Por que o “Ato Médico” pode fazer mal à saúde?

por Adriana Simões Marino

Do Observatório de Saúde Mental, Drogas e Direitos Humanos

Sobre o instante da votação

O projeto de lei n. 268 de 2002, da autoria do ex-senador Geraldo Althoff (PFL-SC), substituído pelo texto apresentado por Tião Viana (PT-AC), que dispõe sobre o exercício da medicina e é conhecido como “Ato Médico”, foi votado na noite do dia 18 de junho deste ano (2013), terça-feira, data marcada pelo sexto ato do Movimento Passe Livre (MPL), que paralisou a cidade de São Paulo pelo segundo dia consecutivo, dando sequência a uma série de mobilizações e movimentos em outros estados e municípios em razão da pauta sobre a redução da tarifa do transporte público.

No mesmo dia, à tarde, foi realizada uma votação entendida como “simbólica” do projeto endossado pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da famigerada Comissão de Direitos Humanos, sobre o “tratamento” com a possibilidade da “cura” da homossexualidade por psicólogos (Fonte: Folha de São Paulo, 18/06/13). Este projeto, também conhecido como “Cura Gay”, vai à contramão do Código de Ética Profissional da Psicologia e representa retrocessos oriundos do fundamentalismo religioso no campo dos Direitos Humanos (CFP, 2005).

            Enquanto o país vivia momentos de “levante” contra abusos de poder, Feliciano buscou chamar atenção para o seu absurdo particular, ao mesmo tempo em que finalmente avançava o projeto de lei para a regulamentação da medicina. A questão que ressaltamos neste texto é que, se não houvesse mal algum no projeto de lei do Ato Médico, por que teria demorado tanto tempo para alcançar a sua almejada regulamentação? Questionando de outra forma: que mal tem regulamentar a profissão médica? A resposta é bastante simples, mal nenhum. A regulamentação é, portanto, legítima. É preciso cuidado para o bom exercício da profissão médica, pois não basta uma boa formação, condições dignas para o exercício profissional em termos de recursos materiais e reconhecimento profissional, é preciso buscar garantias legais e legítimas que fomentem a sua confiabilidade e eficácia. Entretanto, retomemos o problema. Por que o projeto do Ato Médico encontra resistências desde 2002? Para abordarmos o assunto, utilizaremos como recurso a letra desse projeto de lei, por meio de alguns de seus artigos que consideramos, sob o ponto de vista da área da Psicologia[1], merecedores de maior atenção.

Tempo para analisarmos a lei

            Como é de praxe com relação a outras leis, essas se situam em um liame de interpretações possíveis que não necessariamente condizem com a sua pretensão original. Em outros termos, para além das boas intenções em termos da regulamentação profissional da medicina, é preciso chamar atenção para alguns aspectos que podem colocar a perder algumas conquistas da área da saúde, especialmente no que tange ao Sistema Único de Saúde (SUS)[2], a reconhecida eficácia da multidisciplinaridade, além da autonomia de outras profissões também da área da saúde.

            A primeira observação a ser considerada se refere ao primeiro inciso do artigo 4º que versa sobre as atividades privativas do profissional médico. Neste inciso, ressalta-se que é da atividade privativa do médico a “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica”. O problema aqui é que se torna atividade exclusiva do médico a formulação desse tipo de diagnóstico que, no entanto, é praticada e estudada por outros profissionais da saúde. Uma redação mais coerente seria, como trouxe a Frente Mineira de Defesa da Saúde (2012), que seja privativo do médico um “diagnóstico nosológico médico” o que, não obstante, redunda por ser inerente ao exercício da medicina e de outras áreas da saúde.

