Diplomacia de transição, por Matias Spektor

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Diplomacia de transição, por Matias Spektor

A diplomacia do primeiro mandato de Dilma Rousseff não teve distinção conceitual daquela implementada pelo ex-presidente Lula.

Ela manteve intactos os elementos centrais.

Primeiro, a busca de relações corretas, não antagônicas, com os Estados Unidos.

Segundo, cooperação ativa com vizinhos na tentativa de transformar a América do Sul num espaço geopolítico próprio e com orientação de esquerda.

Terceiro, o compromisso irreversível com disciplinas internacionais em livre comércio, direitos humanos, meio ambiente, finanças e não proliferação nuclear.

Quarto, ênfase em coalizões com países em desenvolvimento capazes de contestar a visão do Norte sobre governança global de forma moderada, sem rupturas.

Quinto, o alinhamento da máquina do Estado ao projeto de internacionalização do capitalismo brasileiro.

Muitos elementos desse pacote foram herdados de governos prévios ao PT. No entanto, foi com Lula e depois com Dilma que viraram projeto estratégico preciso.

Ajudou para isso a crença segundo a qual a política externa é um campo de batalha bem definido do partido na disputa contra a oposição liderada pelo PSDB.

No entanto, a interseção entre a diplomacia de Lula e a de Dilma em seu primeiro mandato começa e termina aí. Na prática, ao implementar sua política externa no dia a dia, o primeiro mandato de Dilma não representou continuidade em relação a Lula. Por quê?

Alguns dos motivos dizem respeito à política interna. Como Dilma nunca enxergou na diplomacia uma alavanca para ganhar autoridade em casa, o assunto recebeu atenção limitada.

Além disso, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia, os dois pesos-pesados da diplomacia lulista, ficaram no governo, mas encarregados de tocar outras coisas.

Dilma tampouco concebeu a diplomacia como combustível de baixo custo para manter a militância petista e os movimentos sociais energizados.

Em direitos humanos, agiu de olho em Belo Monte e para evitar críticas ao sistema prisional. No quesito LGBT, agiu apenas no fim do mandato, atenta à ameaça de Marina Silva.

Os principais motivos da descontinuidade do mandato de Dilma em relação a Lula foram, acima de tudo, internacionais.

Ela enfrentou um sistema menos maleável e mais hostil. Em seu governo, a crise financeira global bateu com força, o G8 recuperou o terreno perdido para o G20, a América do Sul ficou mais difícil de operar, e as crises de Líbia, Ucrânia, Síria e Estado Islâmico restauraram a agenda das grandes potências, em detrimento dos países emergentes.

O escândalo da espionagem americana e as dificuldades de reviver a OMC só pioraram a situação.

O resultado disso é que a posição relativa do Brasil no mundo em 2014 é pior do que a de 2010.

Pela primeira vez em 20 anos, um governo recém-eleito não pegará o país em trajetória internacional ascendente.

O grupo de colaboradores presidenciais que sairá vitorioso do embate interno nestas oito semanas de transição será forçado a levar essa realidade em conta.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. A poliica externa do atual

    A poliica externa do atual Governo parte de uma visão de mundo e de futuro e com isso as relações com os EUA e bloco da NATO farão parte dessa visão, pela qual os paises cntrais ( EUA-NATO + Japão) não terão mais o peso e a importancia que tiveram e no futuro serão importantes a China, a Russia e a India, que determinarão para onde o mundo vai e o Brasil deve se agregar a esse bloco.

    Essa percepção no Palacio do Planalto não vai mudar no segundo mandato e como consequencia não mudará a politica externa conhecida como Sul-Sul (embora Russia, China e India estejam no Hemisferio Norte).

    Haverá um ou outro gesto ligeiramente mais amistoso com os EUA se a crise economica se agravar mas será apenas

    retorica, a angulação da politica externa continuará dentro do guarda chuva virtual  BRIC e operacionalmente coordenado pelo eixo Havana-Caracas-Brasilia-Buenos Aires.

    O BRIC é um bloco figurativo, não há nenhuma síntese de intresses dentro do bloco e nem os paises tem qualquer similitude, valendo lembrar que o Brasil entre os tres é o unico de cultura ocidental e não asiatico.

    Nada, absolutamente nada, indica uma mudança, mantem-se o prof.Marco Aurelio na Assessoria Internacional e diplomatas inexpressivos e sem luz propria no comando nominal do Itamaray mas sem poder algum.

  2. Excelente análise.

    Excelente análise. Compartilhei no FB!

     

    Na página da folha, logo abaixo do texto, há um link para todos so escritos do autor. Bons artigos ali.

    1. Mas ele tem um viés tucano,

      Mas ele tem um viés tucano, seu ultimo livro (18 DIAS)  dá a FHC um credito excessivo na apresentação de Lula a Bush, que não foi no grau e intensidade que Spektor indica no livro, glorificou demais FHC, Bush não tiinha simpatia por FHC porque este era muito amigo de Clinton e dos democratas em geral, FHC não tinha capital politico junto a  Bush para poder transferi-lo a Lula, a historia real é bem diferente.

       

  3. a  política deve continuar

    a  política deve continuar sul-sul,

    mas com aproximação maior com o eua,

    pelo que deu  entender a presidente dilma nas entrevistas às  tvs.

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