Falando grosso com a Bolívia e fino com os EUA?

Quando Chico Buarque afirmou que gostava do governo Lula porque este não falava grosso com a Bolívia nem fino com os Estados Unidos, certamente ele estava referindo-se (ou infere-se) ao excelente trabalho de Celso Amorim como Ministro (2003-2010). O quadro agora é outro. Parece sim que o Brasil, durante o final da gestão de Patriota (2011-2013), mudou um pouco o tom e, nos últimos dias, o novo Ministro das Relações Exteriores, Figueiredo (ago-2013), parece também adotar uma inflexão ao menos na mesma linha. Vamos aos pontos de análise na gestão Patriota/ Figueiredo:

  1. O caso do boliviano asilado na Embaixada do Brasil (2012) foi já em si um golpe de porte médio. Amigo da Bolívia, o Governo Brasileiro do PT viu-se em situação embaraçosa. Na dúvida, abstenha-se, já recomendava antiga tradição cristã. Foi o que fez a Sra. Dilma. Abalar as relações regionais nem pensar. Evo Morales é amigo estratégico. Negar a tradição brasileira de asilo também não convém, pela respeitabilidade da tradição, da palavra e dos acordos firmados. Ceder ao sucesso da direita brasileira (PSDB), aliada certamente com os interesses é impensável. Na ausência de uma atitude efetiva em como sair da cilada, “deixemos como está”, porque a imprensa esquece logo e, em diplomacia, ganhar tempo vale sempre a pena em situações como esta.
  2. Edward Snowden explodiu a bomba em Hong Kong e pedaços dela (significativos) caíram aqui. A China, esperta, não quis problema em seu quintal. A Rússia também não queria, mas no enfrentamento com os Estados Unidos é quem tem falado grosso: se é para o bem das nações anti-americanas e felicidade das esquerdas, digam a Snowden que ele fica! E ficou. Afinal, por mais que a Rússia não seja a segunda economia do mundo, ela já foi (URSS) e está ciente que não pode deixar margem de excedente de poder, pois a regra é clara: espaço vácuo é espaço ocupado. Fez bem a URSS, acobertando o eixo Rússia-China-AméricaLatina. E o Brasil? Neste estratégico eixo, fez-se mais uma vez de calado, por tamanhas dúvidas. Preferiu, antes, esperar e foi tanto o seu “aguardo” que começou a ser criticado pelos países latinoamericanos (UNASUR) por não conceder asilo a Snowden. De tanto meditar (ou aguardar), o tempo passou e a oportunidade também. Receio de problemas com os EUA? Provavelmente sim. E aceitamos de olhos baixos a decisão (indicação) americana de proibir o asilo a Snowden. Ponto a menos para nós;
  3. Surge, em seguida, a questão árdua do Senador Boliviano que adentra território brasileiro (ago-2013) com o carro oficial (adido militar), vai parar em Brasília (num avião fretado), sem autorização para estar em nosso território. A imprensa quem divulga, informa e noticia o que se passa, inclusive para o Chanceler Brasileiro. Vergonhoso caso de desrespeito às normas internacionais, ao regimento interno no Ministério das Relações Exteriores, o diplomata que arregimentou as forças para a fuga (Saboia), e a liderou, respondeu à Presidenta da República sobre os porques ter agido assim, ameaçou afirmando que tinha emails que comprovavam o mal trato, enquando o senador boliviano dava sorrisos para a imprensa e criticava a política externa brasileira. Dilma foi rápida, mas talvez ineficiente. Fez um acordo com Patriota (será ele patriota?) de retirá-lo da importante função de Ministro e o encaminhou para a ONU (respeitável substituição, prova de que não ficou tão chateada assim). No entanto, a gravidade do caso ficou pendente. Entre equipes de diplomatas brasileiros e equipes de diplomatas bolivianos, em idas e vindas Brasília X La Paz, até agora o Senador anda livre e solto, nenhuma decisão foi tomada, alem de uma justificativa oficial para a Bolívia, na qual o Brasil se isenta de responsabilidade e de um processo administrativo de investigação. Dilma, “não é boba nem nada”, não vai extraditar por hora o boliviano. Talvez seja melhor garantir a eleição primeiro, e nisto concordo com ela. A estratégia dela pode ser certa, mas e a diplomacia onde fica? Está certo deixar o tal senador boliviano por aí, livre e solto, como se nada tivesse ocorrido? Seria isso falar duro com a Bolívia que, apesar de ter exigido satisfações e resolução do caso, está aceitando a postura um tanto pusilânime do Brasil? Eles também não são bobos de se meterem conosco….
  4. Por fim Obama..Todo o escândalo dos cyber espiões vazou pela mídia, em seu sempre papel de defensor da pátria. Dilma pareceu ficar enlouquecida. Dizem que houve gritos e tudo, mas sempre dizem isso dela, então, sabe-se Deus e quem lá estava que não é bobo de nos contar. O Brasil tomou uma postura que parecia novamente colocá-lo no alto padrão de respeitabilidade diplomática do período Amorim: exigiu uma carta até a data de hoje (foi na semana passada a exigência) dos Estados Unidos Americanos se explicando. Ameaçou cancelar a viagem oficial da Presidenta àquele pais. Criou-se o clima. Na reunião do G-20, em Moscou, ela teve uma reunião particular com Obama, agora já acompanhada do novo Ministro, o Figueiredo. Pois bem. O que aconteceu ali dentro saberemos menos ainda, mas ao que tudo indica a conversa não deve ter sido tão dura quanto a áurea popular que Dilma tem poderia indicar. Ela não fez comentários. Esperaria a posição oficial da chancelaria americana, e por escrito! Passaram-se os dias…
  5. E Figueiredo, diplomata assaz, em vez de voltar de Moscou com Dilma foi resolver umas coisinhas em Genebra. Participou de uma cerimônia lá (na segunda-feira) e depois rumou para os Estados Unidos: Washington. Não voltou ao Brasil. Para quem tinha imposto uma carta por escrito a boa-vontade de o Brasil ter ido a Washington conversar não combina exatamente com a firmeza de posição. Compreende-se também. Ninguém é bobo de brigar com os Estados Unidos. Para eles inventarem que as FARCS estão na Amazônia Brasileira é um “pulinho”. Isso não é medo. É pragmatismo. A China mesma não é boba. Desmorona no que pode o Império, mas através de sorrisos, palavras doces do jogo diplomático e competição de merdado vai fazendo seu papel ideológico. E fica tudo bem porque os EUA não são também bobos de se meterem com a China. E o Brasil… Hoje é quinta-feira, houve o encontro dos chanceleres brasileiro e americano e Sr. Ministro até o presente não se pronunciou oficialmente sobre o caso e, ao que tudo indica, não chegou a carta-satisfações do governo americano explicando o ocorrido: apenas palavras frágeis, que não dizem nada, efetivamente. Explicações claras, como as exigidas, não!, foi a resposta americana.
  6. Por fim, hoje o tal Saboia, o que armou o circo para o Senador adentrar o país, retoma seu trabalho no Itamaraty, sendo anulada a suspensão. Ele não foi exonerado, a comissão instalada ainda o investiga. Mas… voltar ao trabalho? A um homem que, despudoradamente, ameaçou a Presidenta da República afirmando que ele detinha  “e-mails de altas autoridades e muito mais”. Como assim? Não teria sido precipitada esta volta? Receio dele?

