Do O Globo
Cardeais brasileiros rejeitam favoritismos
Clérigos aptos ao voto admitem consultas para a eleição, mas negam que haja pressões
MARIANA TIMÓTEO DA COSTA
SÃO PAULO Oração, meditação, leitura, conversas com fiéis e colegas religiosos para uma escolha que requer imensa responsabilidade. É assim que cardeais brasileiros integrantes do conclave para apontar o novo Papa contam que estão se preparando para a votação. Diferentemente do que ocorreu em 2005, quando o alemão Joseph Ratzinger, então à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, logo despontou como favorito por estar muito em evidência, a sensação entre os religiosos agora é a de que “tudo pode acontecer”, como disse ao GLOBO dom Raymundo Damasceno Assis, de 75 anos, atual arcebispo de Aparecida do Norte (SP) e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Dom Damasceno participará de seu primeiro conclave. Será um dos 118 cardeais com menos de 80 anos que votarão secretamente em um nome — todos os que votam são também elegíveis. Dom Damasceno foi nomeado cardeal por Bento XVI em 2010. Apesar de afirmar que questões como idade e nacionalidade não devem ser critérios para a escolha de um novo Papa, além de declarar que “o Espírito Santo sopra onde quer”, o arcebispo de Aparecida não esconde entusiasmo com a possível escolha de um Papa latino ou africano.
— A Igreja se abriu para dialogar com o mundo. Não há mais preocupação em ser liderada por um europeu, um italiano especialmente. A fé católica é grande na América Latina, vem crescendo muito na África. A Igreja se universalizou, quem sabe Deus não aponta seu líder em direção a um outro continente? — disse dom Damasceno, que, além de dialogar com padres e colegas cardeais, uma vez no Vaticano, pedirá que fiéis “intensifiquem suas orações de modo particular, para que seja escolhido um Papa com sabedoria para conduzir a Igreja nesses tempos difíceis e desafiadores”.
Dois veteranos na eleição
Para o presidente da CNBB, a renúncia “corajosa” de Bento XVI somente intensificou a ideia de responsabilidade do trabalho papal, mostrando que o líder da Igreja precisa ter “vigor físico e mental”.
O arcebispo emérito de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, de 79 anos, e o arcebispo emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes, de 78 anos, terão a rara oportunidade de escolher dois Papas, já que participaram da escolha de Bento XVI em 2005 e também votarão no conclave de março.
Além dos três, votam — e podem ser eleitos Papa — os brasileiros dom Odilo Scherer, de 63 anos, e arcebispo de São Paulo, e dom João Braz de Aviz, de 65 anos, arcebispo-emérito de Brasília e atual prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano.
Dom Geraldo descarta sua eleição. Alega que os cardeais “não vão se expor e devem votar numa pessoa ainda com saúde e disponível”.
— Mas para mim é um privilégio poder participar da escolha de dois líderes da Igreja. Não falamos em candidatos ou favoritos, mas há pessoas preparadas e nomes fortes de todas as nacionalidades e também de variados perfis. Se João Paulo II era um pastor de Deus, tinha carisma e gostava de conversar com fiéis, Bento XVI era um intelectual, teórico. Caberá a Deus se manifestar por nós — disse o arcebispo emérito de Salvador.
Fator idade em debate
Considerado um dos favoritos ao papado em 2005, dom Cláudio liderou a terceira maior arquidiocese do mundo, a de São Paulo — que perde apenas para as de Cidade do México e Guadalajara em número de fiéis. Além disso, foi prefeito da poderosa Congregação para o Clero. Segundo especialistas, a idade avançada também reduz suas chances. Para ele, “o bom senso dos cardeais talvez indique a escolha de um Papa mais jovem”.
— Mas este não é o principal argumento e nem o principal critério. O mais importante é encontrar aquela pessoa que possa executar este trabalho hoje, no mundo de hoje. Não importa de onde venha e a idade que ela tenha. Existem critérios menores, talvez este seja um. João Paulo II foi eleito muito jovem, Bento XVI tinha uma idade bem avançada já. Isso tudo pode levar à escolha de alguém que esteja no meio desses dois extremos — avaliou dom Cláudio.
Todos afirmam que, apesar de não falarem em candidatos e não haver pressões para a escolha, os cardeais-eleitores conversam entre si.
— Falamos sobre possíveis candidatos, no estado da Igreja hoje, em como devemos pensar — disse dom Cláudio, para quem não há favoritos, apesar de a mídia “lançar nomes”.
Os cardeais com mais de 80 anos são consultados também — como o arcebispo emérito de Brasília, dom José Freire Falcão, que participou do conclave de 2005. Ele deve ser convidado para as reuniões preparatórias para a eleição. E vê mínimas as chances de um Papa da América Latina.
— As chances são muito pequenas. O argentino (Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos) tem muita idade; já falaram nele da outra vez. E os do Brasil são cardeais novos — avaliou.(Colaborou Sérgio Roxo)
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