O caso Cesare Battisti, por Luiz Felipe Panelli

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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O caso Cesare Battisti

por Luiz Felipe Panelli

Tempos atrás, a comunidade jurídica brasileira se viu às voltas com o caso do italiano Cesare Battisti. Acusado pela Itália de se envolver em atividades terroristas, Battisti pedia proteção ao Brasil alegando ter sido vítima de um processo judicial irregular e sem possibilidade de defesa; a Itália, por sua vez, insistia na regularidade do processo e pedia a sua extradição com base em um tratado internacional ítalo-brasileiro.

O caso foi especialmente complexo porque o STF teve que decidir não só se os requisitos para a extradição estavam presentes como também se o presidente da República, ao determinar a extradição, dispunha de competência discricionária. Explica-se: o processo de extradição tem início quando um país estrangeiro requer que lhe seja entregue o Extraditando (com base em um tratado internacional). A requisição é feita para os órgãos diplomáticos do governo brasileiro. Se o pedido não for irregular, o governo aciona o STF, que analisa se os requisitos para a extradição (dupla tipificação, ausência de tipificação de crime político, ausência de prescrição, etc.) estão presentes. Se o STF concluir que há base legal para extradição, esta fica autorizada, cabendo ao presidente da República ordenar a sua efetivação.

A dúvida surgida à época era se esta ordem do presidente da República era de competência vinculada ou discricionária. Se a competência fosse vinculada, o presidente da República seria obrigado, sob pena de responsabilidade, a determinar a extradição; se fosse discricionária, o presidente da República exerceria juízo político de oportunidade e poderia, com base na soberania nacional, negar a tradição autorizada pelo STF.

O pedido de extradição da Itália foi julgado pelo STF, que concluiu pela legalidade e autorizou o procedimento. Porém, no mesmo julgamento, o Tribunal entendeu que a competência do presidente da República era discricionária. O então presidente Lula, por sua vez, negou a extradição, mantendo Battisti no Brasil.

Muitos comemoraram e outros tantos lamentaram, mas a decisão do então presidente da República parecia encerrar o caso. Porém, recentemente, o atual presidente da República, Michel Temer, sinalizou a possibilidade de revogar o ato do ex-presidente Lula e determinar a extradição. Certamente, a diplomacia italiana deve ter agido de forma a pressionar o governo. O ministro Luiz Fux concedeu uma liminar em habeas-corpus impedindo extradição de Battisti sem o pronunciamento do STF.

O caso é, de certa forma, inédito, mas podemos afirmar algumas coisas. Primeiramente, o STF não deve julgar novamente a legalidade da extradição de Battisti. O Tribunal já deu resposta positiva a tal questão. O que está em jogo é se o presidente Michel Temer pode rever a decisão do ex-presidente Lula. Há os que dizem que sim, porque a decisão, sendo discricionária e política, pode ser revista pelo presidente da República a qualquer tempo. Outros dizem que não, pois o presidente só tem uma oportunidade de decidir e, tomada a decisão (qualquer que seja), há uma espécie de preclusão lógica.

Se Michel Temer realmente rever a decisão de Lula, caberá ao STF dizer se isto é juridicamente possível. Se for, a extradição pode ocorrer.

O que está em jogo é muito mais do que um pedido de extradição, como tantos outros que o STF julga, mas sim os limites dos poderes do presidente da República e a questão da segurança jurídica.

Luiz Felipe Panelli é doutorando em direito e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Direito, Estado e Sociedade (GEDES) da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Atua principalmente nos seguintes temas: direito constitucional, direitos fundamentais e filosofia do direito.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. “Os Cenários Ocultos do Caso Battisti” – livro – Carlos Lungarzo

    é o que há de mais completo e, claro, não sai na mídia. Os Cenários Ocultos do Caso Battisti – livro Carlos Lungarzo

    https://sites.google.com/site/lungarbattisti/meu-livro-conclusivo-sobre-o-caso-battisti

    http://aluzprotegida.blogspot.com.br

    Desde a época uma carta capital tida como progressista faz obssessiva campanha contra a decisão do Governo Lula e o então Ministro Tarso Genro. (O livro também aborda o motivo pelo qual o italiano atua assim). Imperdível!

  2. A decisão do Lula não pode ser revogada pelo Michel Temer

    O art. 88 do Estatuto do Estrangeiro dispõe que, ‘negada a extradição, não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato’.

    Em outras palavras, se a Itália fizer o pedido de extradição do Cesare Battisti com fundamento nos mesmos fatos que ensejaram a negativa do Lula, o Michel Temer não poderá revogar a decisão do Lula. Mas na república bananeira tudo é possível, pois só a elite tem segurança jurídica, por mais que pratiquem ou tenham praticado crimes.

    Estou na dúvida se fiz comentário sobre esse artigo. Se já fiz, desculpem-me.

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