A grande pugna em torno da Bolívia e dos Estados Unidos é a seguinte: estamos nós agora, com Dilma, a corajosa e intrépida presidente, a falar baixo com os Estados Unidos e grosso com a Bolívia? Não podemos concluir precipitadamente. Talvez Patriota tenha agido corretamente: não dispomos de todos os dados. Talvez Figueiredo e Dilma estejam fazendo o melhor: sabemos parcialmente de alguma coisa. Ocorre que das duas uma: ou a diplomacia brasileira está agindo de outro modo, com uma sabedoria tipicamente conciliatória e por trás dos panos (como o bom Barão do Rio Branco fez), ou então estamos enfraquecidos e nos intimidando diante dos Estados Unidos novamente. Na verdade, duas coisas me preocupam no caso em questão:

  1. Onde está uma das clássicas ações da diplomacia – as atitudes, os sinais, os gestos? Por que os gestos que os sinais que estão sendo enviados não parecem, ao menos publicamente, nem aos brasileiros nem aos americanos, talvez só aos bolivianos, que temos uma política externa “ativa e altiva” (C.Amorim)!
  2. Correremos o risco de nos enfraquecermos no jogo internacional, depois de tantas conquistas? Sinal de captulação, fraqueza? Se a China enfrenta asilando temporariamente Snowden, seguida da Rússia e dos diversos países latino-americanos que ofereceram auxílio…e nós? Estamos aliados com quem? Estamos fraquejando em nossas alianças antiimperialistas?
  3. Diplomacia refém de mídia? Através dela as informações, por ela a defesa da pátria, as informações, os atos de heroísmo… Diplomacia que está com dificuldade em saber o que ocorre dentro e fora de sua esfera de poder?

