Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Se a enfermagem for às ruas, a nação vai junto!, por Ion de Andrade

Se a enfermagem for às ruas, a nação vai junto!

por Ion de Andrade

O Sistema Único de Saúde, SUS, é a regulamentação do princípio constitucional vigente de que a Saúde é um direito de todos e um dever do Estado. É um marco civilizatório num país recordista em desigualdades e em crueldades com o seu povo.

O SUS tem uma estrutura de tomada de decisões colegiada, participativa e ascendente que fazem dele o componente mais avançado do Estado brasileiro, além de ser a sua maior política de inclusão social.

Vital para o país, o SUS congrega a nação e é um dos raros espaços do Estado onde podem ser construídos consensos entre conservadores e progressistas.

Mas o SUS só é realidade devido ao trabalho real de pessoas que se empenham para que ele dê certo. Atrás do SUS há sangue, suor e lágrimas.

Dentre as profissões de saúde que compõem o SUS há uma que por sua natureza de cuidar, talvez encarne de forma mais completa a alma do sistema: a Enfermagem.

Força eminentemente feminina, apesar de haver muitos enfermeiros homens, a enfermagem no SUS é um partícipe que estrutura o sistema. O cuidado é enfermagem.

Historicamente, desde a alta idade média europeia, os primeiros hospitais surgiram como Casas de Cuidados ligadas à Igreja Católica, nelas havia enfermeiras e religiosos, mas não havia médicos. Os médicos só se agregaram aos hospitais com o Renascimento, antes disso a profissão já existia mas era eminentemente ambulatorial.

Hoje no Brasil a enfermagem continua sendo a coluna vertebral do cuidado, é ela que é responsável pelos bons índices de cobertura vacinal, de pré-natal e pelo enfrentamento de um sem número de desafios que mantém a saúde do país em dia com as exigências da contemporaneidade.

Não fosse a enfermagem os cuidados a hipertensos, diabéticos, tuberculosos, e os trabalhos de educação e promoção à saúde nos igualariam, país de crueldades com os pobres que é o nosso, aos países mais atrasados e cruéis do globo.

Ora, essa extensa folha de serviços prestados fazem da enfermagem, cuja composição alcança dois milhões de profissionais, dos quais 500.000 de nível superior, certamente a principal força política do SUS. A enfermagem, por seu significado e número encarna a alma do Sistema.

A liminar da 20a vara da justiça federal de Brasília que limita o trabalho da enfermagem, sem cuidar nem das leis que a regulamentam há mais de vinte anos, nem do impacto que tais restrições provocarão no cotidiano do país é coerente, apesar de se originar do Poder Judiciário, com o conjunto de medidas que vem ultrajando e demolindo o SUS no Brasil e advém do Poder Executivo, a exemplo da inclusão do SUS nos vinte anos de congelamento de gastos sociais previsto na PEC 55.

Porém com dois milhões de profissionais e uma relação privilegiada com o povo brasileiro, não em abstrato, mas em cada comunidade, onde conhece as pessoas por nome e sobrenome e os seus sofrimentos e alegrias, a enfermagem é um ator social de magnitude máxima, pois detém todos os elementos para levantar a nação em defesa do SUS.

E o Brasil como sabemos vai levando o seu cotidiano com uma dose de paciência que ultrapassa todos os limites. Isso porém equivale à carga que uma bateria vai acumulando para além da conta.

A insatisfação das maiorias com um governo que derrubou uma presidenta legítima para ser convertido num covil de bandidos que a cada dia rouba um direito ou garantia assegurados há longa data, que vende a preço vil o patrimônio nacional ou pretende privatizar até mesmo a Casa da Moeda, poderia ser comparada com um barril de pólvora. O povo já não aguenta mais de tanta maldade.

Naturalmente que os enfermeiros e enfermeiras do Brasil não acham que essa liminar judicial, em se parecendo tanto com todo o resto, seja uma mera coincidência. Na verdade já entenderam que tudo isso converge para o objetivo alvo de arruinar o Brasil material e moralmente para que seja retalhado e vendido ao setor pirvado e ao capital estrangeiro a preço vil. Por um desses incríveis “sincronismos” da política estão na agulha do Ministério da Saúde os planos de saúde que cobrarão aos que têm menos por aquilo que é um direito de todos e um dever do Estado. Esses planos privados foram concebidos para a Atenção Básica, exatamente uma das áreas mais prejudicadas pela liminar.

Então o destino escolheu momentaneamente a Enfermagem como o destacamento mais importante nessa luta mais vasta que a inclui, mas também a ultrapassa, por um país decente e respeitador da dignidade do seu povo, fato que se exprime conjunturalmente como Defesa do SUS.

