Não! E nem devem, porque também são obrigados a aplicar a lei e a norma fundamental. É um poder/dever das instâncias inferiores corrigir a Corte Máxima, e com toda a prerrogativa e legitimidade aceitável.
Foi exatamente isso que ocorreu no último dia 25 de abril, quando a Quinta Turma do TRF-1, ao julgar processos que discutiam sobre demarcação de terras indígenas, determinou que a comunidade indígena imediatamente afetada deveria ser parte no processo na qualidade de litisconsorte passivo necessário.
Mas, e o STF? A nossa Corte Constitucional, através de sua Segunda Turma, tem negado este direito aos indígenas[1]. Isso mesmo, e pior, tem aplicado o regime tutelar para dizer que não se faz necessária a presença dos indígenas como parte nos processos judiciais em que seus direitos à terra são discutidos. Mas, e se fosse um não-índio o interessado? Bem, nesse caso, como consta da legislação processual, o processo seria devidamente anulado por força de lei.
Ademais, a discriminatória tutela orfanológica, aplicada por quase 500 anos no Brasil e que tanto tem causado prejuízos aos povos indígenas, foi fatalmente revogada pela Constituição Federal de 1988. Mas mesmo assim ela foi aplicada pela Segunda Turma do STF, o que se nos faz ininteligível.
Por que o STF não admite os índios na qualidade de litisconsorte passivo necessário e teima em aplicar o regime tutelar do índio, lei discriminatória e expressamente revogada pela Constituição do Brasil?
Significa dizer que a Suprema Corte do Brasil também erra e erra feio. Cabe, isso sim, aos Tribunais Regionais Federais e até mesmo às instâncias de piso corrigirem as falhas processuais do STF, como ocorreu no mencionado caso que discutia a demarcação das terras indígenas do povo Myky, do Mato Grosso. Antes de adentar no mérito, o Tribunal determinou que só após a regulamentação dos polos conflitantes que se poderia falar em aferição de direitos materiais.
Uma aula magna à toda a comunidade jurídica, em especial Suprema Corte, lecionada pela Quinta Turma do TRF-1. Contudo, essa é uma aula que se toma logo nos primeiros semestres dos cursos de direito. São os prolegômenos das disciplinas propedêuticas que os ministros deixaram de lado há muito no tempo. O Supremo se esquece das aulas de início de curso, já que a formação acadêmico-jurídica dos ministros ultrapassou há muito a epistemologia propedêutica e não é mais necessário revolver as matérias iniciais, pois há conhecimento acumulado em demasia.
Conquanto, os indígenas se mantêm continuadamente reféns da lógica processual mal-formada nos Tribunais Superiores. Há! Antes que eu me esqueça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já lecionou sobre acesso à justiça para os desavisados na apreciação do caso Tupinambá de Olivença, quando disse que os indígenas são litisconsortes necessários. Mas por que o STF não admite os indígenas na qualidade de litisconsorte passivo necessário e teima em aplicar o regime tutelar do índio, lei discriminatória e expressamente revogada pela Constituição do Brasil?
Não é possível saber, pois há uma fronteira instransponível entre a Suprema corte e as sociedades indígenas.
Ademais, que continuem os Tribunais e instâncias inferiores a lecionar direito constitucional e processual aos ministros da Suprema Corte.
[1] Vide RMS nº 29.087 e ARE nº 803.462
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