            Soma-se a isso o inciso XI da mesma lei que enfatiza, como atividade privativa também do médico, a “determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico”, cuja interpretação equivocada e incoerente com a proposta do SUS, poderia determinar o poder exclusivo do médico, a partir de sua exclusiva diagnóstica, a determinação de respectivas prescrições terapêuticas e prognósticas. Isto é, não haveria o cuidado para com o trabalho da equipe multidisciplinar no campo da atenção à saúde que, em conjunto, recebe a incumbência de refletir sobre o prognóstico de um paciente, além de ensejar interpretação que condiciona ao médico a exclusiva recomendação de indicações “terapêuticas”. Deve ficar claro que é da competência da medicina (além da odontologia e da medicina veterinária), a prescrição medicamentosa, o que, de qualquer forma, não exclui a discussão em equipe multidisciplinar acerca da(s) medicação(ões) indicada(s), como é frequente no campo da Saúde Mental, tendo em vista a prioridade do sujeito em situação de sofrimento psíquico. Cabe ressaltar ainda, que os artigos 2º e 7º[3] que trazem garantias à autonomia dos demais profissionais da saúde não exime, para todos esses profissionais, a preponderância ética do sujeito que vive uma dada situação de padecimento biológico, psíquico e social, imbuídos, portanto, de semelhante reflexão prognóstica e terapêutica.

            O inciso XII diz que caberá ao médico a “indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde”, o que coloca em questão, no âmbito de todos os serviços de saúde nacional, privados e públicos, a internação voluntária e compulsória em equipamentos de saúde mental, como vige a Lei da Reforma Psiquiátrica (2001), podendo ensejar interpretação que despossui o sujeito de sua potência decisória, além de discordar igualmente da referida importância da equipe multiprofissional no que tange às decisões sobre internações e altas médicas.

            O próximo artigo que merece atenção é o 5º que, de forma redundante em seu primeiro inciso, refere-se também à atividade considerada privativa de médico: “direção e chefia de serviços médicos” o que, ao mesmo tempo, pode contradizer seu parágrafo único: “A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico”. Então, na leitura do referido inciso e parágrafo, pode-se inferir que um médico, apesar de não ser o único competente (juridicamente) para dirigir um serviço de saúde, deteria, no entanto, as direções desses serviços[4], representando uma espécie de centralização de um saber-poder no interior dos serviços médicos entendidos como serviços de saúde. Nesse sentido, como salienta o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (em carta a ser endereçada à Presidência da República, 2013): “A vastidão de conhecimentos acumulados sobre a saúde humana torna absurda a pretensão de que todo seu saber e todo seu exercício fiquem sob a condução de uma única classe profissional” (p. 2).

            Por fim, ressaltamos o inciso que versa sobre a psicopatologia, inserido no rol do primeiro parágrafo do quarto artigo do projeto dessa mesma lei. O Ato Médico desconsidera a história dessa disciplina que se tornou autônoma desde meados do século XX e que, para além da medicina, serve de fundamento a outras ciências prático-teóricas, como a Psicologia. Soma-se a isso, no âmbito dos possíveis retrocessos dessa lei, a centralidade da concepção de doença nos moldes dos manuais de doenças (CID-10 e DSM-IV-r) que, à custa da oferta crescente de novos medicamentos das indústrias farmacêuticas, têm fomentado a difusão de novos diagnósticos, muitas vezes criticados ou criticáveis, em detrimento do caráter também clínico da medicina (o que, no entanto, não é mencionado como uma atividade também inerente à medicina).

Para concluir: quem tem medo do lobo mau?

            Após 27 audiências, o projeto encontra-se para ser sancionado ou vetado pela Presidenta da República (Fonte: Agência Senado de 13/06/2013). O que pretendemos ressaltar com este texto é que o projeto merece melhor esclarecimento, isto é, clareza, de modo a garantir não somente o exercício legal da profissão médica como também a isonomia entre os trabalhadores da área da saúde. Por que vetar o projeto? Ou, questionando de outra forma: Quem tem medo do lobo mau? Trata-se de ressaltar, não somente a votação na calada da noite do “levante” nacional contra abusos de poder, mas do possível interesse corporativista, isto é, do sumo interesse particular de uma categoria profissional que pode vir a desconsiderar a atenção global à saúde (genericamente entendida como biopsicossocial) da população.

