Papa Francisco tende a reforçar a ação pastoral, diz teólogo

Umas duas vezes na semana visito o site de Página 12, para ver cómo andam as coisas vistas desde Baires.

Não o faço com mais frequencia pois o clima do noticiário é sempre crispado; os atores mudam mas sempre são enfrentamentos de dentes arreganhados. Penso que é difícil construir um país em esse clima.

Curiosamente, os debates acerca por (agora) papa no blog tem tomado ares de argentinos.

Não sou católica, a ICAR pareceme uma instituição em fim de linha, mas estou gratamente surpresa pelos novos ares que o novo papa parece trazer.

Esta entrevista acho que agrega no assunto:

Do Viomundo

Papa argentino diminui poder da Cúria Romana, avalia teólogo

por Gilberto Nascimento

A eleição do novo papa, o cardeal argentino Jorge Bergoglio, é positiva para os seguidores da Igreja Católica identificados com a Teologia da Libertação, na avaliação do padre, teólogo e historiador José Oscar Beozzo, considerado um dos maiores especialistas em Igreja na América Latina. Para Beozzo, o papa Francisco tende a reforçar a ação pastoral da Igreja e diminuir o poder da Cúria Romana.

Próximo de religiosos como o arcebispo emérito de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns e o ex-frade franciscano Leonardo Boff, Beozzo é coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep). Ligado também a expoentes da corrente progressista na Argentina, o teólogo foi um dos primeiros a vir a público para defender o cardeal Bergoglio das acusações de que ele teria colaborado com a ditadura militar no país vizinho, nos anos 1970.

Beozzo diz não haver comprovação dessas denúncias e atribui os comentários ao fato de a Igreja argentina realmente ter sido omissa – e conivente, em vários casos – com a repressão no País.

Ele classifica Bergoglio como um moderado aberto às questões sociais e conservador nos temas doutrinários e o elogia por ser “um pastor que está no dia a dia da Igreja, em contato com o povo e com as preocupações pastorais”. O teólogo falou ao Viomundo:

Viomundo – Como se deu a escolha de Bergoglio no conclave e a exclusão do nome de dom Odilo Scherer?

José Oscar Beozzo – Ele não aparecia na lista dos prováveis por uma boa razão. Havia um consenso de procurar alguém com uma idade que não ultrapassasse os 70 anos. Assim, ele caía fora do perfil. No conclave anterior, Ratzinger foi eleito com 78 anos.  Bergoglio foi, naquele momento, a contraposição a Ratzinger e teve 40 votos. Era conhecido. O que o excluía agora era a idade. Outro elemento foi o impasse. Dom Odilo Scherer (arcebispo de São Paulo), era o candidato apontado como da Cúria, embora a Cúria, por estar queimada, não tenha apresentado ninguém. Por integrar o conselho responsável pelo Banco do Vaticano – que tem 20 cardeais -, dom Odilo fez um discurso, na segunda-feira antes da votação final, que lhe tirou votos. Defendeu a Cúria e o cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado e que preside o conselho responsável pelo banco. E era aí que residiam os problemas.  Havia o impasse entre Angelo Scola, cardeal de Milão, e dom Odilo. Os 11 cardeais americanos mais os três canadenses, que queriam reformas na Cúria, votavam em Scola. Os italianos também, mas estavam divididos, uma parte não o queria. Na quarta-feira, na hora do almoço, os cardeais americanos decidiram abandonar os votos a Scola e caminhar para o Bergoglio nos dois escrutínios da tarde.

Viomundo – O novo papa teve relações com a ditadura na Argentina? De onde surgiram essas denúncias?

Beozzo – Tenho conversado com pessoas da Igreja na Argentina que lutaram contra a ditadura e tenho ouvido delas que essas denúncias não procedem. Não há qualquer comprovação de possível envolvimento. Procede, sim, que a igreja teria de ter corrido o risco e denunciar violações. Houve, sim, delação de pessoas da Igreja. Por isso, surgem comentários desse tipo.

A história que cita Bergoglio envolve dois jovens padres jesuítas, que se lançaram no trabalho social nas zonas mais difíceis na Argentina, com os pobres, em 1976. Bergoglio era o provincial da Companhia de Jesus. Os padres tinham decidido montar uma outra congregação religiosa. Bergoglio alertou-os sobre o golpe militar, lembrando que todos que iam para a área social estavam visados. Logo depois os padres foram presos. O que ele fez foi ir atrás para libertá-los. O Horacio Vierbisky, jornalista e escritor argentino, lançou essa versão de que, ao ir atrás para libertá-los, teria, na verdade, desprotegido os dois. Teria dito que eles eram sim subversivos.

