Reforma política, por Mangabeira Unger

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Artigo: Qual reforma política?

Por Roberto Mangabeira Unger

Do O Globo

Reforma política que venha ao encontro dos anseios da nação deve aprofundar o que a Constituição de 1988 prometeu mas não entregou: a reconciliação da democracia representativa com a democracia participativa. Democracia participativa e direta não deve ser contra democracia representativa e partidária: são duas formas de organização democrática que podem e devem se reforçar reciprocamente. E representação não precisa fazer-se só por partido. É equívoco pensar que, se os cidadãos não se organizarem e se fizerem representar exclusivamente por meio de partidos, estarão condenados a ser horda amorfa e manipulável. Podem organizar-se — e se fazer representar — também por outros canais, como são os movimentos fora dos partidos.

Problema. A política continua na sombra corruptora do dinheiro. Dinheiro não deve poder comprar político e governante. O financiamento privado das eleições é a primeira causa, direta ou indireta, de corrupção na política brasileira. A segunda causa é a ocupação do Estado por gente nomeada pelos governantes.

Solução: organizar o financiamento público não só dos partidos, mas também dos candidatos avulsos e independentes. Permitir contribuições privadas apenas de pequeno valor, até o máximo de cinco salários mínimos. Insistir que no horário eleitoral da televisão, que é onde se gasta, desnecessariamente, a maior parte do dinheiro das campanhas mais importantes, só possa haver fala de candidato diante de fundo simples. Para completar a obra: começar a substituir a grande maioria dos cargos comissionados, de indicação política, por carreiras de Estado.

Problema. Os partidos querem monopolizar a política e a representação. O povo brasileiro não quer. Não leva os partidos a sério, tal como existem, a não ser como ameaça permanente.

Solução. Qualquer cidadão que demonstre, por assinaturas, contar com o apoio de 1% do eleitorado em seu município, em seu estado ou no país (de acordo com o mandato a que pretenda concorrer) pode concorrer sem legenda partidária, inclusive à Presidência da República.

Problema. Os brasileiros querem participar diretamente da vida política, de forma organizada e institucional. E a Constituição de 1988 acenou nesta direção. Até agora, não aconteceu.

Solução. Dar eficácia à promessa constitucional da reconciliação da democracia participativa com a democracia representativa. Vinte por cento dos deputados ou 5% dos eleitores podem submeter qualquer medida legislativa a referendo popular, antes ou depois de ser votada pelo Congresso e sancionada pelo presidente. Da decisão popular, cabe recurso apenas para outra maioria futura, respeitados os limites constitucionais por que velam os juízes. De igual forma, 5% dos eleitores, por iniciativa popular, podem provocar plebiscito nacional para que a nação vote, diretamente, uma lei. Se a iniciativa obtiver maioria, passará a viger como lei, independentemente de voto no Congresso e de sanção presidencial.

Problema. Não basta criar, na democracia participativa, caminho complementar à democracia representativa. É preciso também aperfeiçoar a democracia representativa e trabalhar rumo a regime de partidos consistentes e fortes. Em todo o mundo, a fórmula para ensejar o surgimento de tais partidos é o sistema de lista fechada nas eleições parlamentares: o eleitor vota na lista de candidatos parlamentares indicada pelo partido. De acordo com o voto que cada partido recebe, o partido elege mais ou menos parlamentares, descendo a lista na ordem que o partido estabeleceu. No Brasil, porém, cada partido tem dono. Alguns partidos maiores são condomínios, com vários donos. O brasileiro quer partidos de verdade, mas não quer aumentar ainda mais o poder desses donos de partido.

Solução. Há pré-eleição em que votam os filiados do partido, para determinar quem entra na lista em eleições parlamentares e em que ordem. Os donos dos partidos não decidem. Deixarão de ser donos.

Voto distrital não precisa e não convém: embora aproxime o mandatário do eleitor, favorece política antiprogramática e anti-estrutural, com foco apenas em benefícios locais.

