A história do PM que bateu no delegado reforça a crise na segurança em SP

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Enviado por Pedro Penido dos Anjos

Do Estadão

A história do PM que bateu no delegado revela como é profunda a crise na segurança em SP

Bruno Paes Manso

Poderia ser mais um fato isolado, resultado do cotidiano estressante da carreira dos policiais que atuam em São Paulo. Mas não é só isso. A história do delegado de 49 anos que apanhou de policiais militares da Rota na última quinta-feira, em Rio Claro, no interior de São Paulo, revela a profundidade da crise estrutural de nossas polícias e a necessidade de reformas. As promessas de aproximação entre as corporações são antigas, tem quase 40 anos, mas policiais militares e civis ainda agem como se fossem rivais.

Eram 19 horas da última quinta-feira quando PMs da Rota chegaram à delegacia em Rio Claro levando um suspeito que eles acreditavam ser procurado pela Justiça. O delegado fez a pesquisa no sistema e viu que os PMs estavam enganados. Um mandado havia sido expedido em junho e foi cumprido dois meses depois. Não havia nenhum novo pedido na Justiça, o que significava que o suspeito não podia ser preso. Era o motivo para o clima começar a esquentar na sala do plantão. O soldado da Rota insistiu e disse que o sistema havia se enganado. O delegado mostrou os dados ao policial, que não se deu por satisfeito.

O tenente da Rota que acompanhava a cena ao lado começou a rir e a debochar do delegado, que perguntou o motivo das risadas. Ouviu em resposta: “Aqui é Rota e aí é bandido. Água e óleo não se misturam”. Ao mesmo tempo, o tenente apontou uma pistola ponto 40 para o delegado. Advogados e cidadãos que estavam na delegacia acompanharam o barraco. O oficial disse ainda que o delegado era um “bost..” e saiu junto com seus comandados para a varanda da delegacia.

O delegado foi atrás dos PMs para se certificar do nome dos que o agrediam. O tenente fez menção de esfregar seu uniforme na cara do delegado. Em seguida, empurrou o delegado com as duas mãos contra seu peito. O óculos do delegado caiu no chão. Nesse momento, os outros policiais pisaram nos óculos, que quebrou. Alguns advogados no plantão chegaram a filmar a cena com celulares, mas também foram ameaçados pelos PMs. Apesar de agredido, o delegado diz que não deu voz de prisão aos militares por causa das ameaças e pressões que sofreu.

O delegado registrou o boletim de ocorrência, que este blog teve acesso e usou para descrever a cena. Este registro também foi enviado aos comandos e corregedorias das duas polícias. O blog entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública e com a PM para saber dos desdobramentos do caso.

Quando, em 2006, eu escrevi o livro O Homem X – Uma reportagem sobre a alma do assassino em SP, entrevistei policiais que mataram e participaram de grupos de extermínio nos anos 1980 e 1990. Alguns explicaram que a desconfiança dos policiais civis era um dos motivos para que eles “matassem os ladrões”. Na crença dos PMs, de nada adiantava prender ”o vagabundo”, que depois seria solto na delegacia em troca de propina. Depoimento semelhante foi dado depois ao coronel Adilson Paes de Souza, que também entrevistou PMs homicidas em sua dissertação no curso de direito do Largo S. Francisco da USP. Matando, eles faziam justiça privada, ação que encaravam como um atalho para a lentidão da justiça.

Os PMs não tiravam essa ideia da estratosfera, mas da realidade observada nas ruas. Não era à toa a desconfiança junto aos delegados.

O grave é que tudo continua igual, assim como essa tensão entre as corporações permanece até hoje. A briga entre Rota e delegado foi só a explosão de um sintoma do problema. Não é à toa que permanece caótica a capacidade do Estado em punir aqueles que praticam crimes graves. E não é por menos que os roubos seguem em ascensão contínua, como mostram mensalmente os dados oficiais do Governo de SP.

A reforma das Polícias e temas relacionados à segurança pública é um tema que este ano devem fazer parte dos debates para presidente. Os três últimos presidentes se omitiram temendo prejuízos políticos que o assunto poderia trazer aos seus mandatos. Não é mais possível se omitir.

Para aqueles que se interessam pela discussão, segue abaixo uma das propostas de reformas atualmente debatidas. Outras estão na ordem do dia e o blog também abrirá espaço para que

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

16 Comentários

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  1. Enquanto as polícias brigam

    Enquanto as polícias brigam os bandidos fazem a festa. Enquanto persistir essa dicotomia civil-militar o sistema continuará disfuncional. 

    A solução é a dissolução das duas e a criação de uma polícia unificada.

  2. O que impressiona é que o

    O que impressiona é que o tenente e seus soldados não tem a percepção de que ao agir fora da lei, agredindo, batendo, matando, são eles mesmos bandidos, categoria que eles julgam eliminar, mas que só aumenta com a sua própria participação no mundo do crime.

