O Candomblé e todas as religiões gritam: conhece-te a ti mesmo!, por Jefferson Viscardi

O Candomblé e todas as religiões gritam: conhece-te a ti mesmo!

por Jefferson Viscardi

Resposta de Jefferson Viscardi a um pedido de esclarecimento.

Buscador: Querido Jefferson, o que quer dizer ser filho de Ogum com a licença de Oxalá?

Jefferson Viscardi: O Candomblé é uma religião cujos mistérios pertencem àquelas pessoas que dedicaram muitos e muitos anos de suas vidas para entender na prática quem são os Orixás e como regem a existência humana. É, ao mesmo tempo, uma ciência linda e respeitável.

É engano, portanto, acreditar que a resposta de alguém em quem você confia possa trazer o verdadeiro conhecimento ou a real visão que só o tempo, a dedicação, a humildade e a determinação de ir fundo no que se deseja saber podem revelar.

Aquele que não pratica a religião ou que pratica, mas ainda não tem os olhos abertos para seus mistérios mais profundos pode, às vezes, ser tão útil em passar conhecimento quanto um livro, ou seja, há fontes que nos dão apenas informações superficiais, que podem estar bastante imprecisas e distantes do real.

O saber, porém, neste campo específico religioso, filosófico e científico, porque Candomblé também é ciência, só chega mesmo vivendo, acredito eu.

Para ensaiar uma resposta, eu teria que conhecer não só os Itãs, as histórias de fundamento e tradição, mas ter sentido a realidade do que se lê e ouve por aí. No meu caso, como não tenho nada disso, esta é a forma de demonstrar o mais profundo respeito por vocês que me perguntam e para com a religião em questão.

O Candomblé já sofre por conta de tantas ideias incompletas compartilhadas sobre seus fundamentos e mistérios, repassadas de maneira tão leviana e irresponsável que, em amor a nossa própria religião, devemos trabalhar muito ainda no pouco que sabemos sobre as outras para não fazer com elas a injustiça de propagar inverdades que não gostaríamos que fizessem sobre a nossa.

Em um último esclarecimento aos amigos que me trazem estas questões, quando alguém responde o que algo quer dizer, essa pessoa pode só dizer do que viu e sentiu, certo? No fundo, só sabemos quando somos nós mesmos a ver e a sentir.

Da mesma forma que não é possível descrever o gosto de uma maçã, aquele que quer realmente saber precisa buscar sentir e, para sentir, é preciso imersão em qualquer religião ou área do conhecimento para fazer aflorar o verdadeiro discernimento.

Então, o processo é sempre o mesmo. Deve-se ter antes a certeza de que é este o caminho que se quer trilhar e começar seu calvário até crucificar o ego nas searas responsáveis e de tradição.

Aonde ir? A própria razão de vocês vos responderá, intuída pelo bom senso. Talvez ir aonde houver ainda aqueles que amam verdadeiramente os Orixás e se entregam ao sacerdócio sem o misticismo doentio.

Talvez ir aonde a reprodução de preceitos descabíveis para o século XXI não ofusquem a naturalidade do culto.

Talvez ir aonde não predomine disputas de ego silenciosamente ofensivas; aonde a personalidade saiba silenciar, a mente saiba calar. Talvez ir aonde nem a vaidade e nem o dinheiro e muito menos a sensualidade sejam fatores determinantes ou traços visíveis, implícitos na conduta dos integrantes e muito menos na dos dirigentes.

Vaidade e perfeccionismo só são úteis quando são aplicadas como protetores da ordem, da limpeza e o dinheiro deve sempre ser servo da natural prosperidade saudável e sempre trocado com perfeita clareza de real necessidade e propósito.

Em todo lugar, o dinheiro é necessário, mas é preciso saber separar muito bem como, assim é em qualquer lugar sagrado, e o que deve entrar para preservar a manutenção, realização e o desenvolvimento dos procedimentos e o que pode representar movimentação maliciosa, extorsão, arrecadação ilícita e, portanto, indevida no meio.

Nenhuma religião se vê totalmente protegida da maioria destes fatores, porque o ser humano é falho; por isso, deveremos, antes de nelas buscar abrigo, levar o médico em nós a servir a nós mesmos com humildade, amor e tolerância aonde quer que sejamos levados a estar. Devemos sempre estar gratos e pedir muita saúde e paz para quem nos acolhe.

Servir a nós mesmos primeiro é jamais rebater uma ofensa; é não nos envenenarmos com o petardo da maldade alheia. É acreditar no bem que hora pode estar oculto, mas que existe no outro que testa minha paciência.

São nestas horas que a vida está me proporcionando novas oportunidades de fortalecimento dos sentimentos nobres e de treinar a compaixão. É na hora que somos chamados a devolver a maldade com uma bondade que podemos ler o quanto ainda precisamos trabalhar em nós. As nossas reações falam muito da extensão de nosso desequilíbrio emocional e de quanto empenho ainda carecemos para o ajuste necessário.

Isso dito, fica claro que o contrário também é verdadeiro. Não devemos levar a ambientes sagrados o doente dentro de nós, sedento e ansioso por aquilo que não estamos dispostos a corrigir e remediar em nós. Não devemos levar para as religiões um humano que quer pertencer a grupinhos de fofoca, de contenda, de autoafirmação, etc.

Repito, esta é simplesmente a voz do bom senso, pois não é preciso muito raciocínio lógico para saber que positivo com negativo dá negativo, sempre! A religião permite o positivar-se quando já existe a determinação de viver a disciplina e entrar nos respectivos trilhos que cada uma oferece. Parece que a fórmula ideal é a de sempre levarmos o que há de positivo em nós ao seu encontro, pois positivo com positivo resulta sempre em positivas bençãos a todos!

Se permanecermos indiferentes para com o autoconhecimento e buscarmos a salvação ou o salvador fora de nós, continuaremos levando a nossa criança interior para ilhas vibratórias de semelhante sintonia para se afundar ainda mais nas ilusões que todas as religiões nos pedem, nos suplicam e nos disciplinam para identificarmos e tratarmos em nós mesmos, caminhando ou não nos ambientes sagrados que oferecem para o nosso refazimento.

Em uma palavra, o Candomblé e todas as religiões gritam: conhece-te a ti mesmo!

 
Redação

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