A temática religiosa na escola: algumas considerações sobre o direito de aprender

A temática religiosa na escola: algumas considerações sobre o direito de aprender

por Claudio Santana Pimentel

Volta à discussão, com a retomada da audiência sobre a constitucionalidade do Ensino Religioso (ER) na escola pública, o espinhoso tema de como (e se é possível) discutir a temática religiosa na escola. Além da pertinência pedagógica do tema, a verdade é que, junto com ele, interesses que não necessariamente o do estudante são colocados em pauta. Mais do que a existência de uma entre tantas disciplinas escolares, deveria estar em primeiro plano a questão: de que maneira o conhecimento sobre as religiões é importante para a formação cidadã do estudante?

Importante lembrar, que o conhecimento sobre religiões pode estar presente no ER, mas certamente não se encontra apenas nele. As religiões como fenômeno social, histórico e cultural podem emergir e emergem no cotidiano escolar, como argumentarei a seguir.

Em termos ideológico-políticos, grupos religiosos majoritários podem ver no ER uma oportunidade que proporcione maior alcançe ao seu discurso. Minorias religiosas podem temer que o ER não as trate com a devida consideração, ou ver nela a chance de que sua trajetória seja apresentada de maneira a chegar a um público mais amplo de forma isenta de preconceitos. Movimentos laicistas e ateístas podem tender a ver no ER uma ameaça à laicidade do Estado.

Minha intenção não é discutir esses interesses, mas apresentar argumentos que mostrem que o conhecimento sobre religiões é parte da formação cidadã do estudante.

Não se trata de defender uma disciplina escolar, mas, principalmente, de: 1) admitir a diversidade religiosa das sociedades contemporâneas, e, em particular da sociedade brasileira; 2) reconhecer que a temática religiosa está presente no contexto de ensino de diferentes disciplinas escolares; 3) reconhecer o direito do estudante ao conhecimento sobre religiões como condição do seu pleno exercício de cidadania, como ator social em um contexto fundamentalmente pluralista.

Não irei apresentar argumentos sobre o primeiro aspecto, que pareceria evidente. Alguns dos mais importantes pesquisadores brasileiros podem nos ajudar a compreender nossa diversidade e cada vez maior fragmentação religiosa, como se vê em apresentação de obra sobre o tema por Faustino Teixeira. Mas, cabe ressaltar, que ao mesmo tempo em que nos tornamos mais plurais, vemos aumentar a ameaça e a concretização da intolerância

Evidentemente, sempre se pode dizer que trazer a temática religiosa para a escola não fará ninguém mais tolerante, ou respeitoso, como prefiro. Sim, é verdade. Há por vezes um abismo entre o conhecimento e nossas atitudes. Mas meu argumento consiste em que a temática religiosa já se encontra presente na escola, como pretendo demostrar por meio de dois breves exemplos:

A) Entre as diversas formas de tensão e conflito existentes na escola, questões relacionadas à religião podem estar presentes. O professor, enquanto mediador das relações existentes no espaço escolar, precisa estar preparado para lidar com essas situações. Precisa, inclusive, estar preparado para perceber e trabalhar em relação aos seus próprios preconceitos; 

B) Mesmo que não se deseje ou não se considere positiva a presença de uma disciplina de ER, a temática religiosa está presente no cotidiano das disciplinas escolares: é o caso, por exemplo, da Filosofia. Pensadores como John Locke e Voltaire tornaram-se referências clássicas na discussão sobre a liberdade e a tolerância religiosa. Liberdade que, para esses autores tipicamente modernos, se fundamenta na autonomia individual do sujeito da modernidade, a mesma que deu origem a valores como liberdade política e democracia. É o caso, também, da História: como compreender a Idade Média sem mencionar o papel do Islã? Não somente em termos de conflito com o Ocidente cristão, mas também percebendo que as ciências, a filosofia e o conhecimento somente puderam renascer na Europa graças às contribuições de sábios muçulmanos. Ou a formação do Brasil, ignorando o papel (inclusive político) da Igreja Católica em diversos momentos? Ou a importância das religiões afro-brasileiras na reconstrução identitária da população afrodescendente? Entre tantos outros exemplos. A Geografia e a Sociologia, como intérpretes dos conflitos geopolíticos contemporâneos, que passam também por questões religiosas, e que muitas vezes são lidos superficialmente, à luz da miopia midiática. Na Arte, na Literatura, a temática religiosa está presente em diversas situações.

Proporcionar ao estudante da educação básica, na escola pública, conhecimento sobre as religiões, não pode ser proselitismo, mas deve ser um entre outros recursos pedagógicos para a formação cidadã desse estudante. Ter elementos para saber lidar e respeitar os outros, ter consciência de que todos devemos ser respeitados em nossas escolhas, é disso que se trata. E isto independe de uma disciplina específica de ER, mas depende da sensibilidade de professores e gestores e do oferecimento de recursos e de formação adequada ao professor para lidar com essa responsabilidade.

 

 

Redação

12 Comentários

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  1. religião
    estava ouvindo Haydn, o quarteto nº 3, op 76, especialmente seu adágio,
    aquí: https://www.youtube.com/watch?v=qHTDkUOYKI4
    veio-me à cabeça o seguinte:
    Deus resolveu inspirar o homem para uma vida melhor e inventou a musica do barroco, Buxtehude, os Bach, Weiss, Vivaldi, Haendel, Narvaez, Gluck, Teleman, Mozart, Haydn, Beethoven. E o homem poderia alcançar o céu.
    Começou a perceber que estava perdendo tempo, e, quando um punhado de mongos roubou esse adágio para compor o Deuchland Über Alles, desistiu e escreveu por cima: “Deus Mudou-se”.

    Observando que quando o cara disse que era o dono da “Indispensable Nation”, não fez mais que cantar:
    Amerika, Amerika, uber alles von der welt.

  2. A quadratura do círculo

    Não é praticável o ensino religioso sem proselitismo. Não seria ensino religioso.

    Seria como ensinar matemática sem entrar no mérito das operações matemáticas. Ensinar português sem ensinar gramática. Não seria matemática, não seria português e não seria religião.

    Seria então o quê? Seria filosofia, sociologia ou história.

    E isso já é hoje, sem a necessidade de ensino religioso.

    O resto é conversa de crente malandro de bico doce.

    1. Só 1 senao É possível e desejável ensinar Portug s/ gramática

      Aulas de língua materna devem ser sobretudo exercícios de leitura, escrita, argumentaçao, inclusive oral, interpretaçao da mídia, ensinando a ler entrelinhas e a ver artimanhas do discurso. A real gramática da língua que fala o aluno conhece, embora sem nomenclaturas. A “gramática oficial” é empulhaçao e mecanismo de dominaçao. Nao sou contra o ensino de ALGUMA gramática explícita, mas só nos últimos anos, e mesmo assim sem prevalecer sobre a prática da língua e desenvolvimento das habilidades linguísticas dos alunos. E o ensino de gramática deve estar subordinado à percepçao dos recursos expressivos da língua, e nao voltar-se para a metalinguagem pela metalinguagem.

  3. Já chega a merda de ter crucifixo em locais públicos.

    Algo que atenta completamente contra a separação de Estado e Igreja.

    Imagina permitir o ensino religioso em escolas públicas. Satanistas e ateus poderão lecionar a “matéria”? Quem vai definir quem tem competência ou não para lecionar? Desculpe, mas essa é mais uma tentativa da bancada BBB de tentar solapar a laicidade do Estado.

    É a velha conversa mole pra boi dormir. Ou, como bem disse o Sergio Saraiva: “Conversa mole de crente malandro de bico doce.”