Faço aqui ao Conselho Federal de Enfermagem, COFEN, e aos seus diversos Conselhos Regionais o pedido de que agendem e mobilizem o Brasil em defesa do SUS através de um dia nacional de lutas e que saiam às ruas.

A profissão está ferida, o Brasil vilipendiado e vocês são dois milhões de militantes conectados com o cotidiano do povo como nenhuma profissão o é.

Se vocês se levantarem com vigor em defesa do SUS e do Brasil, a nação vai junto!

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

12 Comentários

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  1. se….

    Programa Mais Médicos. Fantástico. Médicos Cubanos: deram um espetáculo de atendimento e medicina, mesmo nas regiões mais miseráveis e com menos recursos onde foram enviados. Inacreditável que Politica de Governo não se torna Politica de Estado. Ficou escrachado o temor e contrariedade de CRM. A mediocridade de Saúde Pública Brasileira é consequência das Politicas da Elite que a comanda,. E que tem o CRM como seu maior comparsa.  Nunca foi falta de dinheiro. É o desvio grotesco e monumental do dinheiro destinado à Saúde Pública Brasileira. Sumiu Dilma, sumiram Microcefalia, Chicungunya, Dengue…Mesmo com Febre Amarela, assolando o país na periferia de Jundiaí/SP, uma das principais cidades de SP. Ou surto absurdo de Hepatite, em SP, maior e mais rico estado do país. NADA NA IMPRENSA !! Por que será?!

  2. Não agrega valor

    Movimento que tiver coxinha batedor de panela “”arrependido”” chorando lagrtimas de crocodilo, não tem valor algum. Não merece apoio algum.

  3. Enfermagem
    Excelente reportagem!
    A enfermagem vai as ruas SIM!! E nós iremos apoiar.
    O Conselho dos médicos quer acorrentar juridicamente os enfermeiros e demais profissionais da saúde. Estratégia para quebrar o SUS e aumentar os ganhos em suas belas clínicas…
    Basta!!!

  4. Parabéns! O texto traz
    Parabéns! O texto traz clareza de ideia e reflete o desmonte que estão propondo ao SUS, os riscos que a saúde pública está exposta, bem como a manipulação da classe da enfermagem para conseguir esse fim. Acredito que está na hora da sociedade brasileira começar a se manifestar.

    1. Fascismo e Ignorância

      LEONARDO

      Por enquanto você tem a liberdade de apoiar Temer e continuar votando em Aécio e Eduardo Cunha.

      Mas se o fascismo conseguir o domínio amplo desta terra chamada Brasil, provavelmente com a sua colaboração (cônscia ou ignara), sua liberdade de expressão se reduzirá a um “Amém”.

  5. Liminar contra ações da enfermagem
    Belissimo!!!
    Somos muitos porém politicamente desarticulados…precissamos de apoio da mídia pois embora nossas ações fazem um diferencial na saúde como um todo a população ainda ñ reconhece pois está culturalmente organizada para um modelo medicocentrico.Porém o maior prejuizo será para população em um todo!

  6. se…

    O que define o ser médico é o poder de diagnosticar e tratar doenças, para isso, estudam 6 anos em tempo integral sobre o que irão fazer. A enfermagem, profissão excelente e espinha dorsal da saúde brasileira, nunca foi uma profissão pautada pelo diagnóstico e tratamento de doenças, mas pelo cuidado, e é isso que estudam durante os 4 ou 5 anos de curso com carga horária 1/3 da profissão médica. A enfermagem agora luta pelo direito de prescrever medicações, que para tanto não tiveram que estudar( salvo os casos previstos no programa de saúde da família, que não é alvo dessa batalha do CRM, e os que falam em contrário devem ler o conteúdo da decisão do juíz) com a justificativa de que médicos/CRM são pessoas que visam o dinheiro, ora, que a justificativa seja pela capacidade técnica de exercer tal função, e não por sofismas de porta de bar de que “médicos cubanos são bons, o CRM escraviza a saúde”, o menos ainda, de que há vinte anos praticam tais atos, nunca foram aptos para isso. Mostre que o curso de enfermagem abarca tudo que é necessário para o ser médico.