Espero sinceramente ser tudo o que escrevo um grande engano. Amorim tem feito falta efetivamente e Dilma parece não conhecer a necessidade de dar “sinais”. Mas, como me lembra uma amiga: você quer que ela dê sinal para a imprensa? Para os cidadãos? Para os EUA? Talvez ela esteja escolhendo um em detrimento de outro. Qual?

Por último, e o mais importante da pugna: E Chico Buarque…. falaria o mesmo sobre o “falar grosso e falar fino”?

Redação

15 Comentários

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  1. O Brasil fala fino com a

    O Brasil fala fino com a Bolívia desde que teve a Petrobrás tungada e os corintianos presos…

    PSDB direita? Quá,quá,quá,quá,quá

  2. Acho que no momento se fala

    Acho que no momento se fala fino com todos.

    Nem acho muito grave nem penso que tem maiores consequências, é estilo.

  3. A visita de estado oferecida
    A visita de estado oferecida ao Brasil foi de caso pensado. Eles os americanos, já sabiam dos documnetos vazados pelo ex agente.

        1. Derli, eu sinto muitissimo,

          Derli, eu sinto muitissimo, baixei mesmo.  Te peco desculpas sem restricoes ou “emendas”.  Nao vai dar pra explicar completamente mas aconteceu a mesma coisa ha menos de uma semana e ta ficando enlouquecedor.  Detalhes aqui:

          https://jornalggn.com.br/comment/96848#comment-96848

          (data no item eh de hoje e esta errada, no comentario esta certa, e eh problema do blog pois isso foi ha 4 dias atraz.)

          Eu estou chegando ao fim da minha tolerancia com esse pessoal.  Eu quero mortos, e nao sao poucos.

  4. Acerca da fraudulenta tentativa de fazer um político preso se pa

    Acerca da fraudulenta tentativa de fazer um político preso se passar por preso político

    por Gustavo Marun

    Em países como a Venezuela e a Bolívia, onde o poder popular está sendo aprofundado a cada dia, políticos, assim como quaisquer cidadãos, vão presos. É algo louvável e deixa envergonhado o Brasil, que costuma prender inocentes pobres e deixar livres banqueiros, juízes, magnatas e políticos criminosos.

    O caso do senador boliviano Roger Pinto Molina é emblemático. A despeito de seu poder e influência, foi devidamente processado e condenado, em consequência de diversas  acusações, que vão desde venda irregular de terras públicas, passando por remessa ilegal de fundos públicos, favorecimento de bingos e cassinos irregulares, até assassinato, sendo apontado como um dos responsáveis pelo massacre de camponeses de Pando, em 2008. [1]

    Mas eis que a impunidade corriqueira, movida por identidade de classe dos senhores do Brasil, ousou extravasar nossas fronteiras, num golpe contra o direito e a diplomacia internacionais.

    A ação orquestrada pela poderosa direita daqui foi capaz de fazer de um diplomata um mero subalterno, pondo a serviço dessa aventura de conivência com o crime inclusive forças regulares do Brasil.

    Para se ter noção do tamanho absurdo, ilustremos uma situação hipótetica análoga a essa. Suponhamos que nosso judiciário venha a condenar Paulo Maluf, e que este consiga se refugiar na embaixada estadunidense. Imaginemos agora o nível de indignação que ficaríamos caso os funcionários dessa embaixada escoltassem o suposto preso em fuga, de forma clandestina, até os EUA.

    Não foi mera coincidência a recepção calorosa na fronteira, o transporte em avião particular, nem a primeira aparição pública do fugitivo justamente nos estúdios da Globo News (aliás, por que “News” em vez de “Notícias”?). A Globo é a pedra angular do Instituo Millenium (braço político que representa o cartel das mídias mais conservadoras de nosso país). É a mesma Rede Globo que sonegou mais de R$ 600 milhões da Receita Federal. Que apoiou a ditadura ao longo de seus mais de 20 anos. Que fez campanha para eleger o corrupto Collor e soltar o mafioso Daniel Dantas. Que insistiu em transformar os torcedores presos na mesma Bolívia em vítimas inocentes, somente para forçar um problema diplomático e vender a falsa imagem de “ditadura” boliviana que ninguém engole. E se fingem de mortos agora que os mesmos torcedores são flagrados novamente efetuando agressões nos estádios.