  4. Direito de aprender é diferente de direito de aprender na escola

    Se os pais desejam dar educaçao religiosa p/ os filhos ninguém vai proibi-los de fazer isso. Mas isso é diferente de achar que a escola deve se encarregar disso. Que os pais ponham os filhos em catecismos ou coisas equivalentes. Na escola, pelo menos na pública, devem ser ensinados CONHECIMENTOS, reconhecidos universalmente. Dar apenas noçoes sobre as várias religioes é inútil e pleonástico, e dá oportunidade para proselitismos.
     

  5. totalmente inviável

    Se formos ensinar religião nas escolas por questões óbvias teremos de ensinar também sua contrapartida : o materialismo. Se pudessemos nos dar ao luxo de acrescentar à grade escolar mais estas disciplnas teriamos temas muito mais relevantes a priorizar como o método cientifico ou a filosofia.

  6. Sensibilidade e Formação dos Professores: – Tá na Finlândia?

    sou totalmente contra o ensino religioso. Sensibilidade e formação são exceções das exceções. Estudei em colégio jesuíta e tem uma piada que a maneira mais rápida de se transformar num ateu ou atéia é estudar … numa instituição jesuíta. “Tolerân-cia” : um ex-Reitor, com prêmios literários, morando em vários países, largou a ordem.     Me disse que quando alguém larga a ordem, os jesuítas não permitem nem que passe pela calçada de uma de suas instituições de ensino. Eles são abertos desde que lá dentro. O padre-diretor (eu era o melhor na aula de religião) dizia piadas picantes que nenhum professor jovem se atreveria a dizer. Curiosidades.

  7. Ateismo nas escolas

    Todo mundo nasce ateu e tem sua cabeça enchida de crenças pelos pais e pela sociedade. Ensino religioso deveria incluir todas as atrocidades já feitas “em nome de deos” (não só as cruzadas, inquisiçào, mas o exterminio das culturas americanas – maias e astecas – que vitimou mais que o holocausto), demonstrando que religião é apenas (mais) uma forma de controle social e nada mais que isso. Se deos existisse, ele não liga para o que acontece neste planeta, porque se ligasse, não se deixaria representar tão mal por Bolsonaros, Malafaias, Edires Macedos, JRR Soares, Waldomiros, Felicianos e afins.

  8. Meus agradecimentos aos

    Meus agradecimentos aos comentários.

    Sempre que escrevo algo e não é compreendido, acredito não ter sido suficientemente claro.

    1. Não defendo nem argumento em favor do ER. Minha argumentação é de que a temática religiosa está presente na escola, em suas diversas disciplinas, e sim, na filosofia, sociologia, geografia, história, etc. Essa afirmação, antes de mim, foi feita por Régis Debray, filósofo francês (que passa longe de ser religioso) em um documento escrito por ele para o Min. da Educação de lá no governo Chirac.

    2. O professor é um mediador das relações escolares. E a escola reproduz os conflitos presentes na sociedade (reler ou ler Bourdieu), inclusive as tensões religiosas e os preconceitos.

    3. Embora não tenha tratado disso neste texto, considero o tema do ateísmo conexo ao das religiões: Exemplo 1) Sócrates foi condenado por “negar os deuses da Pólis”; Ex. 2) a Revolução Francesa e o ambiente filosófico que a tornou possível foi marcada por severa crítica ao poder teológico-político da Igreja e da Monarquia Absolutista.

    4. Fiquei preocupado quando vi a figura que o GGN escolheu para ilustrar o texto. Semioticamente, ela não corresponde à minha argumentação, de modo algum.

    5. Muita gente séria tem discutido na universidade (no Brasil e fora) sobre o tema. A favor e contra. 

  9. Tema transversal

    Os PCN já não preveem temas que perpassam diversas disciplinas, sem se fixar em nenhuma nem constituir disciplina específica? São os casos da sexualidade e educação ambiental, por exemplo. Religião deveria seguir o mesmo caminho. Entendo que foi este o ponto de vista do autor.

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