Judicialização da saúde cria um SUS de duas portas

Sugerido por Pedro Penido dos Anjos

Da Folha

As duas portas do SUS

Octavio Ferraz e Daniel Wang

A vida não tem preço!, bradam os defensores da mais recente decisão da Justiça brasileira obrigando o Estado a custear tratamento de saúde no exterior. O caso, como todos os outros nesta seara, é trágico.

Um bebê de cinco meses cuja única esperança, ainda que tênue, é uma operação de altíssimo custo. Poucos hospitais brasileiros têm condições de realizar o complexo procedimento (transplante multivisceral), ainda experimental, mas nenhum deles entende que o paciente se enquadre nos critérios exigidos no Brasil para que a operação tenha mínimas chances de sucesso. A última opção da família é levar o bebê aos Estados Unidos, onde um cirurgião se dispõe a realizar o procedimento. O preço: R$ 2 milhões.

Para muitos, a questão é simples. Como “a vida não tem preço” e a Constituição Federal garante a saúde como um direito fundamental e um dever do Estado, o governo deve gastar o que for necessário para tentar salvá-la. Negando-se a cumprir esta obrigação, cabe ao Judiciário forçá-lo, salvando assim uma vida posta em risco pelo “negligente”, “incompetente” e “corrupto” Estado brasileiro. Seria ótimo se o problema fosse tão simples assim.

De fato, a vida não tem preço no sentido de um valor monetário de mercado. Não se pode comprar ou vender uma vida. Mas o cuidado à saúde tem preço, e muito alto. Médicos, enfermeiras e auxiliares têm salários. Remédios, próteses, exames, cirurgias, hospitais, ambulâncias custam caro. Como o presente caso demonstra, quando estão em questão novas tecnologias ou tratamentos experimentais, esses custos podem aumentar exponencialmente.

O Estado brasileiro gasta pouco com o sistema de saúde em comparação com outros países, mas nem que dobrasse ou triplicasse seus gastos e acabasse da noite para o dia com a corrupção e a ineficiência, poderia fornecer a toda a população o melhor e mais moderno tratamento possível disponível. Nenhum país poderia.

Nesse contexto de custos altos e crescentes e de recursos limitados, o dever do Estado é alocar os recursos disponíveis de forma equitativa à população. Essa tarefa é sem dúvida das mais inglórias que existem, não apenas pela tragicidade das escolhas, mas também pela escassez atual de critérios claros, consensuais e objetivos para realizá-la. A judicialização da saúde nos moldes em que vem sendo praticada no Brasil não resolve nem ajuda a resolver esse complexo problema, muito pelo contrário. De acordo com estimativa conservadora, foram gastos quase R$ 1 bilhão com judicialização da saúde no ano passado. A estimativa é conservadora porque não inclui, por falta de dados, o gasto dos municípios, de 17 Estados e do Distrito Federal. O dinheiro para o cumprimento das decisões não sai do bolso do corrupto ou da redução da ineficiência, mas do orçamento disponível para o cuidado de saúde de toda a população.

Não se coloca em questão, evidentemente, o valor da vida e da saúde do bebê ou de qualquer outro cidadão brasileiro que entre na Justiça para pleitear tratamento médico. Mas esse mesmo valor, e os direitos correspondentes, aplicam-se à vida e à saúde de toda a população. Negar um tratamento não significa necessariamente ignorar o valor da vida e da saúde do demandante, mas dar-lhe o mesmo valor que à vida e à saúde de todos que também dependem do sistema.

A judicialização da saúde no modelo brasileiro está criando um SUS de duas portas: uma para aqueles que vão ao Judiciário, para quem “a vida não tem preço” e conseguem assim acesso irrestrito aos recursos estatais para satisfazer suas necessidades em saúde; outra para o resto da população, que, inevitavelmente, tem acesso limitado, e mais limitado ainda pelo redirecionamento de recursos que beneficia aqueles que entraram pela outra porta.

O argumento daqueles que defendem incondicionalmente a judicialização como simples proteção da vida deve portanto ser adaptado para exprimir seu verdadeiro sentido: “A vida não tem preço, mas a vida de alguns tem menos preço que a vida de outros”.