    1. Com certeza esse é o papel do

      Com certeza esse é o papel do médico, mas na atenção primária (UBS/ESF), os enfermeiros com conhecimento para tal e por meio de protocolos ajudam pessoas com tuberculose, dst’s, gestantes de baixo risco, etc…solicitamos exames, prescrevemos (sobre protocolo), tendo nosso conhecimento, e claro, um caso mais grave encaminhamos ao médico que tem conhecimento pra tal caso, ajudamos muito a desafogar o SUS, e alguns colegas até gostaram da imposição causada pelo CFM por terem “menos atribuições” mas quem perde com tudo isso é a população. Jamais queremos fazer o papel de médico, somos enfermeiros com muito orgulho (claro que tem os casos a parte que queriam medicina e não lutaram pra isso e foram pra enfermagem, o que me envergonha, mas…) só queremos ajudar a população com nosso cuidado, junto com todos os outros profissionais: fisioterapeutas, psicólogos, médicos, farmacêuticos, etc.. 

    2. proibição da enfermagem

      Bom dia 

      Na verdade essa ação do CRM, afetou sim toda a classe dos Enfermeiros, pois, os enfermeiros que trabalham em hospitais nunca fizeram prescrição, somente os que trabalham na ESF, porem paramos todos com um trabalho que ja fazemos há mais ou menos 20 anos, nunca houve relatos que prejudicamos ninguem, pelo contrario desafogamos o trabalho dos medicos e ao contrario do que se pensa, estudamos 5 anos assim como os medicos conhecemos anotomia, fisologia e todas as outras materias que a medicina aborda, podemos não nos aprofundar, mas sabemos como funciona toda a anatomia do corpo humano, muitos anos o CRM tambem nos impediu atraves de liminar de irmos para o IML ver as necropsias, porque não somos medicos, não precisamos saber essas coisas, ate quando esse conselho, irá ditar as regras para outras profissões. Temos profissionais de enfermagem que não se empenham no saber, sim!, porem assim como os enfermeiros temos medicos, que não sabem o que fazer na hora de agir, e ai vai o enfermeiro conduzir o que tem que ser feito. Então pra isso nós servimos!. Isso é muito injusto, somos profissionais dedicados, integros e competentes como qualquer um outro. Obrigada

      Desculpe o desabafo, porem é a indignação dessa enfermeira com tantos anos de profissão e de dedicação aos estudos e ao cuidar do seu semelhante.

      1. Todos devemos defender o SUS

        GLAUCIA

        Nós, anônimos pacientes, reconhecemos o valor inestimável da Enfermagem.

        Em vocês encontramos atenção, acolhimento, solidariedade. Em outros, percebemos nitidamente a ganância e a arrogância.

        Todos devemos defender o SUS. Porém, as(os) enfermeiras(os) podem dar uma contribuição decisiva, esclarecendo aos pacientes no dia-a-dia.

         

  7. Não é sobre Competição

    Que o papel dos enfermeiros não é de diagnosticar e prescrever medicamentos, isso está muito claro, especialmnete para os enfermeiros desde o início de sua formação acadêmica, entretanto se atentarmos ao Estratégia Saúde da Família há protocolos revisados inclusive por médicos que prevêem programas epidemiológicos importantes como TB, MH, acompanhamento de gestantes em Pré Natal, menores de 01 ano em pericultura, solicitação de exames de uma camada específica e vulnerável pela ação comprometida e persistente de enfermeiros trabalhando sob condições de desvalorização e precariedade de recursos. Pois bem, que os enfermeiros deixem esta função para lá, haverão médicos para suprir esta lacuna? Compare-se uma consulta de enfermagem e seus relatórios essenciais para prevenção de riscos a menores de 01 ano e gestantes e o tempo despendido para atender integralmente o ser humano com aquelas consultas médicas rápidas como um relâmpago nas decorebas de benzil penicilina, dipirona, diclofenaco e diazepam onde antes que o paciente relate sua queixa já existe uma receita pré fabricada por profissionais que são papagaios das indústrias farmacêuticas. Haverão outros profissionais para dar a atenção devida à Saúde da Mulher, da Criança, do Hipertenso e do Diabético, dos Acamados e de toda a sorte de sofredores que têm no SUS sua única possibilidade de atendimento? Haverá um outro profissional para colher exame de colpocitologia, proceder com a triagen neonatal, conduzir um teste rápido, pogramar campanhas vacinais e eventos de Educação em Saúde, deslocar-se da unidade de saúde para as periferias e zonas rurais. Veja-se que não há uma disputa de categorias profissionais, apenas a enfermagem lutando para seu direito de trabalhar pela população e exercer o cuidado, sem invasão ao conhecido campo das atribições do profissional médico, cuja formação tecnicista e tecnocêntrica cada vez mais se distancia da Saúde Coletiva, buscando as especializações e residências mais rentáveis em seu vasto mercado de trabalho.

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