    1. Exatamente. Assassinato é

      Exatamente. Assassinato é coisa de bandido. É esse diabo de pensamento medieval que está levando à loucura muitos policiais.

      Eu digo a amigos: “cara, faz o teu! Nem mais nem menos, faz o teu! E o teu é o que está na lei! A sociedade não te paga pra fazer justiçamento! No dia em que der merda, é sua carreira, sua liberdade ou até mesmo sua vida que vai ficar na reta, não dos demagogos da tv nem dos valentes de churrasco!”

  3. O que impressiona é que o

    O que impressiona é que o tenente e seus soldados não tem a percepção de que ao agir fora da lei, agredindo, batendo, matando, são eles mesmos bandidos, categoria que eles julgam eliminar, mas que só aumenta com a sua própria participação no mundo do crime.

  4. E sabe o que vai

    E sabe o que vai acontecer? 

    NADA!!!

    Eles fazem o que querem. Nenhum policial militar foi punido depois das manifestações de Junho, apesar de todas as provas cabais de excessos e agressões, filmadas em vídeo.

    Eles são estimulados a violência pela cadeia de comando, a começar do governador, que, ou é frouxo, ou negligente, ou apoia isso mesmo, senão cabeças já teriam rolado há muito tempo. Devem receber elogios internos e ter  falicitada a ascensão na carreira a cada ato de violência gratuita.

    Se fazem isso com um Delegado, dentro da delegacia, imagine o que esses piscopatas fazem no escuro, nas periferias, contra negros pobres.

    É dar asco.

  5. Corre o boato por aqui

    Corre o boato por aqui, eu sou de Rio Claro, que o tenente que agrediu o delegado é viciado em anfetamina e é investigado em três homicídios.

    Policiais militares da Rota estão em Rio Claro devido aumento da violência após ônibus do transporte coletivo ter sido queimado em ato de vandalismo devido a morte de dois irmãos moradores no bairro, acusados de ação de roubo em residência onde trocaram tiros com a PM, que respondeu aos disparos em legítima defesa.

  6. Este é o horizonte desenhado

    Este é o horizonte desenhado por ôtoridades despóticas, sem compromisso senão com a truculenta imposição da “ordem”. Faz bestas feras, hoje, exemplificada nas PMs, a jagunçada deste fascismo de periferia.

    Saudações libertárias.

  7. ninguém controla a PM, nem o

    ninguém controla a PM, nem o PSDB nem o PT.

    mas mesmo assim tem leitor desse blog que aplaude de pé quando a polícia toma para si o direito de rasgar a Constituição e acaba com uma manifestação na qual ninguém havia cometido nenhum ilícito. Acabar com a democracia para garantir a ordem democrática: é a filosofia de Reinaldo Azevedo e sua “democracia fardada”.

  8. Vai entender…

    Tentem explicar para um estrangeiro quantos tipos de polícia temos por aqui. O negócio fica hilário mesmo quando se tenta explicar as divisões e atribuições de cada uma delas. Aí e que o caldo entorna…

    De cabeça: policia civil, polícia militar, guarda civil metropolitana, guarda florestal (em pleno centro urbano de Sampa!), polícia federal, polícia rodoviária (estadual e federal), polícia…

  9. e o blog também abrirá espaço para que

    “…e o blog também abrirá espaço para que…”

     

    Que blog é esse que abrirá espaço, e espaço ‘para que’ mesmo? O texto parou aí e quero saber se é para dar um basta na violência crescente e impune que vem imperando no país para que eu possa integrá-lo.

    Um Estado só se justifica se não for marginal, bandido, se for para cumprir o papel de assegurar os direitos de seus cidadão, principalmente o da vida, o que lhe impõe o dever de fazer justiça à altura contra os que atentarem contra esses direitos. 

  10. No japão antigo, os

    No japão antigo, os guerreiros samurais tinham treinamento para serenidade e equilíbrio emocional completo. De que adiantaria um guerreiro altamente treinado e fora de controle?

    além disto possuiam código bushidô, de honra, perfeita disciplina, respeito à hierarquia seguido à risca, tudo isto para que a imagem do samurai fosse digníssima de respeito e a corporação pudesse sentir orgulho do que fazia. Seu treinamento em artes marciais era intercalado com meditação zen para autodomínio.

    Isto é essencial para que um guerreiro não se contamine com os horrores do campo de batalha, e não se torne um risco para a própria sociedade.

  11. A PM, em todos os estados não

    A PM, em todos os estados não só no Tucanato paulista, vide o governo Wagner – PT aqui na Bahia, onde eles deitam e rolam, é uma instituição quase que paraestatal, antidemocrática e quase sempre brutal, a Policia Civil, embora possua também um sem número de defeitos, não possuem um foro privilegiado, ou seja o militar, orienta-se, pelo menos teoricamente, por uma “lógica investigativa” e não de guerra ao crime. Esses confrontos entre policia civil são até bem comum, inclusive com os Delegados, que não são considerados policia pelos PMs…Quantos aos advogados, geralmente ser chamado de “porta de cadeia” é refresco….   

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