OCTAVIO LUIZ MOTTA FERRAZ, 42, é professor de direito na Universidade de Warwick (Reino Unido)
DANIEL WEI LIANG WANG, 30, faz pós-doutorado na London School of Economics and Political Sciences (Escola de Economia e Ciência Política de Londres), onde leciona direitos humanos

Redação

24 Comentários

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    1. Tem nada. O judiciário é uma

      Tem nada. O judiciário é uma ilha de reacionários com sentimento de compaixão próprio;: não serei eu o juiz a negar pensam. 

      Pobre, se vcs soubessem as teorias absurdas e o que acontece na justiça com a saúde iriam concordar todos inarredavelemente com a sensatez dos argumentos do texto. Pelo que rola hoje na justiça, pode-se fechar todas as farmácias no Brasil, o Estado deve dar tudo a todos, a quem pode pagar e a quem nao pode, desde uma aspirina até um tratamento de 2 milhões, afinal vida é vida. 

      E vamo que vamo os direitos fundamentais tupiniquim …..

    1. Ulderico, resolví lhe

      Ulderico, resolví lhe responder SÓ para dizer que NÃO É TÍPICO, nem ABOMINÁVEL A argumentação. mUITO PELO CONTRÁRIO. É SENSATA.

      O SUS deve ser maravilhoso, para todos…não apenas para os que correr com advogados. DEVE PAGAR TRATAMENTO SIM, O MELHOR, QUE DISPUSERMOS DENTRO DAS FRONTEIRAS DO BRASIL….O RESTO É SONHO, OU NEGÓCIO DE MÉDICOS QUE ACEITAM O RISCO CIRURGICO…CONTANTO QUE A CONTA ESTE PAGA.

      E eu já tive o DESPRAZER de ter alguém amado em tal situação. E que OPTOU pelo bom senso de NÃO SE JOGAR EM UMA AVENTURA, COM 1%  (hum por cento) DE CHANCES, EM OUTRA PARTE DO MUNDO. E NEM ACHOU JUSTO SE MORRER DE MALÁRIA, E O SUS PAGAR CORAÇÃO E PULMÃO NOVINHOS EM FOLHA… 

      È DURO, meu amigo…mas DARWIN já nos avisou ‘da seleção natural” há séculos…mas teimamos em ser ETERNOS.

      Abs.

    2. Lendo o post vejo que o
      Lendo o post vejo que o cirurgião pede dois milhões de reais para fã
      Ser a cirurgia. Já que cores enfático, pergunto: achas o valor razoável? Aceito argumentações de notório saber a dificuldades do procedimento.

  1. Eu entendi a argumentação do

    Eu entendi a argumentação do autor e é preciso que sejamos francos. Se todos forem para a Justiça isso vai significar que nem todos serão atendidos, ai a catarse irá se encarregar de tornar o Estado mal. Cada vez mais eu vejo a importância da saude preventiva, e quão bom foi e está sendo o Programa Mais médicos. Boa parte das ocorrencias vem  de modos de vida que são verdadeiras bombas relógio prontinhas para serem explodidas e cair ou nas garras do SUS (maioria) ou nas garras dos e$peciali$ta$ (para poucos). O brasileiro, o latina, nós de uma maneira geral somos emotivos e chiquilentos, extremamos tudo para criar catarse. Em muitas coisas isso nos torna o que somos em termos alegria etc, mas tem um outro lado. Esse lado é aquele que gosta de usar de discurso emotivo para justificar tudo, é o lado que acredita em Joaquim Barbosa como herói, em moer ladrão de biscoito ate a morte.

    1. PERFEITO!
      TENTEI LHE DAR

      PERFEITO!

      TENTEI LHE DAR ESTRELINHAS, pela sua lucidez. Não entraram.

      Concordo inteiramente com você.

      Abs.

  2. “O Estado brasileiro gasta

    “O Estado brasileiro gasta pouco com a saúde pública em relação ao outros países”. Ou má fé  ou desconhecimento.