Para entender as consequências de tal sistema, basta observar a prática das emendas parlamentares dos nossos congressistas. Adotar o voto distrital seria generalizar esse paradigma.

Quatro problemas. Quatro soluções que interpretam a frustração e a vontade do Brasil.

Redação

15 Comentários

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  1. Ou o Mangabeira Unger evoluiu

    Ou o Mangabeira Unger evoluiu bastante depois do Collos, ou não conseguimos fazer a leitura de seu pensamento nos tempos daquele ex-presidente. Sua visão do Brasil está muito perto da minha. Continua pesando contra ele o sotaque norteamericano quando fala portugues. Bem, mas isto pode ser consertado com uma estágio maisprolongado em nossas terras.

    1. tá confundindo c/o explícito apoio de um Roberto Da Matta

      Ele viveu quase toda a vida nos estados unidos. Diante de tolinhas observaçoes sobre o sotaque, já o vi responder, com certo cansaço de tão menor crítica, que “Falo com sotaque, mas não penso com sotaque” – A intelectualidade brasileira é colonizada, pouco existe de pensamento original, e o que existe nao vem à mídia, há o recato, alguns que vivem na mídia e jornais estão à altura de seus leitores, entende? A qualidade não tá nem de longe quanto a Harvard – cito pq deve impressonar pensamentos como o teu aqui expresso). (Segue encadeado abaixo)

      1. Desconhecimento

        Não só sobre o homem cordial (comumente mal interpretado), Hollanda discorre sobre nossa intelectualidade, que não mudou, continua pobre, provinciana, logo adere e copia o que surge de novo lá em cima Ou na França, p ex, às vezes importando o que há de pior, de pensadores nem tão valorizados pelos seus pares na origem, ou que já foram abandonados, mas ainda prestigiados por públicos de menor grau de… alfabetização. Acho q vc tá confundindo Unger com o explícito apoio de um Roberto Da Mata louvando a eleição de Collor. Tão analista do sentimento e das necessidades do nosso povo… O fã-clube esquece.

  2. Iniciativa popular: melhor jeito de fazer a reforma

    A proposta da OAB de uma iniciativa popular, propondo um projeto de lei, talvez seja a melhor solução, mesmo porque não exige mudanças constitucionais: permite coligações, mas proíbe soma de tempo no horário eleitoral:

    http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/entidades-propoem-projeto-para-reforma-politica-de-iniciativa-popular.html

    Mas esta lei da OAB não prevê voto proporcional puro, nem eleições diretas dentro dos partidos, nem as soluções para a democracia direta.

    Não seria o caso de melhorar esta iniciativa popular da OAB com estas propostas do Unger, que me parecem muito boas?

    A iniciativa popular, proposta por meio de abaixo assinado, é melhor que a constituinte exclusiva, que ninguém sabe o que seria; melhor que plebiscito, que exige muito conhecimento técnico da população; e melhor que referendo, que corre o rrisco de sair como o congresso quer.

    Acho que toda a imprensa alternativa e progressista poderia emcampar esta campanha em apoio à iniciativa popular.

     

    1. Projeto de iniciativa popular da Coalizão pela Reforma Política

      Wilton, na verdade o projeto apoiado pela OAB é de autoria conjunta com várias outras instituições, tais como a CNBB, o MCCE, e diversas associações profissionais, sindicais, estudantis e dos mais diversos setores da sociedade civil.

      Os quatro pontos principais desta proposta são:

      Proibição do financiamento de campanha por empresas e adoção do Financiamento Democrático de Campanha;Eleições proporcionais em dois turnos;Paridade de gênero na lista pré-ordenada;Fortalecimento dos mecanismos da democracia direta com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes.