Aí, misturam as coisas. Os padres tinham que sair da congregação porque iriam fundar outra. Há  as vozes de pessoas próximas. Bergoglio foi depor nos processos na Argentina e tem um livro autobiográfico, no qual nega explica o caso. Lá na Argentina prenderam até um general. Se tivesse um mínimo de culpa teria um processo. Uma das razões é que o então presidente da Ação Católica Argentina, Emílio Mignone, teve a filha sequestrada e morta. No momento do sequestro da filha ele correu em várias instâncias da Igreja e não encontrou apoio. E ele tem um livro muito importante de depoimento. Não é um depoimento isolado.

Há bispos que lutaram contra a ditadura, como Jorge Novack, de Quilmes, Jaime de Nevares, da Patagônia, Miguel Hesayne, de Viedna, e Henrique Angelelli, de La Rioja, que foi morto. E houve alguns que eram a favor da tortura, como o bispo Tortolo, que era o capelão militar. Tem desde o caso extremo aos daqueles que, apoiando os militares, estavam salvando a Igreja contra o comunismo. Também há casos de pessoas que não tiveram coragem de se pronunciar e aquelas que sempre se posicionaram contra, sem resultado. E uma delas foi assassinada.

Viomundo – O que representa para a América Latina a eleição de um papa argentino?

Beozzo – o papado anterior foi um papado da Cúria. O cardeal Ratzinger estava há 22 anos no Vaticano. Ele não participava do grupo do poder, da Secretaria de Estado, mas estava na Cúria. Era o braço direito do papa. Ele escolheu o Tarcísio Bertone, que era o secretário para a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício), para a Secretaria de Estado. Ele marginalizou o secretário de estado de carreira. É um cargo diplomático. Foi um erro estratégico. Vindo ele da área de doutrina, precisava de alguém que contrabalançasse o conhecimento. Mas colocou outro da doutrina. Tanto que no campo político internacional foi um desastre. Acabou tendo dois inexperientes nesse setor. Para essa área de gestão de relações internacionais e todo o funcionamento externo da Santa Sé, não foi uma boa escolha.

Agora, houve o deslocamento para um pastor. O conclave escolheu alguém que está no contato diário da igreja, com o povo, com as preocupações  pastorais. Essa é a grande mudança, independentemente de ser um argentino.O Bergoglio insistiu muito em seu discurso. Disse duas vezes: ‘eu estou aqui para fazer as funções de um bispo de Roma’. Isso é muito sadio para a Igreja.

E uma das críticas do último ano do papa Ratzinger foi o consistório de fevereiro de 2012, que fez 22 cardeais. Desses, apenas oito eram de dioceses e dez da Cúria, mais quatro que tinham mais de 80 anos. Esses quatro foram uma homenagem porque já não tinham mais função na igreja. Não alteravam nada, pois não eram mais eleitores (o cardeal com 80 anos não pode votar no conclave). Dos 18 efetivos, foram só oito para o resto do mundo. E num consistório tão numeroso, nenhum cardeal da África, onde estão 16% dos católicos do mundo. Nenhum da América Latina, onde estão 40% dos católicos. Juntas as duas áreas, são 56%. Teve só uma nomeação para a Ásia, em Hong Kong.

Houve criticas abertas. Foi um erro muito grave. Ele reforçou a Cúria e enfraqueceu a representação de quem está no trabalho da Igreja. Foi um ato em favor da Cúria e do grupo curial e provocou reação mo mundo inteiro.

Tanto que Ratzinger fez uma coisa inusitada. Em novembro, teve outro consistório. Normalmente se faz a cada dois, três anos. Aí, nomeou outros seis cardeais de dioceses. Tentou corrigir nove meses depois. As reações foram tão fortes, que aí ele voltou atrás num consistório inesperado para preencher lugares, nomeando gente nova como o cardeal das Filipinas, Luis Antonio Tagle, o indiano Baselious Thottunkal, de 53 anos. Foram interessantes essas últimas nomeações.

Havia uma insatisfação de toda essa área da pastoral com a Cúria. Nesse conclave, teve 31 cardeais de Cúria. É um exagero. A Cúria tinha uma vez e meia o que tem toda a América Latina, com 40% dos católicos. Então, não é a questão de ser um argentino. Mas, sim, de recolocar à frente da Igreja alguém que vem de responsabilidades pastorais .