    O SUS é modelar.O governo americano   há anos   mantém   um birô de  consultas para  adapatar o sistema brasileiro ao  deles. Mais teria  recursos  se a FIESP e  o  lobi dos  sonegadores não tivessem abatido  a CPMF,subtraindo   50 bilhões anuais,desde então. Por outro lado, existe um mecanismo  empregando  o judiciário,que aciona  a máquina de liminares para obtençaõ em carater emergencial de medicamento  raros,caros e procedimentos cirugicos de alta complexidade de  enfermidades  singulares. No caso dos medicamentos, foi detectado que  um grande  número de drogas  foi abandonado e  sem  possibilidade  de  substituição,troca ou alternativa de paciente,por serem  praticamente exclusivas. Constatou-se conluio entre,médicos,laboratórios e ” pacientes -laranjas”. Caso de perda  total.

    Certas  intervenções  e procedimentos extremos, são  experimentais ,o qual  o paciente  celebra  compromisso de  responsabilidade em todos o níveis,isentando  os operadores   de saúde   de  qualquer eventual fracasso na tentativa e tambem  dos seus  efeitos colaterias posteriores sem garantia de  cura ou recuperação..

    A alternativa que se apresenta  é mais cruel,diante do desengano,o emprego do  paliativismo até o desfecho ou mesmo a  eutanásia com todo seu ritual delicado.

     

     

  3. O problema é que nao dá para raciocinar isso com uma mae

    Entendo perfeitamente os argumentos do artigo, acho-os justos, mas nao tenho filhos. Se tivesse, acho que faria todo o possível para que eles fossem atendidos, e me é difícil condenar uma mae (ou pai, etc) que faça isso. 

    Quem tem que assumir uma posiçao a esse respeito é a justiça: uma posiçao única, para que cada juiz nao decida diferentemente. 

    1. AnaLu
      Tive na família um caso

      AnaLu

      Tive na família um caso de criança, que a mãe teve rubéola. Acho que não preciso detalhar…não é mesmo. Pelos cuidados (|todos particulares) e pela dedicação exclusiva da mãe…viveu QUASE 40 (quarenta) ANOS, com idade mental, e desenvolvimento físico de 6 meses.  Todos lhe amavam muito, mas o PAVOR da minha tia era MORRER ANTES DELA. Era frágil, e uma pneumonia de inverno, a levou. TODOS REZARAM E DERAM GRAÇAS…PORQUE NINGUÉM, POR MAIS QUE A AMASSE, FARIA POR ELA O QUE A MÃE FEZ. O destino, para minha tia foi DEUS, que quiz assim.  Tudo tem limite, até o VIVER COM DIGNIDADE e não por egoísmo alheio. É o descanse em paz! 

        1. AnaLu, querida
          ENQUADRA-SE

          AnaLu, querida

          ENQUADRA-SE SIM…no primeiro parágrafo do SEU comentário. “Uma mãe faria tudo para um filho ser atendido”.

          Um pai, e uma mãe, teem pânico de morrer e deixar seus filhos em tenra idade, sem auto-suficiência.  E a LUTA sem limites racionais pode levá-los a VIVER sob a “guarda do estado”, pela absoluta falta de quem os cuide. Daqui a pouco veremos o SUS, e a justiça(!), financiando TRATAMENTOS artificiais para crianças que SOBREVIVERÃO AOS PAIS, em condições precaríssimas de saúde, e sobrevivência. 

          Ou então…se realizarão as LEIS DA NATUREZA, por perderem os pais…que ENTRARIAM NA JUSTIÇA.

          Deixo, BEM CLARO, que a MINHA idéia de um SUS para todos é que O MELHOR DA MEDICINA, EM TERRITÓRIO NACIONAL, seja oferecido A TODOS.

          Para o exterior…sou altamente favorável às campanhas particulares. Sem participação obrigatória do tesouro nacional. 

          Se a RAINHA DA INGLATERRA, precisar de um remedinho especial para seu netinho, o principe, receitado como “PÓ DE MARTE, COM SUFATO DE JÚPTER”, ESSE NENÉM MORRERÁ.  