      A íntegra do projeto pode ser encontrada em http://www.reformapoliticademocratica.org.br/conheca-o-projeto/

      e o formulário do abaixo-assinado em http://www.reformapoliticademocratica.org.br/assine/

  3. o fundamental aí é a

    o fundamental aí é a aprovação do financiamento público de campanha.

    com essas prisões de empresários ficou

    claro que essa é a questão principal.  

    1. De que forma o financiamento

      De que forma o financiamento público de campanha impede o Caixa 2? Pra mim ele só impede a doação legal, registrada. A mais danosa, que é feita por debaixo dos panos, muitas vezes as custas das estatais como vemos agora, continuaria. Acho até que se intensificaria! O que precisa ser feito é baratear as campanhas. Reduzir as dependencia de dinheiro para se eleger, algo só possivel com Reforma Política ampla, incluindo Voto Distrital. Colocar dinheiro público em campanha só faz “subir a régua”. Além de pagarmos mais essa conta, as empresas continuarão a injetar dinheiro (agora 100% Caixa 2) para ter seus interesses atendidos. E, como sempre, vai ganhar quem tem mais.

  4. voto avulso

    Ainda não me convenci do voto avulso. Ora, se um dos objetivos d reforma politica é o fortalecimento dos partidos através do voto em lista fechada, então por que favorecer a candidatura desvinculada de legenda? Ainda acredito que para uma pessoa disputar nas eleiçoes é essencial que ela se identifique previamente com o ideario de um partido e que nele tome parte da formulação de programas politicos. Assim privilegia as ideais e não o personalismo.

  5. Voto Distrital Já!

    Cada vez mais as eleições se tornam mais caras, os partidos e os políticos precisam de mais dinheiro pra se eleger. O Voto Distrital reduz drasticamente o custo de uma campanha, que reduz a dependencia do dinheiro de empresas, seja via doação legal ou principalmente Caixa 2. 

    O Voto Distrital aproxima o representante dos representados, aumentando assim a cobrança por resultados e por uma boa legislatura. 

    Até hoje não ouvi um argumento decente que vá contra o Voto Distrital, não dá pra falar em Reforma Política sem adotá-lo.

  6. A Reforma Política

    O medo dos congressistas pela Participação Popular organizada e propositiva, quem sabe nos moldes do sugerido por MUnger, tem sua razão de ser.

    Esse é o cerne da questão.

    A perda do poder legislativo que hoje o congresso tem.

    É bem razoável as sugestões de Unger.  São sensatas, constitucionais, atendem aos anseios participativos da população, abrindo caminho para mais alinhamento entre o povo e a estrutura governamental.

    Qualquer pessoa que realmente tenha interesse nos reclamos populares verá com bons olhos o sugerido. Alguma mudança poderá haver mas o caminho é mesmo por ali.

    De se notar que tais sugestões apenas prosperarão com massiva participação popular e isso só acontecerá com a aliança dos partidos mais à esquerda entorno de uma pauta comum.

    À revelia da direita reacionária e de seus ventríloquos midiáticos.

    Difícil.

  7. Obs:Original do Site em Pt tb como tá no Fora de Pauta, às 0:05

    http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/pdfs/qrp.pdf

    http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/index.php Reclamo isso do Blog/Nassif/Equipe : o texto extraí às 00:31 do site oficial de Harvard, de M. Unger, que está em várias línguas. Minha contribuição não veio de O Globo, q nunca leio, nunca acesso, e não sabia quando foi publicado. Citei  a fonte direta e não de segunda mão. Tal final não é reproduzido aqui no post-título… Deveria ter sido.

  8. W. G. dos Santos já desmontou o tal voto distrital

    o misto ou com gelo. Nao só em artigo em jornal, nalguns livros de bolso, em linguagem bem humorada e irônica, desmonta o voto distrital para o país como o Brasil. Bem que se diz que por aqui se copia, sem imaginação, e se copia muitas vezes o que há de pior (Mangaberia Unger tb fala isso num dos vídeos no youtube).

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