    Pois dessa vez erraram no cálculo. Estava tudo preparado para um grande mise-en-scéne, no qual a aliança Globo, DEM, PSDB e setores mais reacionários do PMDB levariam o gatuno até o Senado para ser ovacionado pela oposição de direita conservadora. Porém não contavam que a opinião pública hoje não mais segue a opinião publicada, como diria Rafael Correa. O povo brasileiro logo sentiu o cheiro de armação, e não comprou a versão fajuta de defesa de um político corrupto.

    Restou à decadente imprensa burguesa por seu exército de articuladores, colunistas e aliados da academia para remoer a questão, com seus pontos-de-vista preconceituosos e xenófobos.

    Não faltaram opiniões que têm como parâmetro supostos papéis inevitáveis de dominação x submissão no relacionamento diplomático e comercial entre países, deixando claro o lugar em que a Bolívia deveria estar em relação ao Brasil. “Insignificantes” – foi como rotulou o país e o povo irmão uma “intelectual” da USP. Ocorre que, aqueles que não admitem outros tipos de papéis a serem assumidos na interação entre nações (subjugar x obedecer), sabem bem onde se encaixaria o Brasil em relação a outros países mais poderosos de acordo com seu torto paradigma mental. Parafraseando Chico Buarque, quem fala grosso com a Bolívia, fala fino com os EUA. Freud e Theresa Berkley explicam. Num malabarismo desonesto, dizem que a política de respeito e equidade perante a soberana Bolívia não passa de uma covardia ou afinidade ideológica. Não suportam a digna simetria de relações entre países diferentes.

    A bem da verdade, jamais engoliram um indígena como chefe de uma nação. Preconceito. Simples e baixo. Ódio de classe, destilado sem culpa, contra um povo que resolveu erguer-se e reagir à dominação secular. Ignorância diante de riqueza multicultural ímpar de nosso país irmão. País este que tem sido vanguarda com relação à preservação de culturas nativas ancestrais, ao respeito ao ambiente, à seriedade e firmeza com a proteção de suas riquezas naturais, aos passos iniciais na busca pelo fim da sociedade de classes… Pelo visto, o Brasil tem muito a aprender com a Bolívia.

    [1] “Hay que reconocer que, a sus 53 años de vida, el senador Roger Pinto ostenta un prontuario judicial digno de respeto: las acusaciones de las que es objeto conforman casi un Código Penal completo” – Eric Nepomuceno http://andradetalis.wordpress.com/2013/08/27/hay-que-reconocer-que-a-sus-53-anos-de-vida-el-senador-roger-pinto-ostenta-un-prontuario-judicial-digno-de-respeto-las-acusaciones-de-las-que-es-objeto-conforman-casi-un-codigo-penal-completo/

  5. Há ensinamento de Churchill sobre o papel do Brasil

     

     

    AMS,

    Na Carta Capital há o artigo de José Luís Fiori de 23/05/2007, intitulado “A turma do ‘deixa disso’”. Como epígrafe ao texto há a seguinte frase:

    “Ao contrário do que muitos dizem, Brasil e África do Sul não têm condições de executar os mesmos papéis de China e Índia no mundo. Sem as ferramentas de poder necessárias, devem se manter como porta-vozes do ‘bom senso ético universal’. A “turma do deixa disso””.

    O endereço de “A turma do ‘deixa disso'” é:

    http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaImprimir.cfm?coluna_id=3596

    E com frequência menciono a seguinte frase de Winston Churchill:

    “Toda a história do mundo se resume no fato de que quando as nações são fortes nem sempre são justas, e quando elas querem ser justas não são suficientemente fortes”.

    Eu particularmente gostaria que o Brasil fosse forte como os Estados Unidos e falasse fino como de fato fala. Infelizmente somos fracos como de fato somos, mas felizmente não falamos grosso como muitos gostariam que falássemos ainda mais com quem é ainda mais fraco do que somos.

    E falar grosso com os Estados Unidos não faz nenhum sentido.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 13/09/2013

  6. Falar grosso ou fino é papo

    Falar grosso ou fino é papo de botequim, não é tema de politica externa. O que deve ser debatida é qual é a politica externa do Brasil com relação a Bolivia e com relação aos EUA e como elas atendem o interesse nacional brasileiro e não o interesse eleitoral do factoide para ganhar votos.

    Em politica externa o falr tem importancia sempre relativa, o importante é o agir.

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