          É a velha máxima: “O que não tem remédio, remediado está”.   

          Peço desculpas se não me fiz entender…anteriormente. Mas, continuo falando sobre “judicialização do sus”.

          Abs.

          1. Racionalmente, concordo. Mas a gente nem sp é regida p/ Razao…

            Acho dificil uma mae ser convencida por isso, por mais justos que sejam esses argumentos. 

  4. A vida não tem preço? Com

    A vida não tem preço? Com certeza para o bebê e seu pais não. No lugar deles, qualquer um com acesso a bons advogados faria o mesmo. Mas a vida tem preço sim, e os pragmáticos Ingleses, de onde veio a inspiração para o sus, precificaram: 30 mil libras por ano de sobrevida. Sim. Até este valor o Estado paga o procedimento. Além dele não. Acredito que seja assim em qualquer lugar do mundo, seja seguro de saude universal ou privado. É da lógica de qualquer seguro, pois só assim ele pode ser viável.

    Então, infelizmente, e com ajuda enorme de nosso judiciário, no sus também temos brasileiros mais iguais que os outros. Engraçado que estes que tem acesso ao judiciário em geral são aqueles mesmos que vibraram com a queda da CPMF, são aqueles que acham que é dever cívico sonegar o máximo possível, e que o sus é uma merda por que o governo é corrupto. Mas quando a coisa aperta, a quem recorrem? ao sus. Ao Estado que eles tanto desprezam. Sorte desta família ser brasileira. Fosse estadunidense ou pagavam do próprio bolso ou o bebê morreria à míngua. 

     

  5. A vida humana não tem preço,


    A vida humana não tem preço, mas a justiça brasileira tem. Faltam defensores públicos, então a judicialização da saúde só vale mesmo para quem pode contratar um advogado. E ainda há a terceira porta do SUS, o clientelismo político. Vários municípios aprovaram lei obrigando a publicação da lista de espera do SUS por consultas, exames e cirurgias porque o fura-fila de vereadores, deputados estaduais e cupinchas ainda é uma dura realidade por aqui. Com raras exceções, as filas só andam rápido para quem tem conhecidos influentes.

  6.  O PIOR e QUE OS JUIZES SO

     O PIOR e QUE OS JUIZES SO ESTUDARAM  DIREITO E NORMALMENTE DECIDEM SEM NADA SABER SOBRE
    A MATERIA DE SUA DECISAO

  7. Pagando essa quantia (o

    Pagando essa quantia (o Estado brasileiro) essa criança pode entrar nos EUA. Não tivesse um padrinho tão forte (Estado) ela jamais entraria lá. Pessoas não americanas com qualquer síndrome lá são banidas. Pagamento indevido. Ninguém quer assumir a verdade de que U$ 2 milhões para um é a morte de centenas. Mas, como esses são os desconhecidos fica tudo certo e a cantilena de que “uma vida não tem preço” é sempre confortadora.