Viomundo – Como o sr. define o novo papa?

Beozzo – Primeiro, é um jesuíta. Tem de olhar esse aspecto. Os jesuítas primam por duas coisas: 1) uma sólida formação intelectual. Eles não descuidam disso, demoram para ordenar. O papa estudou na Argentina, no Chile. Fez um doutorado na Alemanha, mas a formação dele foi aqui na América Latina. A segunda coisa: os jesuítas são muito disciplinados, metódicos.

O deslocamento maior, agora, foi voltar para a pastoral. Isso sempre foi um dilema nas eleições papais. Depois de alguém como Pio XII, que vinha da Secretaria de Estado, fez toda a carreira na Cúria e foi papa, escolheram alguém que vinha da pastoral, João XXIII. Paulo VI vinha da Cúria, mas foi para Milão. Albino Luciani, o João Paulo I, era da pastoral. Aí, voltou a Cúria. Eu achei que a gente não voltaria mais para a Cúria, mas aí voltou com o Ratzinger.

A Cúria, agora, jogou pesado para manter o controle e perdeu. Isso é uma coisa muito salutar. Porque as nomeações do papa Bento VI tinham reforçado muito o poder da Cúria.

Outra coisa, evidentemente, é ter pela primeira vez um latino-americano. Qual o sentido disso? A América Latina foi o continente  que fez a melhor recepção  do Concílio Vaticano 2º.  Foi uma recepção coletiva, que não ocorreu nos outros continentes.

Em 1968, tivemos a Conferência Episcopal Latino-Americana de  Medellín. E Medellín é uma marca para a igreja latino-americana, independentemente de ser conservador ou reacionário. É a carta magna do nascimento do catolicismo latino-americano. Isso é um ponto. Tem um significado muito profundo em relação às decisões do Vaticano II. Um ponto central do Vaticano 2º é a Gaudim Spes (Sobre a Igreja no Mundo Atual), o documento mais assumido em Medellín. O ponto central foi o de mudar a estrutura da Igreja, que tinha de ser mais colegial.

Só que na leitura, na hora de traduzir isso na prática, Paulo VI sofreu muita pressão da Cúria para que não houvesse um organismo deliberativo. Diziam que isso ia diminuir o papado. No  fundo, era diminuir a Cúria. Porque o papa teria um respaldo de um organismo vindo dos bispos, inclusive para dar um respiro para ele frente à Cúria. Mas aí houve um veto formal e Paulo VI criou um Sínodo apenas consultivo.

Agora, Meddellin e as conferências de Puebla (1979), Santo Domingo (1992), com todos os problemas; e Aparecida (2007) são exercícios deliberativos do episcopado. Isso é uma preciosidade na Igreja, num contexto de uma centralização excessiva que esvaziou as conferências episcopais. Ter mantido na Igreja Latina uma colegialidade deliberativa, como foi em Medellín, Puebla , Santo Domingo e Aparecida é um presente para a vida da Igreja e uma interpretação não diminuída do Vaticano 2º. Então, Bergoglio vem dessa Igreja, que tem essa experiência.

Antes de analisar a posição dele, o fato é que, no pós Concilio, foi a Igreja que captou e pôs na prática algo fundamental que era a colegialidade como um contrapeso a um exercício muito centralizado do primado romano. Ele leva agora essa experiência da Igreja latino-americana. A outra questão foi ter traduzido aqui, na prática, o povo de Deus como comunidades eclesiais de base, o que não está escrito no Concílio.

O importante é olhar o cardeal Bergoglio como jesuíta. Olhar como alguém que está no trabalho pastoral. E também, agora, dizer o que a América Latina leva de muito próprio para essa experiência no papado. E leva de  próprio ser o único continente que fez uma recepção do Vaticano 2º com um caráter deliberativo.

Depois do Concílio, a África só conseguiu um Sínodo, já no final do século, em 1999, e em Roma. Não na África, o que é totalmente diferente. Eles queriam algo no estilo das conferências latino-americanas. Foi o que o Angelo Sodano, ex-secretário de Estado do Vaticano e hoje decano dos cardeais, tentou acabar na Conferência de Santo Domingo. Defendiam não ter documento, mandar tudo pra Roma e eles fazerem um documento, como se faz nos Sínodos.