            Conforme pudemos expor por meio da breve análise acerca dos possíveis problemas interpretativos desse projeto de lei (que não se restringem às críticas apresentadas neste texto, pois também é questionada por profissionais da fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem etc.), é possível que se condicione “o acesso aos serviços de saúde à autorização do médico”, estabelecendo “uma hierarquia entre a medicina e as demais profissões da área de saúde. Em outras palavras, diversas áreas autônomas do campo da saúde, regulamentadas por seus Conselhos e com formação específica”, podem vir a ser consideradas subordinadas ao exercício exclusivo do médico. Além disso, por meio de certa leitura ou interpretação, um médico poderia ser o único responsável pelos encaminhamentos de pacientes aos demais serviços de saúde, impedindo “que outros saberes contribuam na elaboração do diagnóstico, com seu olhar específico” (Fonte: Jornal GGN, Observatório de Saúde Mental, Drogas e Direitos Humanos, 2013).

            Como pudemos acompanhar, o projeto também pode restringir aos médicos cargos de chefia, “mesmo em serviços não exclusivamente médicos como CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), Nasf (Núcleo de Atendimento à Saúde da Família), e PSF (Programa da Saúde da Família)” entre outros (Ibid.). Assim, temos um problema ético central em torno dessa questão que remete aos possíveis interesses de uma única classe de trabalhadores. Em outros termos, “Imaginar que o saber médico abrange e se sobrepõe a todo o campo da saúde é um enorme equívoco.  Precisamos defender a autonomia dos diversos campos e fomentar o diálogo e a abordagem multidisciplinar, único modo de verdadeiramente atendermos à população com qualidade e respeito.” (Ibid.).

            Ressalta-se ainda que, de certa forma, o Ato Médico já está vigor, na medida em que muitos planos de saúde exigem a determinação de uma doença, dentro do modelo nosológico e/ou sindrômico, para autorizar sessões de psicoterapia, desconsiderando, portanto, a autonomia, a capacidade diagnóstica, terapêutica e de noções de cura inseridas em outros campos da saúde, como o da Psicologia, para além da redução ao orgânico ou mesmo psíquico e do consequente determinismo do ser humano. Serve como sustentação à problemática o recente o fechamento e posterior reabertura do CRIA (Centro de Referência da Infância e da Adolescência) que causou alvoroço justamente por preconizar ao tratamento do autismo uma vertente única (que seria embasada por um médico psiquiatra), de tratamento pelo modelo cognitivo-comportamental (Instituto Sedes Sapientiae, 2013), além do complexo embate em torno de corporativismos médicos que determinam diretrizes de atendimento à saúde pelo poder administrativo das Organizações Sociais da Saúde de São Paulo, contrários às diretrizes de municipalização da saúde pelo SUS.

            Solon (2013), ao apontar que não estaria escrito na lei que seria preciso uma “indicação médica para ir ao nutricionista, fisioterapeuta, psicólogos e outros profissionais de saúde”, enfatiza que “não é problema nosso nem do Ato Médico” o fato de muitos planos de saúde ou do SUS não repassarem “o pagamento sem as guias carimbadas por médicos”. Enfatiza que isso se deve a protocolos de planos de saúde e do SUS, cabendo aos insatisfeitos “procurarem suas operadoras ou a secretaria de saúde da sua cidade”. O que acontece é que isso não se restringe às seguradoras ou secretarias, além de não ser previsto estritamente pelo SUS qualquer determinação que confira às especialidades da medicina um caráter privilegiado. Portanto, os embates dos profissionais insatisfeitos revelam um questionamento sobre o caráter ideológico imbuído neste tema, cuja tradição remonta ao saber médico tomado como verdade absoluta e que passa a ser transmitido no interior da cultura.