  8. Não sei, mas acho que essas


    Não sei, mas acho que essas pessoas teriam que fazer, como outras, campanha, através da mídia, para arrecadar a importância necessária (eu faria isso). Por que será que os próprios médicos, que ganham bem, não participam desse tipo de campanha? Por isso, digo e repito, o brasileiro atual(pra não usar o adjetivo nesse momento), quando vê na mídia uma campanha, se atira de cabeça para participar. A prova está no Bolsa Família. Ajudam financeiramente os famintos fora do Brasil, através de ogns internacionais que vinculam suas campanhas na mídia. Já, se a mídia não for favorável a dar alimento para o povo brasileiro e rotula o nosso faminto como vagabundo, então eles, imediatamente, gritam de horror de gastar 1,00 ao dia para ajudar a eliminar a fome no própio país. O faminto do exterior tem maior apoio dos senhores, únicamente porque a mídia assim quer. Tem ongs internacionais magníficas (médicos sem fronteiras, por exemplo), mas, para combater a fome expecificaamnte, temos esse programa, Bolsa Família, que está sendo adotado nos países onde o alimento é escasso ou inexistente. Imaginem vocês sem ter o que dar de comer a seus filhos? Digo isso, porque também sou contra essa judicialização do SUS, pois, dessa, forma, estaremos condenando e não ajudando vários outros seres sem mídia. Esse poder da mídia sobre o brasileiro é assustador. Lembro uma vez em que fui ao cemitério colocar flores na lápide de meu amado pai, e me espantei com a multidão presente num velório. Perguntei e disseram que era de uma menina que havia sido morta pelo pai dela. Mas, 99% dos presentes, nunca ouviram falar antes disso, não conheciam a menina e estavam lá por causa do “espetáculo”, do frenesi que a mídia deu ao acontecimento. Tive vontade de perguntar se, a menina viva estivesse, teriam feito o quê por ela? Nada, provavelmente, pois a menina era pobre e só ficou “famosa” porque a mídia necessitava de audiência. Penso que o ideal seria que a gente pudesse fazer campanha midiática para todas as meninas, que elas pudesem conseguir, através da mídia, o financiamento para tratarem-se fora do país e não, apenas, utilizar o SUS para pagamentos totais que ele não cobre. Se morássemos nos estados unidos e não tivéssemos dinheiro para pagar o tratamento privado, não seríamos tratadose, se sim, o pagamento seria quase impossível. Obama, está, a duras penas, tentando implantar no país um porgrama de saúde baseado no SUS brasileiro, mas lá, como cá, haverá procedimentos que não serão cobertos pelo programa de saúde pública do USA. Ajudar, financeiramente, através de campanhas, esses procedimentos imprescindíveis para salvar a vida de pessoas, é nosso dever como cidadão, como ser humano, mas não utilizando o dinheiro que deveria ser disponibilizado por todos, de forma igualitária. Por que não temos a participação dos artistas, dos juízes, dos jornalistas, dos empresários nessas campanhas para que não tenhamos que judicializar a saúde? É  a efetiva participação desses senhores que esperamos, mas, parece, que esses cidadãos só se importam com isso para poderem ter abatimentos no próprio imposto de renda. Se não exigirmos a particpação desses senhores que querem menos saúde pública, menos escolas públicas, menos estado, estaremos sempre padecendo de ver os que querem privatizar tudo, sucatear todos os serviços públicos, exigindo maior “qualidade” desses serviços públicos. Pergunto: como, se são contra até o Mais Médicos?

  9. Direito social a ser apreciado mediante ações civis publicas

    A solução é transformar estas ações individuais em ações civis públicas.

    A Constituição Federal consagra o direito à vida e à saúde (artigos 5º e 6º), bem como dispõe em seu artigo 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

    No caso, os direitos fundamentais, dentre os quais indubitavelmente se encontra o direito a assistência à saúde, somente poderiam ser considerados em sua íntima e indissociável integração com o Estado de Direito, constitucionalmente positivado.

    Desta forma, alguns postulados que defendem a aplicação, em casos pontuais/individuais, do chamado direito social de assistência à saúde, encerram profunda contradição, uma vez que, o direito social à saúde é direito coletivo, portanto, inalienável e pertencente à toda coletividade, não podendo ser restringido para o atendimento de demandantes singulares.

    Trata-se de simples hermenêutica constitucional, extraída de seu princípio interpretativo básico, ou seja, não há palavras inúteis na norma, ou seja, a locução não pode ser compartimentalizada, no caso, direito de todos É DIREITO DE PROPORÇÃO SOCIAL, não podendo ser reduzido a direito de cada um, podendo apenas ser apreendido em sua visão coletiva ou seja, na acepção própria direito de todos.

    Nesse caso, se retirarmos a norma/princípio de sua conceituação isonômica e igualitária, direito de todos, e a atribuirmos a direito de cada um, simplesmente destruímos seu conceito, transformamos em letra morta a disposição constitucional.