Em Aparecida, os bispos pediram uma conferência e Sodano falou: “Conferencia não, Sínodo. E na America Latina não, mas em Roma porque Sínodo se faz em Roma”. Aí, o Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano) foi se queixar com João Paulo II. Eles queriam a conferência e João Paulo II ficou entre a cruz e a caldeirinha, entre os bispos e Sodano. Aí, ele deu uma solução e disse: então consultem os cardeais e as conferências episcopais latino-americanas. Dos 29 cardeais, 19 pediram conferência na América Latina e 12 pediram Sínodo em Roma. Entre as 22 conferências episcopais, apenas uma disse que podia ser Sínodo e 21 reivindicaram conferências. O papa então disse:  façam segundo a tradição de vocês.

Sobre esse impasse eclesiológico que a América Latina viveu, Bergoglio tem muita consciência. Ele foi um dos cardeais consultados pra dizer se seria aqui ou lá. Ele era presidente de conferência episcopal. E o voto dele foi para ser conferência e aqui na América Latina.

Tivemos ainda as comunidades eclesiais de base como forma de traduzir a eclesiologia do povo de Deus. Agora mesmo teve um encontro na Argentina para a conferência episcopal sobre as comunidades eclesiais de base. Bergoglio participou disso. Ele leva essa dimensão que já apareceu em 1974 no Sínodo da evangelização. E qual era o desafio maior na America Latina? O  desafio era a desigualdade, a injustiça social. A resposta eram as comunidades, a Teologia da Libertação, as pastorais sociais. Isso é uma dimensão da experiência latino-americana e, provavelmente, passará para o trabalho dele em Roma.

Viomundo – A Igreja não gosta desses rótulos, mas o cardeal Bergoglio é considerado moderado ou conservador? Ele é ligado realmente a movimentos conservadores como o Comunhão e Libertação?

Beozzo – Conservador ele não é, por causa dessa dimensão social. Mas em questões doutrinárias ele é conservador.  Não sei como vai se lidar com isso. E a escolha que ele fizer para cuidar da área da doutrina pode dizer alguma coisa. Ao contrário do que foi falado num primeiro momento, em sua biografia, ele não é ligado ao movimento conservador Comunhão e Libertação. Teve relações, mas todo arcebispo tem de ter. Dom Paulo Evaristo Arns também abriu espaço para a Comunhão e Libertação atuar na PUC de São Paulo e não era do movimento.

Viomundo – Com um papa conservador nas questões doutrinárias tem chance de mudar alguma coisa na Igreja nessa área?

Beozzo – Acho que muda, sim. Muda o jeito de você enfocar a questão. Em todas essas questões, você pode dizer: eu vou olhar o que a doutrina diz. Essa é uma posição. E se tornou corrente na Igreja Católica ter duas pessoas da doutrina da fé nas duas posições-chave da hierarquia.

Uma mesma questão abordada tem uma dimensão doutrinal e uma dimensão pastoral. Quando a sua ênfase se desloca para a área pastoral, tudo é mais flexível.

A preocupação não é com princípios, mas com as pessoas. Se houver esse deslocamento, muda muita coisa. Quando insiste-se apenas na doutrina, você enrijece e tem muita dificuldade para abrir o diálogo sobre os princípios.

Viomundo – Bento XVI renunciou por causa de problemas de gestão? Ele não conseguiu comandar o Vaticano?

Beozzo — Foram três coisas: uma, a saúde. É real. O médico  o tinha impedido de vir à Jornada Mundial da Juventude, evento mundial no Rio de Janeiro, em julho. Logo que ele assumiu o pontificado, em 2005, ele foi para Colônia, na Alemanha, e no discurso de final de ano, no Natal, ele analisou a Jornada da Juventude em Colônia e o jeito da recepção do Vaticano 2º. Agora, os médicos disseram que ele não podia vir para o Rio de Janeiro. Acho que ele chegou ao ponto de dizer: o que é, então, o que eu estou fazendo?

O segundo ponto é a questão da gestão interna, que desandou. E terceiro, o escândalo financeiro e sexual no Vaticano.

O que machucou ele como pessoa, no entanto, foi o sumiço de papéis de sua escrivaninha, com cartas pessoas pessoais. Isso causou um dano enorme. Então, ele se perguntou: ‘o que estou fazendo aqui, se nem dentro do meu quarto e com as pessoas de confiança eu não tenho mais controle? Com quem eu estou contando?’. E não é o mordomo. Quem está por trás do mordomo para vazar tudo isso?

Luis Nassif

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