Cristianismo e Burocracia, por Luiz Alberto Vieira

 
Quando vamos pensar a relação entre o Estado e os estamentos burocráticos é de bom tom deixar a bíblia em casa.
 
Esta regrinha básica de etiqueta foi esquecida por Miriam Belchior, Nelson Barbosa, Guido Mantega, Zé Eduardo Cardoso e pela senhora Dilma Rousseff.
 
Lula havia iniciado uma política de valorização do servidor público que foi muito além da salarial. Os principais cargos passaram a ser ocupados por servidores de carreira, a capacitação era simples e abundante e havia uma relação estreita com organismos internacionais para cooperação técnica. Policia Federal, CGU e Ministério Público se regozijavam com a inédita autonomia operacional.
 
Na burocracia federal, 60% das pessoas são conservadoras irremediáveis, 10% progressistas convictas e 30% dançam conforme a música.
 
Em 2010, esses 30% flutuantes estavam ao lado de Lula e não apenas votaram em Dilma, mas criavam um caldo cultural que impunha limites a atuação dos 60% de conservadores.
 
Com a eleição de Dilma, o entendimento que prevaleceu nas instâncias decisórias foi de inconformismo com os privilégios da burocracia. Foi iniciada uma política de redução dos salários reais dos servidores, gestores tiveram sua mobilidade funcional restringida, licenças para doutorado inviabilizadas. Até mesmo a licença capacitação se tornou letra morta com exigências infra-legais.
 
Assim, os 30% flutuantes mudaram de lado e isolaram os 10% progressistas que passaram a pregar no deserto.
 
Passou a ser aceitável entregar intimação de madrugada a filho de ex-presidente da República após festa de aniversário do pai. Sigilo funcional se tornou pequeno entrave regimental ao exercício da função, contra o interesse público. Vazamentos seletivos passaram a ser comuns nos inquéritos da polícia.  Atrasos de pagamento aos bancos públicos de programas federais chegaram a grande imprensa.
 
O governo Dilma não entendeu que técnicos também são atores políticos. Por isso, não são portarias que podem limitar politicamente a atuação da burocracia.
 
Nada contra começar uma guerra. Mas você não pode iniciá-la sem saber como vai fornecer água e comida à população.
 
Nem mesmo preparar sua tropa o Governo foi capaz. Maquiavel já mostrava há cinco séculos que uma guerra se trava com exército próprio e gestão de Rh petista não compreendeu a já batida lição.
 
Um exemplo é dos anacrônicos concursos públicos. O sistema de seleção de funcionários públicos, além de privilegiar o decoreba, não incorporou as mudanças na concepção do Estado vindas com o petismo ou até mesmo com o iluminismo.
 
Não é possível selecionar delegados da PF que considerem a legalidade um entrave à justiça. O mundo desenvolvido inteiro trabalha com investigações que respeitam às leis e os direitos humanos e obtém bons resultados no combate ao crime. O arbítrio pleno da autoridade policial é coisa de países africanos que pouco controlam a criminalidade. E cadê isso nos concursos públicos?
 
Desde a Constituição de 1988, o Brasil incorporou uma série de direitos aos cidadãos como a moradia, a alimentação, à saúde e à dignidade humana. Tudo isso requer grandes vultos financeiros. Mas não dá para selecionar servidores do Tesouro que ficam no lugar fácil do “a Constituição não cabe no orçamento” e não saibam a diferença entre previdência e seguridade e que há um orçamento de seguridade. Cadê os concursos públicos incluindo as “agencies” americanas que financiam de forma inteligente, com aval do Tesouro americano, políticas de moradia, educação e de apoio a veteranos de guerra?
 
A carreira de especialista em políticas públicas do Ministério do Planejamento é um dos mais cobiçadas do Brasil, com salário inicial de quase R$ 16 mil por mês. No entanto, teve o concurso cancelado de forma humilhante pelo TCU pois os idealizadores do concurso puseram de uma forma tosca uma oposição entre conhecimento e prática. Quando a questão essencial é qual conhecimento e qual prática.
 
O comércio em torno da preparação de concursos em Brasília identificou alguns “papas” para os concursos de especialista em políticas públicas. Uma dessas referencias é famosa por ter concebido o sistema de seleção, enfatizar nos cursinhos os pontos essenciais do concurso e de dar aulas no curso de formação da Enap. No entanto, há relatos vergonhosos de algumas críticas rasteiras em suas aulas como o chavão de que o “Bolsa-familia não ensina a pescar”, sem mesmo uma reflexão sobre a condicionalidade das crianças estarem matriculadas nas escolas e com frequência comprovadas e dos dados estatísticos que mostram exatamente o contrário.
 