            Para encerrarmos o texto, sem pretendermos encerrar o debate (haja visto serem 11 anos de tramitação desse projeto de lei), tomamos a licença de apontar na escrita desse referido artigo (Solon, 2013) que tem sido veiculado pela internet, apenas para sinalizar o que entendemos estar nas entrelinhas desse projeto: “Pessoal, nós não queremos nada disso. Além de não termos formação adequada para desempenhar tais funções, não preci$amos invadir a profissão de ninguém” (Solon, 2013) (grifo nosso). O superior interesse deve ser o de pautar um projeto de lei que efetivamente regulamente a profissão médica, pois também podemos dizer, por meio do recurso de uma razão cínica, algo como: “Também não temos culpa de haver charlatões passando-se por médicos. Acionem seus conselhos, a justiça, suas secretarias, os planos de saúde, as indústrias de medicamentos, a OMS”. Seria muito simples se o tema da saúde fosse assim.

 

Referências:

Agência Senado. Ato médico vai à sanção presidencial. Disponível em: http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/06/18/ato-medico-vai-a-sancao-presidencial. Acesso em 24 de junho de 2013.

Ministério da Saúde. Entendendo o SUS. Governo Federal. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/cartilha_entendendo_o_sus_2007.pdf. Acesso em 24 de julho de 2013.

Conselho Federal de Psicologia (CFP). Código de Ética Profissional do Psicólogo. Resolução CFP n. 002/87 de 15 de agosto de 1987.

Foreque, Flávia & Falcão, Márcio. Proposta sobre “cura gay” é aprovada em comissão presidida por Feliciano. Folha de São Paulo. Brasília, de 18 de junho de 2013.

Frente Mineira de Defesa da Saúde. Uma ação não só de Conselhos e Sindicatos, mas de todos os profissionais da saúde. Diagnóstico nosológico – proposta de redação para consenso, 2012. Disponível em: http://www.crp04.org.br/CRP2/Image/DIAGNOSTICO_NOSOLOGICO_PROPOSTA_REDACAO_CONSENSO.pdf. Acesso em 25 de junho de 2013.

Instituto Sedes Sapientiae. Repúdio ao fechamento do CRIA/ Carta aberta à comunidade. Disponível em: http://sedes.org.br/site/node/346. Acesso em 25 de junho de 2013.

Jornal GGN. Observatório de Saúde Mental, Drogas e Direitos Humanos. Pelo Veto ao Ato Médico, 2013. Disponível em: http://www.jornalggn.com.br/grupo/observatorio-de-saude-mental-drogas-e-direitos-humanos. Acesso em 25 de junho de 2013.

Lei n.10.216 (de 6 de abril de 2001). Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasil, 2001.

Maia, Solon. Morreu sabendo: o ato médico. Disponível em: http://lolhehehe.com/133021/morreu-sabendo-o-ato-medico.html. Acesso em 24 de junho de 2013.

Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública. Carta a Excelentíssima Senhora Presidenta da República de 21 de junho de 2013. (no prelo)

Projeto de Lei n. 268 de 2002. Dispõe sobre o exercício da medicina. Projeto de Lei do Senado Federal. Brasília. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=68979&tp=1. Acesso em 24 de julho de 2013.

 

 


[1] Limite dado em razão da formação da autora.

[2] O SUS está inserido na Constituição Federal de 1988. Sobre o tema, sugere-se a cartilha “Entendendo o SUS” do Ministério da Saúde e o portal do Ministério da Saúde que traz as leis que fundamentam esse Sistema.

[3] Artigo 2º: “Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva” e artigo 7º “O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia” (PL n. 268/2002).

[4] Para que fique claro, serviços de saúde implicam profissionais da saúde, assim como o médico; e serviços médicos implicam outros profissionais da saúde. Qual é a diferença? Se se tratar de direção de equipes específicas, como de cardiologia, nutrição, psicologia, faz sentido. No entanto, a redação do texto não é clara para a pretensão de regulamentar a profissão.