    A deturpação de tal conceito tem efeitos assustadores, ela subverte a idéia de Estado, pois retira um direito social e, portanto, coletivo, e o fragmenta em células individuais

    Note-se bem, quando se fala em direito à vida e a saúde – abstraído o senso comum -, temos que não se está a falar em justiça ou injustiça dos julgados, conceito abstrato e subjetivo, mas sim da impossibilidade de manutenção de decisões (incidindo em casos concretos) que geram direitos e obrigações incompatíveis com o princípio da isonomia e da igualdade, intrínsecos ao Estado brasileiro, uma vez que tais decisões, da forma como estão sendo concretizadas, em face de seu carater individual e muitas vezes de seu alto custo monetário, talvez não sejam passíveis de extensão a todos os indivíduos que se encontram albergados pelos ditames constitucionais.

    E tal é assim, pois hoje, muitas vezes, o direito de acesso a determinados medicamentos ou a determinado tratamentos, não contemplados pelo SUS, somente é possível de ser obtido judicialmente, caso a caso, fato este que, em se tratando de direito constitucional  coletivo, não poderia ser restrito a casos individuais, sob pena de violarmos a norma que rege a matéria.

    Ressalto que aqui não se está a falar em tratamentos e medicamentos fornecidos pelo SUS, que, por divergência médica ou administrativa, não são fornecidos. Nestes casos, o ajuizamento das ações de forma individual prende-se ao exercício básico de postulação de direito reconhecido pelo Estado.

    A controvérsia reside nos medicamentos e tratamentos não reconhecidos e oferecidos pelo SUS.

    Tenho que a pacificação de tais controvérsias somente tende a ocorrer mediante a participação direta do Ministério Público e das Defensorias Públicas, através de ações civis públicas,

    Tais demandas, na realidade, tem a ver com direitos individuais homogêneos e, dentro deste espectro é que deveriam ser consideradas, passíveis de Ações Civis Públicas, oponíveis ao Estado e tendentes ao reconhecimento de tais direitos para todos que potencialmente possam vir a necessitar de tais recursos, sem prejuízo da análise liminar, ainda que concessiva, em razão da urgência posta, mesmo que, a posteriori, se revele indevida (ex vi, casos de medicamentos ou tratamentos experimentais que não tem eficiência comprovada).

    Tal procedimento, segundo entendo, conduz a uma interpretação conforme a Constituição, que, no caso, tem a função de preservar a estrutura principiológica e conceitual do Estado no que tange ao direito social à saúde.

    Nestas situações excepcionais, em que apesar da demanda ter caráter individual, e ter por fundamento o direito a vida, art. 5º da CF/88, ela há de ser inicialmente acolhida pelo judiciário nestes termos, mas a instrução e a solução final da lide, somente poderão ser expressas nos termos do disposto no art. 196 e segtes, da CF/88.

    Em outros termos, tais demandas, necessariamente devem ser transformadas em ações civis públicas, de modo que eventual sentença ao final concessiva deverá estender tal direito a todo cidadão brasileiro, que se encontre em situação análoga.

    Este entendimento, que encontra na compatibilização dos princípios e normas constitucionais, talvez se revele a melhor solução para a questão.

    Tal interpretação, por sua extensão social (com um custo maior previamente definido para o Estado, que de antemão deverá alocar recursos para tanto) e, por paradoxal que seja, por seu caráter reducionista em demandas individuais, encontra -se ainda incipiente entre os doutrinadores, os quais, em sua grande maioria, quase sempre deixam margem para a manutenção de decisões que, ainda que protegidas por elevados propósitos, tem sua efetividade limitada, em um mundo em que o direito à saúde, tem sua valoração em termos monetários.

    Há que se ter um meio termo, ou reavaliarmos a questão da saúde no modelo capitalista vigente ou os limites deste modelo. 

  10. Se a saude é nosso maior bem,

    Se a saude é nosso maior bem, penso que quando somos atingidos por alguma enfermidade, devemos ter em mente que vamos comprometer o patrimonio para o tratamento. Isso se tivermos patrimonio. Hoje vejo todo mundo se escorando no SUS, famílias com recursos judicializam sim os tratamentos, principalmente para que o estado adquira medicamentos caros, muito caros para tratamentos sequer ainda reconhecidos. A outra questão ligada a esse problema é o alto custo de medicamentos. Um laboratorio cobrar por um remédio 20 mil reais e mais, isso é ganância!!!

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