Esse é um exemplo do fracasso do governo federal na capacitação dos servidores que em momento algum são levados à refletir sobre as mudanças no Estado nos últimos 13 anos. ENAP e ESAF são anacrônicas e não incorporaram os anseios da população expressos pelas urnas. Ambas são escolas acomodadas que apenas repetem os mesmos cursos e os mesmos conceitos por décadas.
 
Os dirigentes petistas não compreenderam que capacitação não é privilégio. Não há problema em servidores conhecerem as melhores práticas pelo mundo. Contudo, é preciso adequar a capacitação ao projeto de Estado. Liberdade de cátedra é coisa da academia, no governo a capacitação deve ser focada na construção de um projeto nacional.
 
Enfim, parece que há muito Velho Testamento e pouco Gramsci no pensamento dos gestores públicos.
Redação

12 Comentários

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  1. Cristianismo e Burocracia

    Linda análise da realidade brasileira, da incompentência das esquerdas da pouca visão do que é governar um país.

    O mesmo raciocínia serve para os dirigentes de uma empresa ou os pais de família.

    Sem uma clara visão do projeto de governo, antes da eleitos, não se avança para lugar algum. Vinga o imediatismo e as medidas tomadas ao sabor do momento e emuladas pelas emoções.  Esse tem sido os governos Lula e Dilma.  Apenas algumas políticas, exceções a confirmar a regra, são de longo prazo.

    A essa indisfarçável visão imediatista e na política rasteira junto artigo recente de Nassif: a necessidade de um “estado maior” no governo, diretamente vinculado a presidência, para determinação de objetivos de longo prazo ( a visão de governo ),  políticas públicas que levem a isso e cuidar da coerência das ações..

    Esses objetivos deveriam ser claramente levados à nação, antes das eleições, e implementados no decorrer do governo.

    Mas talvez seja querer demais num país há 516 anos dominado pelo imediatismo político e ações capengas que possibilitam o descarado uso do estado em benefício de poucos.

     

    1. “Linda análise da realidade

      “Linda análise da realidade brasileira, da incompentência das esquerdas da pouca visão do que é governar um país”:

      Eh, boa mesmo foi a fabrica de favelas da direita.

        1. Não é verdade ?

          O fato de discordar de ações não significa discordar do governo.

          É notório o desenvolvimento do país como nação nos governos Lula e Dilma. Foram anos muitos melhores para todos nós, exceto para a elite apodrecida que temos.

          Isso não quer dizer que foram perfeitos. Penso que o Brasil necessita posicionar-se no século XXI junto à incapacidade de manter as bandeiras da esquerda quando governo, o enfrentamento da mídia unipolar, a atuaiização das leis que nos regem, em especial ao escandaloso protecionismo legal aos sonegadores.  Aqui a sonegação é indolor.

          Repito o que disse anteriormente quanto ao acerto de algumas políticas, desde a retumbante inclusão social, o combate à miséria e a fome, o alinhamento do salário mínimo, a defesa de nossas riquezas inclusive com a valorização de nossas FFAA, o nacionalismo intransigente. Isso é inegável.

          Mas, por outro lado e uma crítica, ao governo federal falta protagonismo para levar essas conquistas ao conhecimento do povo, submergido pela boataria da mídia e seus corneteiros.

  2. A burocracia estável está em

    A burocracia estável está em pânico. Respondendo processos e receosos de irem para a cadeia. Tudo o que se fizer estará sob suspeição. E suspeição, como estamos vendo, é motivo até de prisão. Com a má fama da burocracia, provar que se é inocente é uma tarefa hercúlea. Até quem tem três pontinhos na assinatura está sendo sacrificado.Como assim exigir do PT uma certa doutrinação para um estado que deve ser laico e apartidário? Tivesse a hegemonia dos estados e municípios pagar governar, bem como das inúmeras autarquias, fundações, OSs e Universidades, mas não tem. O problema não é o PT, o problema são os bacharéis que não estão sendo laicos nem apartidários. Suas entidades de classe andam em sintonia com os playgrounds de políticos fracassados e as universidades parecem pouco se importarem. Recebem os sistemas de controles de fora e os exaltam.  Aderiram ao “joga bosta na Geni”, tão ao gosto da nossa mídia golpista e classe empresarial que tem no estado seu principal cliente e financiador. Mas discursando empreendedorismo e amaldizendo o o estado. Quantos engenheiros, advogados, economistas, administradores, contadores estão presos? Quantos juízes? Quantos promotores? Quantos policiais federais? Será que foi o PT que criou castas e determinou que fossem receber instruções golpistas em órgãos de inteligência e espionagem internacional? Ogeriza a o PT até se compreende pois tem feito por merecer, mas sabotar o nosso País para se vingar de um partido, francamente… Com que forças o PT poderia se contrapor a um estado aparelhado pelo PSDB e por uma mídia tão ou mais criminosa? 