 

Redação

7 Comentários

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  1. Ato Médico

    O artigo não aborda o abismo que existe entre essa aberração chamada “ato médico” e a realidade das gestantes e parturientes no país.

     

    A mercantilização, mecanização e pasteurização da medicina no Brasil, particularmente da gineco-obstetrícia, transformou uma rotina simples fisiológica como gravidez e parto em eventos hollywoodianos à custa de convênios, maternidades e médicos caríssimos.

     

    Poucos convênios ministram aula de parto natural, parto normal e parto sem dor. Quando alguma gestante questiona na maternidade, a instrutora é estúpida: “Filhinha, o próprio nome já diz. Trabalho de parto. Você vai ter trabalho, filha.” De resto são aulas sobre os cortes, a anestesia, os pontos, os quinze dias de dor, os cuidados para não romper os pontos e as precauções para não ficar com cicatrizes (“mas qualquer coisa já temos indicação de um cirurgião plástico ótimo. Você vai poder continuar frequentando piscina e academia sem susto.”), a importância de logo entrar com o Nan para o cocô ficar “bem durinho” (“ele não acorda de madrugada e a fralda quase não cheira, amiga, é uma bênção”). E os mitos para apavorar bastante a gestante:

    – se quer arriscar parto normal, tudo bem. Mas você se arrisca a ser atendida pelo plantonista.

    – eu não recomendo por causa da queda do períneo. Você não vai querer ficar desbeiçada e larga, não é?

    – sua bacia é estreita e você é sedentária… já está com mais de 30 anos… é praticamente impossível você aguentar um parto normal.

    – não vou poder ficar com você na maternidade durante todo o tempo do parto normal… é melhor não arriscar. Parto de mais de 4 horas o bebê entra em sofrimento fetal.

    – seu bebê não está encaixado, ou você não tem dilatação, ou o bebê está com circular de cordão, ele não está na posição certa, etc.

    – vou te recomendar uns vídeos no youtube de parto normal e você assiste. Se depois de ver aquilo, ainda quiser tentar, a gente volta a conversar.

    – você já está com 37 semanas, tem certeza que quer esperar até 41?

     

    Aí a gestante – que não se recorda que é uma fêmea de primata que pare pela vagina há 400 mil anos, pelo menos – cede obedientemente à desnecesárea, esse milagre da medicina que traz uma criança ao mundo em 40 minutos sem dor, sem esforço, sem berros, sem suor, sem ter de ficar descabelada, sem ter de sujeitar sua nudez aos olhos de “n” pessoas durante horas a fio, praticamente “sem riscos” ou seja praticamente “sem medo” de nada que possa dar errado.

     

    Tão adequado a esta nossa sociedade hipócrita onde nada pode sair da fôrma, do padrão, onde nada pode sair errado, e onde uma mulher não pode “querer” parir pela vagina.

    – uma primitiva.

    – uma ignorante, imagina, onde já se viu, querer ter parto normal.

    – era só o que me faltava em pleno século 21 elas quererem voltar para as cavernas.

    – nunca na vida que eu iria me sujeitar àquele banho de sangue.

    – parto humanizado em casa!! Imagine só, montar uma banheira na sala, a família em volta tomando café e ela lá pelada, tendo contração, aí todo mundo fica lá fazendo massagem, servindo chá e bolo de fubá, e até o bassê que ela tem passeando em volta como se fosse a coisa mais normal do mundo…

     

    Em vez disso temos uma cesárea azul (ou verde, dependendo do campo cirúrgico usado na maternidade), sem choro, sem sangue, e se os médicos pudessem, sem a mãe também, que não pode olhar o que está acontecendo, não pode nem tocar no filho recém-nascido (só o beijinho para a foto) e só vai poder amamentá-lo horas depois, com ele já bem limpinho, sanitizado com bastante nitrato de prata e iodo, enrolado bem apertado numa roupa bem bonita com a logomarca da maternidade e devidamente “medicado” para não chorar no vídeo. Afinal os familiares estão todos na sala de espera assistindo.

