O caos organizado do novo chanceler
por Gilberto Maringoni
Vale a pena gastar meia hora e assistir a íntegra do discurso de posse do embaixador Ernesto Araujo no Itamaraty. É instrutivo por revelar a construção mental de um dos possíveis “intelectuais” do bolsonarismo.
Sintomáticas são as saudações iniciais, entre as quais se destaca “sua alteza imperial dom Bertrand de Orleans e Bragança”.
O DISCURSO É CAÓTICO, e apresenta um tom beletrista dos tempos em que as ruas do Ouvidor e de Gonçalves Dias, no Rio, eram o centro do mundo elegante do Brasil, no final dos Oitocentos. Abundam frases em grego e latim, citações de Clarice Lispector, Renato Russo, Raul Seixas, barão do Rio Branco, Fernando Pessoa, Marcel Proust, Azeredo da Silveira e Cervantes. Ah, e de Olavo de Carvalho, “um homem que depois do presidente Jair Bolsonaro talvez seja o grande responsável pelas mudanças pelas quais o Brasil está passando”, completa o chanceler.
Sobre o capitão, as palavras também são superlativas: ele “Libertará o Brasil por meio da verdade”. A missão do diplomata será semelhante: “Libertar o Itamaraty (…) de ideologias perversas”. Um pigarro e o fraseado sai: “A partir de hoje, o Itamaraty volta à Pátria Amada”.
EMBORA BAGUNÇADA, a alocução tem um centro totalizante: a Nação, a Pátria e o “amor”. Em certas passagens, o encadeamento de frases lembra um dístico positivista, apesar de Auguste Comte não ser citado. Os três conceitos formam a ideia-força de todo o governo. Por mais ornamentais que sejam – afinal, estamos entregando o pré Sal, a Embraer, Alcântara etc. -, esse vetor dominante deve ser levado em conta. Apresenta forte apelo popular. “A luta é pela Nação”, repetiu algumas vezes.
A narrativa fragmentada se acelera ao longo dos minutos, nos quais aponta “amigos” e “inimigos”. “Admiramos Israel, (…) admiramos os Estados Unidos da América, que cultuam seus heróis”, pontifica. E avança: “Admiramos os países da América Latina que se livraram dos regimes do Foro de São Paulo, admiramos países da Europa como a Hungria, a Polônia e a nova Itália”, todos governados – ou em vias de serem – pela extrema direita. “E criticamos a tirania da Venezuela”, sentencia.
ARAUJO PERCORRE A HISTÓRIA, em visão para lá de questionável. “Admiramos as pessoas que vieram através dos oceanos e nos fundaram”, sem citar os negros e deixando de lado os que aqui já estavam. Fomos fundados a partir de fora, é a formulação. Nesse ponto, a erudição araujiana não se contém e mais uma citação espouca no salão. É um trecho de Ave Maria em tupi, para homenagear o trabalho dos jesuítas em sua catequese colonial.
O recém-empossado se confessa emotivo. “Quando assisti o filme ‘Independência ou Morte’ (1972), com Tarcísio Meira e Glória Menezes, aos cinco anos de idade, não pensei que aquilo existisse”. E confessa que, ao abraçar a carreira diplomática, anos atrás, viu os quadros e as referências a D. Pedro I e a D. João VI, na sede do ministério e pensou “isso existe!”.
NESSA EXALTAÇÃO NACIONALISTA epidérmica, não faltaram ataques ao “globalismo”, que seria contra nossos valores e à “teofobia, que é o ódio a Deus”.
“O mundo não caminhava inexoravelmente para o socialismo”, destaca quase ao final, “assim como não caminha inexoravelmente para o globalismo”. Para concretizar suas metas, assegura, “Teremos um Itamaraty aberto ao povo”. A demanda de diversos setores da sociedade por um ConPeb (Conselho de Política Externa Brasileira), que acompanhe de forma aberta a diplomacia sequer foi tocada. Desconhece-se como se dará a abertura propugnada pelo titular da pasta.
Não compensa folclorizar o novo ministro, embora suas ideias e textos tragam um certo exotismo. Vale perceber que uma mudança radical está em curso nas relações do Brasil com o mundo.
DISCURSOS FRAGMENTADOS parecem ser marca definidora do bolsonarismo. Há um quê de cultura twitter nessas intervenções. É preciso atentar para alguns aspectos centrais:
1. As formulações oficiais são totalizantes no conceito de Nação, Pátria e amor. A esquerda precisa estar atenta e voltar a pensar esses temas com viés democratizante, pois têm forte apelo popular, assim como nos símbolos nacionais. Não se trata de fazer demagogia. Disputar símbolos e valores é central na luta por hegemonia;
2. Como nas falas de Bolsonaro na posse, o discurso totalizante envolve a identificação constante de inimigos: o “globalismo”, a “ideologia de gênero”, o “socialismo”, o “politicamente correto” etc.;
3. Há uma aproximação articulada entre a extrema-direita mundial. Não à toa Araujo menciona os países/governos com diretrizes semelhantes e os dissonantes.
Estudar tais agendas é quesito fundamental nesses próximos tempos.
https://www.youtube.com/watch?v=-u8bkWLPq-g
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Homens que sabem javanês !
Pior do que eles são os que acreditam neles ,
Nãoo levem a sério o que não
Nãoo levem a sério o que não merece ser levado a sério…….
O samba do Arnesto
Também achei lamentável e deprimente o discurso do Ministro. Foi ridículo mesmo. Mas é um cara humano, entendam, pois saudou até a sogra. Adoro essas manifestações exóticas. Lembrei da mulher sapiens saudando a mandioca.
Pergunta para os outros
Pergunta para os outros comentaristas. Há como bloquear os “comentários” desse idiota do Pereira?
Eu adoraria.
Não tenho mais
Eu adoraria.
Não tenho mais saco para esse papo de coxinha.
Eles nos meteram em uma baita duma roubada e ainda insistem nesse trololó.
Não tenho coragem
Não vou assistir.
Vou me contentar com os comentários e esperar o Benvindo Sequeira postar o Olaf Von Oak exultante e pleno de contentamento por ter influenciado na escolha do ministro.
Se ele não o fizer, então veremos.
Todos conhecem a história de
Todos conhecem a história de terror de Mary Shelley. Obcedado pela ideia de derrotar a morte, o cientista Frankenstein cria um homunculo com partes de diversos cadáveres e dá vida à criatura utilizando energia elétrica. O monstro que nasce adulto sem família e sem alma se rebela contra o criador provocando uma tragédia. Frankenstein paga um preço extremamente doloroso pela sua ousadia e imprudência. No caso brasileiro o homunculo criado pelo golpe “com o Supremo com tudo” – refiro-me obviamente a Jair Bolsonaro – criou outro homunculo dando a ele a condução da política externa. O resultado será uma tragédia duradoura que custará caro aos juízes. Fodam-se… não tenho nenhuma simpatia por juristas malucos e mesquinhos que recriaram a ditadura derrotada em 1988.
Discurso messiânico
Messiânico e profundamente reacionário, até mediaval. A ver as referências elogiosas às monarquias e, ao final, a elevação de Bolsonaro ao status de rei, na comparação com a rainha da Inglaterra. O conhecimento de grego, latim etc serve apenas para dizer coisas ultrapassadas e até tolas em diferentes idiomas. Um desastre completo.
A que ponto pode descer um ser humano
Boa tarde a todas e todos
Lendo o texto do Gilberto — confesso que não vi o discurso pois estou tentando proteger minha saúde, eis que sou hipertenso — fica claro a que ponto um ser humano pode descer para “subir na vida”. Os esgotos, onde vivem as inofensivas baratas e outras criaturas, são uma espécie de Olimpo para gente desse jaez.
Estivéssemos na Alemanha na década de 1930 é razoável supor que o agora ministro também incluísse em seu discurso a apologia de Splenger, Wagner, Bismarck e, claro, Hitler. Além de atacar a miscigenação das “raças” e … paro por aqui.
Ao menos, nós, pessoas do outro lado, estamos tendo o privilégio de assistir em nossas vidas, a que nível um ser humano pode se rebaixar para “ser alguém”.
Uma abraço
Pós-verdade
Vale ressaltar aspectos do discurso que remetem à era da pós-verdade como à enfase dada aos sentimentos e emoções em detrimento da verdade factual e da razão. Outra questão que deve ser estudada pelas esquerdas para entender a atual conjuntura, pois a pós-verdade amplificada pelas redes sociais tem sido uma das principais estratégias para crescimento do poder da extrema-direita no mundo e tem arregimentado as guerras híbridas articuladas pelos norte-americanos.
tsc tsc
é muito difícil saber quando estão jogando pra galera, quando estão falando sério ou quando surtam pois é tudo ainda muito nebuloso. Só saberemos, da pior maneira, sentindo os efeitos. A esquerda sempre foi bobinha na sua eterna adoração por bandeiras vermelhas estrelinhas foices etc se esquecendo q um partido é um mero instrumento, um mero meio. O principal é o país. E assim deixou q essa cambada se apossasse das cores e dos símbolos nacionais. Tanto q até parece q sentimos vergonha qdo temos q usá-las já q agindo assim ficamos parecidos com eles, os direitolas. Veja a q ponto chegamos. Tem toda razão o autor nessa observação
Lutar para comandar o hospício???
Vou cometer uma heresia e citar o Gilmar Mendes: no nordeste se diz para nunca seguir um louco porque não sabemos para onde ele nos levará. Assim sendo considero o conselho do sr. Marangoni um disparate. Disputar símbolos e valores com essa gente para saber quem terá a hegemonia no hospicio? Poupe-me! As forças progressistas devem lutar por trazer a luz de volta a sociedade, não disputar quem reinará nas trevas.