A criação de novos partidos e fidelidade partidária, por Flavio Dino

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Por que tantos novos partidos no atual momento político brasileiro ? Nunca tivemos partidos nacionais fortes e estáveis, talvez com exceção do Segundo Império e do período de 1946 a 1964. Nem a ditadura conseguiu enquadrar a política institucional em dois partidos, e por isso precisou da invenção das sublegendas. Em um país com tantos golpes institucionais e tanta desigualdade, é muito difícil instituir, por decreto, um sistema partidário inglês. Como lembra Drummond, “os lírios não nascem da lei”.  Além disso, lembremos que ainda praticamos um sistema de voto nominal em lista aberta, o que favorece uma ligação mais frágil entre o eleito e o seu partido. Por isso, as trocas partidárias no período pós-1988 cumpriam uma função de, paradoxalmente, dar estabilidade ao quadro partidário.

Ocorre que, de fato, havia muitas deformações nesse sistema de trocas partidárias sem regras e sem limites. Assim, o TSE acertou ao instituir a fidelidade partidária em 2007. Mas talvez tenha errado na dose do remédio, que virou um veneno: o estímulo à criação de novos partidos, como o caminho mais seguro para viabilizar, a cada eleição, as trocas partidárias. A onda de criação de novos partidos é uma consequência da fidelidade partidária “absoluta”.

Então, dois caminhos se abrem. Em primeiro lugar, criar ainda mais restrições à criação de novos partidos, o que é difícil de compatibilizar com o direito de livre associação e o pluripartidarismo enunciados na Constituição. Em segundo lugar, adotar-se regras para a fidelidade partidária que não estimulem a criação de novos partidos. Em 2007, antes mesmo da decisão do TSE sobre a fidelidade partidária, apresentei na Câmara a Proposta de Emenda à Constituição nº 4/2007, tratando do tema e inclusive pondo fim ao voto secreto em deliberações sobre cassações de mandato. Na citada proposta, que ainda tramita, consta: “Pratica ato de infidelidade partidária quem, fora do período delimitado por esta Constituição, muda de partido pelo qual foi eleito, salvo se para participar da criação de outro, ou se demonstrada que a mudança decorreu de alterações essenciais no programa ou no estatuto partidários. Será admitida a mudança de partido, sem perda do mandato, no período de 30 (trinta) dias imediatamente anterior ao término do prazo de filiação partidária para candidatura à eleição subsequente.”

Com tal texto, creio que mantemos a importante conquista da fidelidade partidária durante todo o mandato do eleito, mas com um pequeno espaço para as trocas partidárias, que em muitos casos são legítimas e são inevitáveis no atual momento histórico brasileiro, sobretudo com a vigência do voto nominal em lista aberta. É claro que não seria uma “norma perfeita”, até porque esta não existe abstratamente. Porém a sua adoção iria eliminar essa grande imperfeição: o incentivo a que parlamentares criem novos partidos.  E evitar-se-ia a volta ao sistema anterior de infidelidade absoluta, também indesejável.

*Flávio Dino – Advogado e professor de Direito Constitucional. Foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil e deputado federal, quando integrou a Comissão de Constituição e Justiça

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Partidos da base aliada

    Se a criação de novos partidos forem para servir de aliado ao governo serão muito bem vindos. Agora, se for para fazer oposição, tenham certeza que o governo complicará um pouquinho. 

  2. Criação de novos partidos e fidelidade partidária

    Pela proposta de PEC apresentada percebe-se que o emérito professor tem uma boa visão do  deformado quadro político atual e cheio de boas intensões quanto a melhoria dele.

    Mas o fator que mais contribui com esta deteriorização política é a proteção exagerada que recebe o eleito por voto, e o falso senso de propriedade pelo cargo que assumiu. Issso é decorrente da profissionalização da política, o que dá ao cidadão eleito o direito e a vontade de se eternizar no poder.

    Imagino que o ponto mais importante de qualquer reforma política que realmente venha para melhorar o sistema, é a possibilidade do cidadão exercer qualquer mandato político por no máximo 2 períodos, seja no executivo ou legislativo.  É evidente que 8 anos de participação e colaboração é tempo mais que suficiente para qualquer cidadão proporcionar sua ajuda à melhora do país. 

    Isso só já seria suficiente para derrubar os absurdos custos eleitorais, obrigaria aos partidos a uma melhor seleção de seus quadros, e também lapidaria a ambição pela eternização no poder que muitos políticos apresentam hoje.

    E não se trata de um cerceamento de direitos como qualquer amante do quadro atual poderia alegar. Trata-se sim de aprimoramento democrático pois tornará possível o acesso ao cargo político a um número muito maior de cidadãos. Seria uma maneira de desprofissionalizar a política, extirpando-lhe vícios e graves defeitos, além de possibilitar uma renovação de idéias e de pessoas, tornando mais universal o direito à participação política. Ou seja seria um crescimento para a cidadania e para a democracia.

    Mas é uma pena que o poder atue como uma abelha que ferroa o espírito despertando a ambição e adormecendo o senso de cidadania do indivíduo. E só pelo poder é que se pode mudar.

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