     

    Parecido com a linha de montagem de peças numa fábrica.

     

    Obviamente que temos 80% a 90% de médicos de convênio ganhando mais dinheiro com bem menos – quase nenhum – trabalho. São 7 incisões e uma manobra para retirar o bebê. Já que anestesia e sutura eles não fazem.

    Isso é muito duro de romper e nós, mulheres, somos usadas como moeda de troca. Não importa a nossa vontade, a nossa disposição; e não importa estudos de décadas provando e comprovando que o parto normal é mais saudável e mais seguro para cerca de 99,7% dos casos; o mercantilismo hoje domina e qualquer um que queira romper o status quo é severamente castigado pelos ilustres colegas. Vide o caso do obstetra Nanana do RJ que está sendo processado pelos conselhos de medicina do RJ e de SP e pode até ter seu registro profissional cassado – só porque “ousou” afirmar que o parto em casa pode ser a opção de parto mais segura para gestantes de baixo risco. Ele ao falar isso está olhando para estudos com mais de 300 mil nascimentos comparando intercorrências e ocorrências em partos hospitalares versus partos em casa – os partos hospitalares são CINCO VEZES mais arriscados tanto para a mãe, quanto para o recém-nascido; mas vá falar disso ao ilustre CFM. Sua posição central e cristalizada é de que o parto não é uma função fisiológica normal da mulher, e sim, um ato médico-hospitalar e que para acontecer precisa OBRIGATORIAMENTE de um médico.

     

    Isso também joga por terra o trabalho de milhares de enfermeiros obstétricos, técnicos em enfermagem, obstetrizes, doulas e parteiras, estas últimas muito comuns em regiões interioranas do país, algumas delas tendo trazido centenas, milhares de crianças ao mundo – sem NENHUM recurso da medicina tradicional. Este trabalho, estes profissionais, são a MAIOR AMEAÇA ao precioso status quo da gineco-obstetrícia mercantilista do país. Para isso o CFM e os conselhos regionais inclusive PROÍBEM até mesmo a divulgação das Casas de Parto e outros estabelecimentos desse tipo, que se destacam pelo atendimento humanizado da gestante e parturiente e baixíssima intercorrência de eventos não-desejados durante o parto, como emergências ou situações de risco.

     

    Por que simplificar se podemos complicar?

    Ou, se posso ganhar 150 por uma cesárea, por que faria um parto normal por 30?

  2. “Ato médico”

    Os parágrafos 2º e 7º (que são parágrafos e não artigos) garantem e resguardam as demais profissões suas competências próprias. Por que não confrontar o texto do projeto com as afirmações feitas pela autora de modo que o leitor possa visualizar as possíveis contradições, erros, injustiças, etc etc que o projeto contém? Quem tem medo de quem será?

  3. Ato médico e Cia ltda.

    Grande Adriana, salve salve professora!!! Digamos que o pais esteja eu diria totalmente obnubilado dadas tantas crises que se surgiram “do nada” e “de repente”! rss

  4. Lei do Ato Medico

    A sociedade brasileira, atraves do Congresso, esta dando um cheque em branco a corporação médica, em especial ao CFM, para definir os rumos da medicina brasileira. Com isso, o cidadão perde a liberdade de escolha terapêutica. Essa lei foi claramente definida para ampliar os monopólios da assistência médica. Além disso, enquadra os medicos das medicinas complementares e os terapeutas não médicos.

    Ao dar poderes ilimitados ao CFM, em termos prático,  significa entregar o poder às UNIMEDs, que é quem domina os Conselhos de Medicina em quase todo o pais. Num momento em que a sociedade brasileira amplia o debate               democrático, somos brindado com essa lei que ja nasce velha e corporativa.

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