  3. no meu caso só faço uns cursinhos fuleiros ead,

    mas que burocraticamente preenchem os requisitos.

    ainda que sua qualidade duvidosa e pouco proveito prático.

  4. Cristianismo e burocracia

    O que tem esse texto a ver com Cristianismo ou Bíblia? O título e a foto parecem coisa de imprensa que coloca manchetes enganosas para fisgar o leitor.

  5. o brasil precisa de uma

    o brasil precisa de uma burocracia de estado estavel que continue tocando projetos essenciais ao pais não importando qual partido esteja no governo. as decisões são tomadas de acordo com as leis e projetos de nação. . pelo o que eu entendi Lula entendeu isso e a valorizou.

  6. Não entendi nada …

    Antes de tudo, quem disse que os servidores públicos são mais conservadores que a sociedade em geral? A eleição do PT para a presidência nos últimos anos está longe de significar que a maioria da população é de esquerda (haja vista a composição do CN eleito simultaneamente). Mesmo o fato da Dilma ter perdido de lavada em Brasília na última eleição não diz muita coisa sobre a ideologia dos servidores públicos (até porque hoje eles sequer perfazem a maioria da população do DF).

    Por outro lado, uma coisa é fato: o servidor público médio adora olhar para o seu próprio umbigo e ignorar o resto do mundo. Nesse sentido, a política de “valorização” adotada pelo Lula o deixou extremamente mal-acostumado, sem contar que foi o embrião da bolha imobiliária em Brasília (que não por acaso começou a desinflar aqui primeiro) e também criou essa excrecência que é a indústria concurseira (que agora também está em decadência, para minha profunda alegria). O fato é que o governo Lula deu aumentos generosos sem pedir nada em troca, enquanto pautas importantes para a eficiência do serviço público e a redução de abusos foram engavetadas – a regulamentação do direito de greve do servidor, a lei que permite a demissão de servidores depois de seguidas avaliações de desempenho negativas … o resultado disso? Um monte de aventureiros que entraram nos últimos concursos só pensando no $$$ e sem a menor disposição para trabalhar – e o Estado não pode fazer nada exceto ficar empurrando-os de um órgão para outro na esperança que eles um dia “desencantem”. O governo Dilma, apesar da sua suposta má-vontade com os servidores, não fez nada de concreto para criar instrumentos que melhorassem o processo de seleção e avaliação das carreiras. De fato, a única tentativa foi o concurso de gestor, que infelizmente padeceu de uma execução desastrosa. Além disso, a excessiva centralização do governo Dilma fez com que vários órgãos virassem “zumbis”, com um monte de gente brigando para trabalhar, uma vez que as decisões de fato eram (são?) tomadas por pouquíssimas pessoas. Não preciso dizer o efeito que isso tem na motivação das equipes …

    Portanto, não se trata de doutrinar ideologicamente os servidores de um jeito ou de outro, mas sim introduzir mecanismos que os incentivem a de fato prestarem serviços de qualidade para a população. A remuneração ainda é muito boa (e se Brasília é cara, problema do GDF que não derruba os inúmeros cartéis da cidade) e, ao contrário do autor, não vejo os problemas com licença para estudos ou capacitação que ele está vendo (embora admito que isso possa variar muito de órgão para órgão). Por outro lado, o governo precisa também saber usar melhor os servidores, e nesse sentido uma reforma administrativa que faça uma melhor alocação das tarefas e reduza as redundâncias seria sim muito bem-vinda. No entanto, não é isso que eu espero do movimento atual, infelizmente.

  7. para a esquerda a burocracia

    para a esquerda a burocracia de estado é vista como os profissionais da gestão do estado que tomam decisões  muito distantes do sentimento da maiorida da população.  daíi a ideia de biblia.. num sentido figurado, vemos como ideias sagradas. num sentido mais avançado a burocracia devia ser vista como um corpo que garante o funcionamento de politicas publicas, separando as ações do estado e de governo. é assim que eu entendi o texto.

  8. A biblia é a moral e Gramsci
    A biblia é a moral e Gramsci a estratégia, o cálculo político.
    O PT deve pensar a relaçao com a burocracia de forma estratégica e não moral.

  9. Funcionalismo publico

    90% dos cargos “de confiança” nos Correios são de anti-petistas. Vendo o caso dos Correios ( trabalhei por 18 anos 1997-2015) eu fico me perguntando se o PT sabe o que é o poder.

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