Política de saúde, ajuste fiscal e o programa democrático-popular, por Carlos Ocké Reis

 

Carlos Ocké Reis* | Publicado no site Brasil Debate

Apesar dos erros de seu primeiro governo e dos atropelos da sua campanha eleitoral, pesa sobre Dilma a condensação de crises que se arrastam na sociedade brasileira e que não foram resolvidas nem encaminhadas durante os governos petistas.

Os desafios serão gigantescos para sedimentar o caminho das reformas estruturais, mas é imperioso acumular força para reverter os baixos índices de popularidade e para melhorar as expectativas da economia brasileira.

A temperatura dos protestos vai determinar a possibilidade de reconstrução da base aliada no Congresso e nos Ministérios, mas a mobilização popular organizada pela CUT, MST e UNE deu o tom da resistência na atual conjuntura, superando a ênfase institucional, conciliatória e despolitizada do ‘reformismo fraco’ do lulismo.

Para enfrentar a estagnação econômica e a corrupção, o bloco progressista tem o desafio de construir um programa mínimo para sustentar o governo contra a direita e para pressioná-lo à esquerda no parlamento, nas ruas e na internet.

Ajuste fiscal

A aplicação do ajuste fiscal e do aperto monetário reduzirá a inflação e diminuirá a taxa de juros no médio prazo, mas deveria igualmente atacar e alongar o estoque da dívida pública. O próprio FHC, em entrevista concedida à revista Primeira Leitura, em julho 2004, defendia que o Brasil precisava lidar com a dívida interna de outra maneira.

Como ensinou Kalecki, sozinhos, dificilmente os capitalistas garantirão o pleno emprego. Hoje, a retomada do crescimento depende da ampliação do investimento privado, sendo secundária a participação do padrão de financiamento estatal, dos bancos públicos e dos fundos de pensão institucionais.

Essa fragilidade é compensada pela calibragem do câmbio, que reposiciona o setor exportador nas cadeias globais do mercado externo, aliviando o déficit na balança de pagamentos.

Sem perder de vista os compromissos imediatos da dívida externa, Dilma precisa mediar o tamanho desse remédio social-liberal, pois a superação do tripé macroeconômico terá desdobramentos significativos para criação de um novo ciclo de desenvolvimento assentado na Petrobrás e no pré-sal, na indústria de transformação, no dinamismo do mercado interno e externo, na agricultura familiar, na universalização das políticas sociais e na sustentabilidade ambiental.

Políticas sociais

Uma opção seria atualizar e adaptar o modelo sueco de pleno emprego, considerado um paradigma para os críticos da experiência soviética (estalinista) e estadunidense (liberal); outra opção seria olhar para a própria experiência da esquerda latino-americana reformista e revolucionária em linha com a associação estratégica entre Mercosul, a União Euroasiática e o próprio BRICS, mecanismos decisivos na defesa da soberania nacional e do próprio governo Dilma.

Em especial, para sedimentar o caminho da universalização das políticas sociais, o ajuste precisa preservar os avanços sociais dos últimos 12 anos, levando em conta a redução do estoque da dívida interna e o alongamento dos encargos financeiros (sua auditoria não pode ser descartada pelo governo).

Essa universalização tem um potencial transformador civilizatório nos países da periferia capitalista, permitindo a construção de uma ética pública e solidária na sociedade; desprivatizando o Estado e democratizando o acesso ao fundo público; atacando a pobreza, a desigualdade, os baixos níveis educacionais e culturais e a violência social nas metrópoles; produzindo renda, produto, emprego e inovação tecnológica; aumentando a produtividade da força de trabalho e reduzindo o índice de inflação do setor de serviços.

Vida longa ao SUS

A Constituição Federal de 1988 definiu a saúde como ‘dever do Estado’ e ‘direito do cidadão’. Pela letra da lei, todo cidadão pode utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS), entretanto, como a saúde é também livre à iniciativa privada, os planos de saúde contaram com pesados incentivos governamentais, cujos subsídios favorecem a passos largos o consumo de bens e serviços privados.

O sistema de saúde brasileiro se transformou, assim, em um mix paralelo e duplicado, no qual o setor privado estabelece uma relação parasitária com o SUS e com o padrão de financiamento público.

Pior: sem força para sustentar um projeto que resista ao alargamento da hegemonia neoliberal, uma visão fiscalista, que promove o mercado de planos de saúde como solução pragmática para desonerar as contas públicas, é sustentada equivocadamente dentro do Estado. Não é de hoje que está em curso um processo de americanização do sistema de saúde brasileiro.

O gasto público é baixo e boa parte dos problemas de gestão decorre exatamente dessa restrição orçamentária, de modo que a renúncia de arrecadação fiscal merece atenção das autoridades governamentais, caso se queira, a um só tempo, consolidar o SUS e reduzir o gasto das famílias e dos empregadores com bens e serviços privados de saúde.

Essa renúncia retira recursos potenciais do SUS – que acaba incentivando o mercado – reproduzindo um tipo de injustiça distributiva que favorece estratos superiores de renda e certas atividades lucrativas do setor, cada vez mais concentradas, concentradas e internacionalizadas.

Em breve, podemos assistir a uma situação dramática e contraditória: em termos relativos, de um lado, a redução dos gastos diretos que financiam o SUS, e de outro, a elevação dos gastos indiretos que favorecem o mercado.

Internacionalização da saúde

Diante da estagnação econômica e do próprio ajuste fiscal, uma medida efetiva para fortalecer o SUS e reorientar seu modelo de atenção seria eliminar, reduzir ou focalizar os subsídios – o gasto tributário associado aos planos de saúde alcançou aproximadamente R$ 9 bilhões em 2012 – aplicando tais recursos na atenção primária (Programa Saúde da Família – PSF, promoção e prevenção à saúde etc.) e na média complexidade (unidades de pronto atendimento, prática clínica com profissionais especializados e recursos tecnológicos de apoios diagnóstico e terapêutico etc.).

No entanto, no contexto da globalização, se a capacidade de pressão do bloco progressista for insuficiente para alterar a correlação de força na sociedade e no governo, o cenário mais plausível será de expansão do mercado de serviços de saúde e dos subsídios, acompanhando o Obama Care e a proposta da cobertura universal em saúde fomentada pelos organismos internacionais.

Tendo em mente o desmonte do National Health System inglês, são preocupantes as mudanças recentes prejudiciais ao financiamento do SUS e a criação de bases institucionais para internacionalização do mercado, que tendem a consolidar o subfinanciamento público e a ampliar as desigualdades do sistema de saúde e da própria sociedade brasileira.

* – Carlos Ocké Reis é economista e membro da diretoria do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)

 

Redação

1 Comentário

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  1. O SUS custa muito caro para a

    O SUS custa muito caro para a nação.

    Na verdade todo serviço administrado pelo estado custa muito caro para o país.

    Uma professora do municipio “ativista” da esocla publica, e vai indo a conversa quando perguntei já sabendo a resposta, sua filha estuda em qual colégio?

    No Lasalle (colégio particular).

     

     

     

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