A Judicialização e a individualização do direito social à saúde

Por Sergio Medeiros
 
A solução de demandas de caráter individual na qual se postula o direito à saúde, de modo a compatibilizá-las ao modelo constitucional, é transformar estas ações individuais em ações civis públicas.
 
A Constituição Federal consagra o direito à vida e à saúde (artigos 5º e 6º), bem como dispõe em seu artigo 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
 
No caso, os direitos fundamentais, dentre os quais indubitavelmente se encontra o direito a assistência à saúde, somente poderiam ser considerados em sua íntima e indissociável integração com o Estado de Direito, constitucionalmente positivado.
 
Desta forma, alguns postulados que defendem a aplicação, em casos pontuais/individuais, do chamado direito social de assistência à saúde, encerram profunda contradição, uma vez que, o direito social à saúde é direito coletivo, portanto, inalienável e pertencente à toda coletividade, não podendo ser restringido ao atendimento de demandas com fins singulares.

 
Trata-se de simples hermenêutica constitucional, extraída de seu princípio interpretativo básico, ou seja, não há palavras inúteis na norma, ou seja, a locução direito de todos não pode ser compartimentalizada, no caso, direito de todos É DIREITO DE PROPORÇÃO SOCIAL, não podendo ser reduzido a direito de cada um, podendo apenas ser apreendido em sua visão coletiva ou seja, na acepção própria direito de todos.
 
Nesse caso, se retirarmos a norma/princípio de sua conceituação isonômica e igualitária, direito de todos, e a atribuirmos a direito de cada um, simplesmente destruímos seu conceito, transformamos em letra morta a disposição constitucional.
 
A deturpação de tal conceito tem efeitos assustadores, ela subverte a idéia de Estado, pois retira um direito social e, portanto, coletivo, e o fragmenta em células individuais
 
Note-se bem, quando se fala em direito à vida e a saúde – abstraído o senso comum -, temos que não se está a falar em justiça ou injustiça dos julgados, conceito abstrato e subjetivo, mas sim da impossibilidade de manutenção de decisões (incidindo em casos concretos) que geram direitos e obrigações incompatíveis com o princípio da isonomia e da igualdade, intrínsecos ao Estado brasileiro, uma vez que tais decisões, da forma como estão sendo concretizadas, em face de seu caráter individual e muitas vezes de seu alto custo monetário, talvez não sejam passíveis de extensão a todos os indivíduos que se encontram albergados pelos ditames constitucionais.
 
Hoje, o direito de acesso a determinados medicamentos ou a determinado tratamentos, não contemplados pelo SUS, somente é possível de ser obtido judicialmente, caso a caso, fato este que, em se tratando de direito constitucional coletivo, não poderia ser restrito a casos individuais, sob pena de violarmos a norma que rege a matéria.
 
Ressalto que aqui não se está a falar em tratamentos e medicamentos fornecidos pelo SUS, que, por divergência médica ou administrativa, não são fornecidos. Nestes casos, o ajuizamento das ações de forma individual prende-se ao exercício básico de postulação de direito reconhecido pelo Estado.
 
A controvérsia reside nos medicamentos e tratamentos não reconhecidos e oferecidos pelo SUS.
 
Tenho que a pacificação de tais controvérsias somente tende a ocorrer mediante a participação direta do Ministério Público e das Defensorias Públicas, através de ações civis públicas,
 
Tais demandas, na realidade, tem a ver com direitos individuais homogêneos e, dentro deste espectro é que deveriam ser consideradas, passíveis de Ações Civis Públicas, oponíveis ao Estado e tendentes ao reconhecimento de tais direitos para todos que potencialmente possam vir a necessitar de tais recursos, sem prejuízo da análise liminar, ainda que concessiva, em razão da urgência posta, mesmo que, a posteriori, se revele indevida (ex vi, casos de medicamentos ou tratamentos experimentais que não tem eficiência comprovada).
 
Tal procedimento, segundo entendo, conduz a uma interpretação conforme a Constituição, que, no caso, tem a função de preservar a estrutura principiológica e conceitual do Estado no que tange ao direito social à saúde.
 
Nestas situações excepcionais, em que apesar da demanda ter caráter individual, e ter por fundamento o direito a vida, art. 5º da CF/88, ela há de ser inicialmente acolhida pelo judiciário nestes termos, mas a instrução e a solução final da lide, somente poderão ser expressas nos termos do disposto no art. 196 e segtes, da CF/88.
 
Em outros termos, tais demandas, necessariamente devem ser transformadas em ações civis públicas, de modo que eventual sentença ao final concessiva deverá estender tal direito a todo cidadão brasileiro, que se encontre em situação análoga.
 
Este entendimento, que encontra na compatibilização dos princípios e normas constitucionais, talvez se revele a melhor solução para a questão.
 
Tal interpretação, por sua extensão social (com um custo maior previamente definido para o Estado, que de antemão deverá alocar recursos para tanto) e, por paradoxal que seja, por seu caráter reducionista em demandas individuais, encontra -se ainda incipiente entre os doutrinadores, os quais, em sua grande maioria, quase sempre deixam margem para a manutenção de decisões que, ainda que protegidas por elevados propósitos, tem sua efetividade limitada, em um mundo em que o direito à saúde, tem sua valoração em termos monetários.
 
Há que se ter um meio termo, ou reavaliarmos a questão da saúde no modelo capitalista vigente ou os limites deste modelo.
Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador