Autor de ‘Elite da Tropa’ defende desmilitarização da polícia

Sugerido por Gunter Zibell – SP

Da EPSJV/Fiocruz

‘A sociedade em seu conjunto terá de mudar, porque é ela quem autoriza, hoje, a barbárie policial’

Viviane Tavares

A desmilitarização da polícia, uma das bandeiras das jornadas de junho, sempre foi uma das principais de Luiz Eduardo Soares, especialista em segurança pública, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e antropólogo.

Nesta entrevista, o autor de mais de 20 livros, entre eles Tudo ou Nada, Elite da Tropa e Cabeça de Porco, explica o motivo de sua defesa, e aponta que este é apenas o primeiro passo para o caminho árduo de construção de uma sociedade “efetivamente democrática e comprometida com o respeito aos direitos humanos”. Luiz Eduardo foi um dos principais elaboradores da PEC-51 – recentemente apresentada pelo senador Lindbergh Farias (PT/RJ) – que visa, segundo ele, reformar o modelo policial.

Nós temos uma polícia e um corpo de bombeiros que são militar. Você há muito tempo defende a desmilitarização. Por quê?

Luiz Eduardo Soares – Considero a desmilitarização das polícias indispensável e a dos bombeiros absolutamente conveniente, ainda que essa mudança não seja suficiente. Mesmo porque nossas polícias civis não têm menos problemas do que as militares. Em primeiro lugar,

é preciso saber o que significa, para uma polícia, ser militar. No artigo 144 da Constituição, significa obrigá-la a copiar a organização do Exército, do qual ela é considerada força reserva. O melhor  formato organizacional é aquele que melhor permite à instituição cumprir suas finalidades.

Finalidades diferentes requerem estruturas organizacionais distintas. Portanto, só faria sentido reproduzir na polícia o formato do Exército se as finalidades de ambas as instituições fossem as mesmas. Não é o que diz a Constituição. O objetivo do Exército é defender o território e a soberania nacionais. Para cumprir essa função, tem de organizar-se para realizar o pronto emprego, ou seja, mobilizar grandes contingentes humanos e materiais com máxima celeridade e rigorosa observância das ordens proferidas pelo comando. Precisa preparar-se para, no limite, fazer a guerra. Pronto emprego exige centralização decisória, hierarquia rígida e estrutura fortemente verticalizada. Nada disso se aplica à Polícia Militar. Seu papel é garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações, recorrendo ao uso comedido e proporcional da força. Segurança é um bem público que deve ser provido universalmente e com equidade pelos profissionais incumbidos de prestar esse serviço à cidadania. Os confrontos armados são as únicas situações em que alguma semelhança poderia haver com o Exército, ainda que mesmo nesses casos as diferenças sejam marcantes. Mas eles correspondem a menos de 1% das atividades que envolvem as PMs. A imensa maioria dos desafios enfrentados pela polícia ostensiva são melhor resolvidos com a adoção de estratégias incompatíveis com a estrutura organizacional militar. Refiro-me ao policiamento comunitário, os nomes variam conforme o país.

E em que sentido o policiamento comunitário distingue-se das ações militares?

Essa metodologia é inteiramente distinta do “pronto emprego” e implica o seguinte: o ou a policial na rua não se limita a cumprir ordens, fazendo ronda de vigilância ou patrulhamento ditado pelo estado maior da corporação, em busca de prisões em flagrante. Ele ou ela é a profissional responsável por agir como gestora local da segurança pública, o que significa, graças a uma educação interdisciplinar e altamente qualificada: diagnosticar os problemas e identificar as prioridades, em diálogo com a comunidade, mas sem reproduzir seus preconceitos; planejar ações, mobilizando iniciativas multissetoriais do poder público, na perspectiva de prevenir e contando com o auxílio da comunidade, o que se obtém respeitando-a. Para que haja esse tipo de atuação, é imprescindível valorizar quem atua na ponta, dotando essa pessoa dos meios de comunicação para convocar apoio e de autoridade para decidir. Há sempre supervisão e interconexão, mas é preciso que haja, sobretudo, autonomia para a criatividade e a adaptação plástica a circunstâncias que tendem a ser específicas aos locais e aos momentos. Qualquer profissional que atua na ponta, sensível à complexidade da segurança pública, ao caráter multidimensional dos problemas e das soluções, ou seja, qualquer policial que atue como gestor ou gestora local da segurança pública, deve dialogar, evitar a judicialização sempre que possível, mediar conflitos, orientar-se pela prevenção e buscar acima de tudo garantir os direitos dos cidadãos. Dependendo do tipo de problema, mais importante do que uma prisão e uma abordagem posterior ao evento problemático, pode ser muito mais efetivo iluminar e limpar uma praça, e estimular sua ocupação pela comunidade e pelo poder público, via secretarias de cultura e esportes. Os exemplos são inúmeros e cotidianos. Esse é o espírito do trabalho preventivo a serviço dos cidadãos, garantindo direitos. Esse é o método que já se provou superior. Mas tudo isso requer uma organização horizontal, descentralizada e flexível. Justamente o inverso da estrutura militar. ‘E o controle interno?’, alguém arguiria.

Engana-se quem supõe que a adoção de um regimento disciplinar draconiano e inconstitucional seja necessária. Se isso funcionasse, nossas polícias seriam campeãs mundiais de honestidade e respeito aos direitos humanos. Eficazes são o sentido de responsabilidade, a qualidade da formação e o orgulho de sentir-se valorizado pela sociedade. Além de tudo, corporações militares tendem a ensejar culturas belicistas, cujo eixo é a ideia de que a luta se dá contra o inimigo. Nas PMs, tende a prosperar a ideia do inimigo interno, não raro projetada sobre a imagem estigmatizada do jovem pobre e negro. Uma polícia ostensiva preventiva para a democracia tem de cultuar a ideia de serviço público com vocação igualitária e radicalmente avessa ao racismo.

A militarização da polícia justifica o seu comportamento? Uma vez desmilitarizada, qual seria o passo seguinte, uma vez que a corporação será a mesma?

Como disse, respondendo à primeira pergunta, desmilitarizar é apenas uma das mudanças indispensáveis. Isolada, cada uma delas será insuficiente. E não nos iludamos: toda reforma institucional da segurança pública será somente um passo numa caminhada mais longa e difícil, rumo à construção de uma sociedade efetivamente democrática e comprometida com o respeito aos direitos humanos, na qual a justiça mereça o nome que tem. A sociedade em seu conjunto terá de mudar, porque é ela quem autoriza, hoje, a barbárie policial, aplaudindo execuções, elegendo políticos que defendem o direito penal máximo e governos que acionam a violência do Estado. As transformações, um dia, terão de incluir a legalização das drogas, que considero uma mudança fundamental. No momento, contudo, o que está em questão, e com máxima urgência, é salvar jovens negros e pobres do genocídio, é acabar com as execuções extra-judiciais, as torturas, a criminalização dos pobres e negros, é reduzir o número inacreditável de crimes letais intencionais, é suspender o processo de encarceramento voraz, que atinge exclusivamente as camadas sociais prejudicadas pelas desigualdades brasileiras, é sustar a aplicação seletiva das leis, que vem se dando em benefício das classes sociais superiores, dos brancos, dos moradores dos bairros afluentes de nossas cidades. Portanto, nada de idealizações ao avaliar as reformas propostas. O que não significa que cada passo não seja de grande relevância e mereça todo empenho de quem se sensibiliza com a tragédia nacional, nessa área, tão decisiva e negligenciada.

Historicamente, tivemos momentos em que a luta pela desmilitarização da polícia aparece, como na promulgação da Constituição de 1988. Por que ela não aconteceu?

Não houve comprometimento suficiente das forças mais democráticas, a sociedade não se mobilizou, os lobbies corporativistas das camadas superiores das polícias se mobilizaram, as forças conservadoras se uniram e funcionou a chantagem dos antigos líderes da ditadura, em declínio, mas ainda ativos. Nas jornadas de junho de 2013, e em seus desdobramentos, a brutalidade policial, que era e continua a ser cotidiana nos territórios populares, chegou à classe média e chocou segmentos da sociedade que antes ignoravam essa realidade ou lhe eram indiferentes. A esperança reside na continuidade dos movimentos sociais, que adquiriram novo ímpeto, e em sua capacidade de pautar esse debate e incluí-lo na agenda política. Não vai ser fácil. Mas tampouco será impossível. Abriu-se para nós, pela primeira vez, uma temporada de frestas.

Existem diversos projetos em tramitação para a desmilitarização da polícia: um proposto pelo senador Blairo Maggi, outro do ex-deputado Celso Russomanno, e o mais recente proposto pelo senador Lindbergh Farias, sob sua consultoria, a chamada PEC-51. No que eles se diferenciam?

Há mais de 170 projetos no Congresso Nacional propondo a reforma do artigo 144 da Constituição. Vários incluem a desmilitarização. Nenhuma proposta de emenda constitucional é tão ousada e completa quanto a PEC-51. Nenhuma incorporou 25 anos de militância, experiência, debate e pesquisas, ouvindo profissionais das polícias e da universidade, operadores da justiça e protagonistas dos movimentos sociais, e buscando o denominador comum. Isso não significa unanimidade. Há interesses contrariados e haverá resistências corporativistas, assim como posições ideológicas em oposição. Entretanto, o envolvimento de muitos movimentos, inclusive de policiais, já indica seu potencial para construir um consenso mínimo e sensibilizar a sociedade. 70% dos profissionais da segurança querem a mudança, como pesquisa de que participei demonstrou, em 2010. Não necessariamente querem a mesma mudança, mas o reconhecimento da falência do modelo atual é, em si mesmo, significativo.

Você ajudou a formular a PEC –51. Como foi isso e quais são as expectativas?

A PEC-51 visa reformar não apenas as PMs, desmilitarizando-as, mas o próprio modelo policial, atualmente baseado na divisão do ciclo do trabalho policial: uma polícia investiga, outra faz o trabalho ostensivo preventivo. Pretende também instituir carreira única em cada polícia e transferir aos estados o poder de escolher o modelo que melhor atenda suas peculiaridades, desde que as diretrizes gerais sejam respeitadas. Hoje, em cada estado, as duas polícias, civis e militares, na verdade são quatro instituições ou universos sociais e profissionais distintos, porque há a polícia militar dos oficiais e dos não oficiais (as praças), a polícia civil dos delegados e dos não-delegados como, por exemplo, os agentes, detetives, inspetores, escrivães etc. A PEC propõe que o ciclo de trabalho policial seja respeitado e cumprido em sua integralidade, por toda instituição policial. Ou seja, toda polícia deve investigar e prevenir.

Propõe também a carreira única no interior de cada instituição policial. E propõe que toda polícia seja civil. A transição para o novo modelo, caracterizado pelo ciclo completo, a carreira única e a desmilitarização, uma vez aprovada a PEC, dar-se ia ao longo de muitos anos, respeitando-se todo direito adquirido de todos os trabalhadores policiais, inclusive, é claro, dos que hoje são militares. O processo seria conduzido pelos estados, que criariam suas novas polícias de acordo com suas necessidades. A realidade do Acre é diferente da de São Paulo, por exemplo. A transição seria negociada e levada a cabo com transparência e acompanhamento da sociedade. As polícias seriam formadas pelo critério territorial ou de tipo criminal, ou por combinações de ambos. Um exemplo poderia ser o seguinte: o estado poderia criar polícias sempre de ciclo completo, carreira única e civis – municipais nos maiores municípios, as quais focalizariam os crimes de pequeno potencial ofensivo, previstos na Lei nº 9.099; uma polícia estadual dedicada a prevenir e investigar a criminalidade correspondente aos demais tipos penais, salvo onde não houvesse polícia municipal; e uma polícia estadual destinada a trabalhar exclusivamente contra, por exemplo, os homicídios. Há muitas outras possibilidades autorizadas pela PEC, evidentemente, porque são vários os formatos que derivam da combinação dos critérios referidos.

Redação

20 Comentários

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  1. Será que um dia  Brasil

    Será que um dia  Brasil veremos o Brasil se civilizar a este ponto? Vendo a barbárie na Cracolância, no Pinheirinho saidas a partir do gabinete de um governador que se afirma religioso dá para acreditar neste sonho?

      1. Razão para apoiar é o que não falta…

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [21]: Coibição de morte de inocentes
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528561.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [20]: Reivindicação de diferentes setores da sociedade
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528475.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [19]: Coibição de restrição ao direito de manifestação
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528460.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [18]: Coibição de abuso de autoridade http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528414.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [17]: Exigência da atuação igualitária
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528389.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [16]: Coibição da violência policial
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528366.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [15]: Coibição da letalidade policial
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528343.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [14]: Coibição de grupos de extermínio
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528326.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [13]: Isonomia judicial
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528306.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [12]: Coibição de tortura
        http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528297.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [11]: Coibição de violência contra o judiciário
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528282.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [10]: Coibição de “desaparecimentos” forçados
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528231.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [9]: Coibição de atitude discriminatória
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528191.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [8]: Coibição de violência contra a juventude
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528171.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [7]: Conquista de credibilidade
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528143.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [6]: Atendimento às recomendações da ONU
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528126.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [5]: Coibição do uso político contra movimentos sociais
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528112.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [4]: Coibição de produção incorreta de documentação
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528064.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [3]: Coibição do forjamento de provas incriminando vítimas
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528032.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [2]: Coibição de execuções
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/528015.shtml

        Razões para defender a aprovação da PEC 51/13 em 2014 [1]: Coibição de relações inapropriadas entre polícia e comerciantes
        http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2014/01/527962.shtml

  2. Muito bom tema para refletir

    Destaques do texto acima: “Pode ser muito mais efetivo iluminar e limpar uma praça, e estimular sua ocupação pela comunidade e pelo poder público, via secretarias de cultura e esportes. Esse é o espírito do trabalho preventivo a serviço dos cidadãos, garantindo direitos. Desmilitarizar é apenas uma das mudanças indispensáveis. As transformações, um dia, terão de incluir a legalização das drogas, que considero uma mudança fundamental.”

    Acho interessante a tentativa de trazer a polícia, desde sua atual função “corretiva” para uma policia preventiva, do lado do cidadão de bem e não como hoje, em perigosa promiscuidade com o crime.

     

  3.  Muito boa a entrevista.

     Muito boa a entrevista. Estranho porque uma demanda tão simples e lógica como essa não seja atendida pela nossa classe política. 

    Alguns confundem desmiliarizar como transformar a atual PM em polícia civis, cuja função é atuar como Polícia Judiciária. 

    Desmilitarizar é também mais do que alterar a estrutura hierarquizada e baseada na irrestrita disciplina. Isso são características básicas, sim, mas não tão fundamentais assim. Claro é que essa organicidade de certa maneira vai influir nas ações desse corpo policial, mas o fulcro da questão diz respeito é a MENTALIDADE militar, quando não militarista, que permeia o exercício das suas atribuições. 

    As razões foram bem postas pelo entrevistado. 

  4. “desmilitarização da

    “desmilitarização da polícia”, em principio é bom, o problema é confiar na esquerda para fazer isso, aqueles que defendem a criminalidade, reformarem a policia.

    1. Só escreve merda.

      Para não perder o costume, bostejou.

      Boa mesmo é a direita, em particular o PSDB com a expertise que criou e alimentou o PCC, para cumprir essa tarefa, não é?

       

      1. PSDB não é “direita” e anti

        PSDB não é “direita” e anti PT que é uma coisa muito diferente.

        Não que eles não estejam felizes em ganhar voto da direita.

    2. Puxa, Aliença, estou com

      Puxa, Aliença, estou com saudades daqueles teus posts acerca do liberalismo. Só tem vez agora para absurdos desse tipo, é? 

      Insultos só atraem mais insultos. Deverias citar quem na esquerda defende  a criminalidade. Generalização boboca essa.

      1. Vou dar um exemplo: a defesa

        Vou dar um exemplo: a defesa da esquerda nacional para com as FARCs.

        Tudo começa com uma grande difereça conceitual entre esquerda e direita, para a esquerda o homem nasce bom só que é corrompido pela sociedade. Já para a direita o homem nasce mau só que é civilizado pela cultura e pelas instituições.

         Para a esquerda o mundo que vivemos, a sociedade esta mal feita e não existe forma de mudar isso sem a destruir e recria-la da forma “certa”.

        Para um esquerdista moderado como vc soa ate ridiculo tal afirmação, mas veja para um esquerdista radical, tentar transformar a sociedade alterando apenas o que existe não var dar resultados práticos, pq continuará a reprodução do modo de vida atual.

        Um ato criminosos também é um ato subvesivo, ele esta atacando a atual  sociedade e se for um burguês melhor ainda.

    3. Quem está intimamente

      Quem está intimamente relacionado com o crime organizado é a direita.

      A Veja era porta-voz da máfia de Carlinhos Cachoeira, criminoso que mandava na pauta de revista.

      O Helicóptero dos Perrela com seus 450 Kg de cocaína foi escondido nos nosticiários que fizeram de tudo para defender o senador e o deputado traficantes, não apenas por serem aliados de longa daa do Aécio, mas por serem expoentes da direita mineira.

      A direita acusa a esquerda de defender a criminalidade porque ela própria é parte dessa criminalidade. São bandidos que fazem parte das quadrilhas de traficantes, ladrões e corruptos, todos com o mesmo ideal liberal de dar liberdade ao dinheiro para escravisar o ser humano.

      O crime organizado não apenas manda na direita, ele É a direita.

        1. Puta merda, foi você que

          Puta merda, foi você que falou de esquerda, trouxa.

          Você coloca política em tudo e depois acusa os outros daquilo que você mesmo faz.

          E acha que ninguém percebe a patacoada.

          Além de troll, incompetente.

           

      1. Ruy ta tão desonesto a sua

        Ruy ta tão desonesto a sua assertiva que fica dificil levar a sério.

        Vamos dar uma chamce ao rapaz, faz uma condenação publica contra as FARCs, ou assume de vez a defesa publica do crime.

        1. O troll “Leonidas” diz que a

          O troll “Leonidas” diz que a esquerda defende a criminalidade e eu é que não tenho honestidade intelectual?

          Tava achando que uma mentira dessas não teria o contraponto?

          Não posso devolver a acusação porque nem intelecto você tem, honestidade então…

          NADA

  5. Tese que em primeiro lugar

    Tese que em primeiro lugar necessita ser explicada. O que é desmilitarizar a policia? Tirar a farda e as armas? Fechar as academias? Que estupidez, todos os grandes paises tem policias fardadas, treinadas militarmente e com armamento anti-disturbios. Porque aqui não deveria ter? As policias militares no Brasil são seculares, a Força Publica paulista e a Brigada Militar gaucha participaram de guerras e revoluções.

    A policia militar costuma ser melhor, mais treinada e menos corrupta do que a civil.

    Os papeis são diferentes aqui ou em qualquer lugar, a policia judiciaria tem uma função contra o crime individual, a militar opera contra o ambiente criminal coletivo.

    As policias militares precisam é ser reforçadas e prestigiadas, fortalecidas e não extintas.

    Quem defende a tese dessa inexplica desmilitarização é a esquerdolandia, vendo nas PMs inimigos naturais.

    Chile, Espanha, França tem super eficientes policias militares com estrutura militar completa.

  6. Debate ridiculo esse de

    Debate ridiculo esse de desmilitarizaçao da policia

    ate pq a maioria absoluta das policias do mundo usam hierarquia miltar

    a questaoé o grau a ser usado

    No Brasil de fato é excessivo chegando as raias de existir ACADEMIA DE OFICIAIS 

    O formato ideial é algo parecido como ha nos EUA hierarquia militar para tropa mas conforme se sobe na carreira passa a deixar a farda , ate pq nos EUA todos sao oficiais de policia nao ha essa de praça , oficial QA e oficial QO

    E´só para lembrar os espertos de sempre , JA TEMOS UMA POLICIA S/ MILITARISSMO é a ilustrissima POLICIA CIVIL que bate todos os recordes quando o assunto falta de comprometimento com o publico e com sua funçao …

  7. Debate urgente.

    Prezados e prezadas,

    O engessamento deste debate só interessa a quem se privilegia do atual estado de coisas, e não se iludam: há quem se beneficie deste caos, direta ou indiretamente.

    O Brasil ainda não construiu seu sistema de segurança pública, tem no máximo, como sabemos, um sistema de proteção de castas, que funciona mais ou menos assim: quanto mais dinheiro, ou quanto maior a capacidade de vocalização de suas demandas por um destes estratos, mais rápida e mais eficiente será a resposta policial.

    Claro que sempre haverá, como disse o Luis Eduardo (que tive o prazer de conhecer em uma palestra e depois trocamos alsugns e-mails quando do lançamento de sua frustrada pré-candidatura a deputado) um corte de classes nítido, mas ainda assim é ingenuidade imaginar que as populações periféricas não encontrem suas formas de mediação com os fenômenos violentos, sejam eles policiais ou marginais ao Estado.

    Assim, tragédias como Vigário Geral, ou das Mães de Acari, ou Carandiru ou Eldorado dos Carajás podem colocar a periferia no centro das demandas por mudança dos processos estatais e pelo julgamento dos crimes praticados em nome do Estado.

    Mas grosso modo, o pessoal de baixo sempre sofre mais, enquanto os setores médios e a elite gozam com relativa proteção, ao menos no quesito mais dramático, ou seja, a possibilidade de ser assassinado. Dependendo de sua cor, seu lugar na cidade, e sua classe social, a chance média de morrer assassinado (inclusive pela polícia) sobe 3 ou 4 vezes. Não é pouca coisa.

    Sendo assim, como já disse aqui em outros debates sobre este tema, elaboramos um esquema de repartições privadas de proteção, onde cada estrato retira sua parte:

    Os governantes se beneficiam politicamente da paranoia e medo do crime, e somam capital político com a disseminação de mais e mais violência, além de atenderem os lobbies da indústria da segurança (carros, armas, aeronaves, blindados, coletes, etc), os setores da elite e médios conseguem distinção de tratamento permanente, e quase nunca são vistas como potenciais criminosas, e contam com níveis de longevidade bem superiores aos da plebe, já a mídia, por sua vez, vende o espetáculo do terror e influencia comportamentos e ideologias do medo, enquanto os mais pobres se equilibram em frágeis ecossistemas, odne têm que renegociar todos os dias suas condições de sobreviência nestes ambientes precários, onde cada olhar mal interpretado pode ser sentença de morte, mas estes mais pobres também reproduzem os chavões que aprenderam por imitação dos setores mais abastados, e acabam por legitimar uma violência que desaba sobre eles mesmos, como foi o caso das UPP.

    A PEC 51 é um bom pontapé inicial para encarar esta situação.

    Alguns aqui confundem desmilitarizar a polícia com desuniformizar o policiamento ostensivo. Bobagem ou manipulação rasteira.

    Desmilitarizar é dizer que o policial não mais vai funcionar como cópia, ou força paralela a uma unidade militar, pelos inconvenientes expostos no texto.

    Militar não policia ou prende, militar é para matar o inimigo, ponto final! E isto é o que foi feito durante todos estes anos. Milhares, e quem sabe milhões de execuções extra-judiciais, com cor, raça e geografia definidas.

    (Teve comentarista aqui defendendo a permanência da militarização pelo uso “revolucionário” das milícias militares gaúcha e paulista em disputas políticas internas no passado, onde funcionaram como forças particulares de governadores contra o poder central, por Tutátis! O que será isto, os tucanos querem chegar ao Planalto usando a “força pública paulista” como vanguarda armada? Quem será o comandante-em-chefe, Joaquim Barbosa?)

    (Outro tolice dita é que a polícia militar é menos corrupta que a civil. Bem não li pesquisa alguma sobre o tema, mas qualquer criança de 5 anos poderá dizer que justamente por serem de naturezas distintas – prevenção e repressão – a corrupção é percebida de modo diferente, porque atingem “clientelas” com diferentes capacidades de “colocar a boca no trombone”, dentre tantos outros motivos. Mas o “chute” do comentarista nem mereceria esta ressalva, pois é só um “chute” mesmo.)

    Desfazendo a manipulação, é bom dizer que a PEC 51 não extingue a presença ostensiva da polícia, pois sempre haverá um policiamento com uniforme e treinamento específico para tanto, com uma sensível diferença: a carreira será única, como demanda a própria atividade policial, que por si é de ciclo único, e não fragmentada em várias.

    Todas as polícias do mundo, com exceção de quatro ou cinco, têm apenas unidades ostensivas uniformizadas para patrulhamento de rua e ações táticas, mas são totalmente desmilitarizadas, e o recomendado é que os policiais não permaneçam mais que um determinado tempo nestas unidades, onde devem cumprir todas as etapas (funções) da carreira policial para chegar ao topo, inclusive funções burocráticas e de corregedoria.

    Roberto Kant de Lima, antropólogo, e precursor dos estudos sobre polícia, defende em sua tese de doutorado, publicada em 1982 (livro esgotado), A polícia da cidade do Rio de Janeiro, seus dilemas e paradoxos, um painel interessante sobre o tema, de onde podemos destacar:

    Não é possível um sistema jurídico-policial que produzam várias “verdades” que colidam entre si: A PM narra um fato (uma verdade) que depois confronta com o que foi apurado pela Polícia Civil no Inquérito Policial, e depois choca-se com o entendimento do Promotor na peça exordial, e por derradeiro, há a validação ou não do Judiciário na sentença.

    Junte-se a isto o esquema de “quatro polícias”, a dos oficiais e não-oficiais e a dos delegados e não-delegados, e pronto, temos um monstrengo que só se mexe seletivamente.

    Kant argumenta que este sistema de colisões é a raiz das mediações informais (corrupção), onde sempre haverá um “facilitador” para negociar saídas mais vantajosas.

    Ele diz ainda que a natureza segregadora e fragmentária deste sistema, já presente nos problemas inquisitoriais trazidos com as ordenações manuelinas e a criação de nossa Intendência Geral de Polícia (em 1808, com a chegada da Corte, horrorizada com tantos negros “à solta”), permeou toda a construção institucional do Estado policial e do Estado juiz brasileiro, e que de todo jeito, reflete outras instâncias de poder estatal, e por incrível que pareça, ainda assombram nosso estamento penal brasileiro.

    É um problema que a PEC 51 não deu conta, ou seja, como mudar o Código de Processo Penal para receber polícias com novos arranjos regulamentares, como definir a postura do Judiciário e MP neste novo acerto legal, etc.

    E como já escrevemos, é um debate que não pode ser adiado.

    Temos que inclusive que incentivar e tolerar certas manifestações que parecem totalmente deslocadas ou anacrônicas. É o preço da Democracia, SEMPRE!

    Saudações a todos.

  8. Complementando a entrevista

    PEC-51: revolução na arquitetura institucional da segurança pública

    Luiz Eduardo Soares (antropólogo, professor da UERJ)

    O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) acaba de apresentar a PEC-51, cuja finalidade é transformar a arquitetura institucional da segurança pública, um legado da ditadura que permaneceu intocado nos 25 anos de vigência da Constituição cidadã, impedindo a democratização da área e sua modernização.

    As propostas chave da PEC-51 são as seguintes: (1) Desmilitarização: as PMs deixam de existir como tais, porque perdem o caráter militar, dado pelo vínculo orgânico com o Exército (enquanto força reserva) e pelo espelhamento organizacional. (2) Toda instituição policial passa a ordenar-se em carreira única. Hoje, na PM, há duas polícias: oficiais e praças. Na polícia civil, delegados e não-delegados. Como esperar respeito mútuo, compromisso com a equidade e coesão interna desse modo? (3) Toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial (preventivo, ostensivo, investigativo). Sepulta-se, assim, a jabuticaba institucional: a divisão do ciclo do trabalho policial entre militares e civis. Por obstar a eficiência e minar a cooperação, sua permanência é contestada por 70% dos profissionais da segurança em todo o país, conforme pesquisa que realizei com Silvia Ramos e Marcos Rolim, em 2010, com apoio do Ministério da Justiça e do PNUD, na qual ouvimos 64.120 policiais e demais profissionais da segurança pública (cf. “O que pensam os profissionais da segurança no Brasil?” Relatório disponível no site do MJ). (4) A decisão sobre o formato das polícias operando nos estados (e nos municípios) cabe aos Estados. O Brasil é diverso e o federalismo deve ser observado. O Amazonas não requer o mesmo modelo policial adequado a São Paulo, por exemplo. Uma camisa-de-força nacional choca-se com as diferenças entre as regiões. (5) A escolha dos Estados restringe-se ao repertório estabelecido na Constituição –pela PEC–, o qual se define a partir de dois critérios e suas combinações: territorial e criminal, isto é, as polícias se organizarão segundo tipos criminais e/ou circunscrições espaciais. Por exemplo: um estado poderia criar polícias (sempre de ciclo completo) municipais nos maiores municípios, as quais focalizariam os crimes de pequeno potencial ofensivo (previstos na Lei 9.099); uma polícia estadual dedicada a prevenir e investigar a criminalidade correspondente aos demais tipos penais, salvo onde não houvesse polícia municipal; e uma polícia estadual destinada a trabalhar exclusivamente contra o crime organizado. Há muitas outras possibilidades autorizadas pela PEC, evidentemente, porque são vários os formatos que derivam da combinação dos critérios referidos. (6) A depender das decisões estaduais, os municípios poderão, portanto, assumir novas e amplas responsabilidades na segurança pública. A própria municipalização integral poder-se-ia dar, no estado que assim decidisse. O artigo 144 da Constituição, atualmente vigente, é omisso em relação ao Município, suscitando um desenho que contrasta com o que ocorre em todas as outras políticas sociais. Na educação, na saúde e na assistência social, o município tem se tornado agente de grande importância, articulado a sistemas integrados, os quais envolvem as distintas esferas, distribuindo responsabilidades de modo complementar. O artigo 144, hoje, autoriza a criação de guarda municipal, entendendo-a como corpo de vigias dos “próprios municipais”, não como ator da segurança pública. As guardas civis têm se multiplicado no país por iniciativa ad hoc de prefeitos, atendendo à demanda popular, mas sua constitucionalidade é discutível e, sobretudo, não seguem uma política nacional sistêmica e integrada, sob diretrizes claras. O resultado é que acabam se convertendo em pequenas PMs em desvio de função, repetindo vícios da matriz copiada. Perde-se, assim, uma oportunidade histórica de inventar instituições policiais de novo tipo, antecipando o futuro e o gestando, em vez de reproduzir equívocos do passado. (7) As responsabilidades da União são expandidas, em várias áreas, sobretudo na uniformização das categorias que organizam as informações e na educação, assumindo a atribuição de supervisionar e regulamentar a formação policial, respeitando diferenças institucionais, regionais e de especialidades, mas garantindo uma base comum e afinada com as finalidades afirmadas na Constituição. Hoje, a formação policial é uma verdadeira babel de conteúdos, métodos e graus de densidade. O policial contratado pela PM do Rio de Janeiro para atuar nas UPPs é treinado em um mês, como se a tarefa não fosse extraordinariamente complexa e não envolvesse elevada responsabilidade. A tortura e o assassinato de Amarildo, na UPP da Rocinha, não foram fruto da falta de preparo, mas do excesso de preparo para a brutalidade letal e o mais vil desrespeito aos direitos elementares e à dignidade humana. A tradição corporativa, autorizada por fatia da sociedade e pelas autoridades, impõe-se ante a ausência de uma educação minimamente comprometida com a legalidade e os valores republicanos. De que serve punir indivíduos se o padrão de funcionamento rotineiro é reproduzido desde a formação, ou no vácuo produzido por sua ausência? (8) A PEC propõe avanços também no controle externo e na participação da sociedade, o que é decisivo para alterar o padrão de relacionamento das instituições policiais com as populações mais vulneráveis, atualmente marcado pela hostilidade, a qual reproduz desigualdades. Assinale-se que a brutalidade policial letal atingiu, em nosso país, patamares inqualificáveis. Para dar um exemplo, no estado do Rio, entre 2003 e 2012, 9.231 pessoas foram mortas em ações policiais. (9) Os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança serão plenamente respeitados durante as mudanças. A intenção é que todos os policiais sejam mais valorizados pelos governos, por suas instituições e pela sociedade. (10) A transição prevista será prudente, metódica, gradual e rigorosamente planejada, assim como transparente, envolvendo a participação da sociedade.

    Por que a PEC-51 me parece decisiva? Por que considero indispensável e urgente a desmilitarização e a mudança do modelo policial? As respostas se apoiam na seguinte tese: o crescimento vertiginoso da população penitenciária no Brasil, a partir de 2002 e 2003, seu perfil social e de cor tão marcado, assim como a perversa seleção dos crimes privilegiados pelo foco repressivo, devem-se, prioritariamente, à arquitetura institucional da segurança pública, em especial à forma de organização das polícias, que dividem entre si o ciclo de trabalho, e ao caráter militar da polícia ostensiva. Devem-se também às políticas de segurança adotadas e não seria possível, no modo em que transcorre, se não vigorasse a desastrosa lei de drogas. Observe-se que a arquitetura institucional inscreve-se no campo mais abrangente da justiça criminal, o que, por sua vez, significa que o funcionamento das polícias, estruturadas nos termos ditados pelo modelo constitucionalmente estipulado, produz resultados na dupla interação: com as políticas criminais e com a linha de montagem que conecta polícia civil, Ministério Público, Justiça e sistema penitenciário. Pretendo demonstrar que a falência do sistema investigativo e a inépcia preventiva –entre cujos efeitos incluem-se a explosão de encarceramentos e seu viés racista e classista– são também os principais responsáveis pela insegurança, em suas duas manifestações mais dramáticas, a explosão de homicídios dolosos e da brutalidade policial letal.

    Há pressupostos e implicações teóricas em minha hipótese que devem ser explicitados, assim como uma interlocução subjacente com a tese popularizada por Loic Wacquant, em sua influente obra, As Prisões da Miséria (Jorge Zahar Editora). O autor sugere conexões funcionais entre a adoção do receituário neoliberal nos Estados Unidos e o aumento dramático das taxas de encarceramento, sobretudo de pobres e negros. O neoliberalismo, ao promover o crescimento do desemprego, o esvaziamento de políticas sociais e a desmontagem de garantias individuais, exigiria a criminalização da pobreza para aplacar as demandas populares e evitar a eventual tradução política da exclusão em protagonismo crítico ou insurgente. Se o exército de reserva da força de trabalho não é mais necessário, dadas as peculiaridades do sistema econômico globalizado que transfere a exploração do trabalho para países dependentes, ou apresenta riscos de converter-se em fonte de instabilidade política, torna-se conveniente canalizar contingentes numeros dos descartáveis para o sistema penitenciário. Não por acaso, os EUA viriam a produzir a maior população penitenciária do mundo. Certo ou errado para o caso norte-americano, o diagnóstico não se aplica ao Brasil. Entre nós, a epidemia do encarceramento coincide com os governos do PT, que poderiam merecer todo tipo de crítica, menos as de serem neoliberais, promotores de desemprego e do desmonte de políticas e garantias sociais. Pelo contrário, não resta dúvida quanto às virtudes sociais dos mandatos do presidente Lula, durante os quais houve redução das desigualdades e ampliação do emprego e da renda. Contudo, nunca antes na história desse país prendeu-se tanto. Atribuo a expanção do encarceramento à combinação entre as estruturas organizacionais das polícias, a adoção de políticas de segurança que privilegiaram determinados focos seletivos e a vigência, seguida da potencialização discricionária da Lei de drogas. Tudo isso em um contexto de crescimento econômico e dinamismo social que intensifica as cobranças por elevação do rendimento de todas as instituições. Para demonstrar minha tese, impõe-se um percurso argumentativo.

    I. Voracidade encarceradora enviesada e os circuitos da violência letal

    Entre 1980 a 2010, 1 milhão, 98 mil e 675 brasileiros foram assassinados. O país convive com cerca de 50 mil homicídios dolosos por ano. A maioria das vítimas são jovens pobres, do sexo masculino, sobretudo negros. Desse volume aterrador, apenas 8%, em média, são investigados com sucesso, segundo o Mapa da Violência, do professor Waiselfisz, publicado em 2012. Mas não nos precipitemos a daí deduzir que o Brasil seja o país da impunidade, como o populismo penal conservador e a esquerda punitiva costumam alardear. Pelo contrário, temos a quarta população carcerária do mundo e, provavelmente, a taxa de crescimento mais veloz. Ou seja, além de não evitar as mortes violentas intencionais e de não as investigar, o Estado brasileiro prende muito e mal. As prioridades estão trocadas. A vida não é valorizada e se abusa do encarceramento. A privação de liberdade, este atestado de falência civilizatória, para a qual ainda não dispomos de alternativa hábil, deveria ser o último recurso, exclusivamente para casos violentos, crimes contra a pessoa, quando o agressor representasse riscos reais para a sociedade. Hoje, temos 550 mil presos.

    Entre os presos, apenas cerca de 12% cumprem pena por crimes letais. 40% são provisórios. Dois terços dessa população, aproximadamente 367 mil, foram presos sob acusação de tráfico de drogas ou crimes contra o patrimônio. Fica patente que os crimes contra a vida, assim como as armas, não constituem prioridade. Os focos são outros: patrimônio e drogas.

    II. Estruturas organizacionais e práticas seletivas

    As PMs são definidas como força reserva do Exército e submetidas a um modelo organizacional concebido à sua imagem e semelhança, fortemente verticalizado e rígido. A boa forma de uma organização é aquela que melhor serve ao cumprimento de suas funções. As características organizacionais do Exército atendem à sua missão constitucional, porque tornam possível o “pronto emprego”, qualidade essencial às ações bélicas destinadas à defesa nacional.

    A missão das polícias no Estado democrático de direito é inteiramente diferente daquela que cabe ao Exército. O dever das polícias, vale reiterar, é prover segurança aos cidadãos, garantindo o cumprimento da Lei, ou seja, protegendo seus direitos e liberdades contra eventuais transgressões que os violem. O funcionamento usual das instituições policiais com presença uniformizada e ostensiva nas ruas, cujos propósitos são sobretudo preventivos, requer, dada a variedade, a complexidade e o dinamismo dos problemas a superar, os seguintes atributos: descentralização; valorização do trabalho na ponta; flexibilidade no processo decisório nos limites da legalidade, do respeito aos direitos humanos e dos princípios internacionalmente concertados que regem o uso comedido da força; plasticidade adaptativa às especificidades locais; capacidade de interlocução, liderança, mediação e diagnóstico; liberdade para adoção de iniciativas que mobilizem outros segmentos da corporação e intervenções governamentais inter-setoriais. Idealmente, o(a) policial na esquina é um(a) gestor(a) da segurança em escala territorial limitada com amplo acesso à comunicação intra e extra-institucional, de corte horizontal e transversal[1].

    A PM é um corpo de servidores públicos pressionado pelo governo, pela mídia, pela sociedade a trabalhar e produzir resultados, os quais deveriam ser entendidos como a provisão da garantia de direitos e a redução da criminalidade, sobretudo violenta, estabilizando e universalizando expectativas positivas relativamente à cooperação. Entretanto, resultados não são compreendidos nesses termos, seja porque interpõe-se a opacidade dos valores da guerra contra o inimigo interno, seja porque a máquina policial apenas avança para onde aponta seu nariz, por assim dizer. Em outras palavras, a máquina, para produzir, respondendo à pressão externa (crescente quando o país cresce e a sociedade intensifica cobranças, levando os governos a exigir mais produtividade de seus aparatos), precisa mover-se, isto é, funcionar, e só o faz segundo as possibilidades oferecidas por seus mecanismos, os quais operam em sintonia com o repertório proporcionado pela tradição corporativa, repassado nas interações cotidianas, nos comandos e no processo de socialização, o qual incorpora e transcende a formação técnica.

    A máquina funciona determinando às equipes de subalternos nas ruas, pelos canais hierárquicos do comando, ao longo dos turnos de trabalho, trajetos de patrulhamento, em cujo âmbito realiza-se a vigilância. A operacionalização depende da subserviência do funcionário que atua na ponta, ao qual se exige renúncia à dimensão profissional de seu ofício, à liberdade de pensar, diagnosticar, avaliar, interagir para conhecer, planejar, decidir, mobilizar recursos multissetoriais, antecipando-se aos problemas identificados como prioritários. A inexorável discricionariedade da função policial será exercida nos limites impostos pela abdicação do pensamento e do protagonismo profissional. Será reduzida ao arbítrio, porque descarnada da finalidade superior, que daria sentido à sua ação. O que restará ao policial militar na ponta, na rua? O que caberá ao soldado? Varrer a rua com os olhos e a audição, classificando personagens e biotipos, gestos e linguagens corporais, figurinos e vocabulários, orientado pelo imperativo de funcionar, produzir, o que significa, para a PM, prender. Ad hoc, no varejo do cotidiano, só resta ao soldado procurar o flagrante, flagrar a ocorrência, capturar o suspeito. Os grupos sociais mais vulneráveis serão também, no quadro maior das desigualdades brasileiras e do racismo estrutural, os mais vulneráveis à escolha dos policiais, porque eles projetarão preconceitos no exercício de sua vigilância. Nos territórios vulneráveis, a tendência será atuar como tropa de ocupação e enfrentar inimigos. Assim se explicam as milhares de execuções extra-judiciais sob o título cínico de autos-de-resistência, abençoados pelo MP sem investigação e arquivados com o aval cúmplice da Justiça, ante a omissão da mídia e de parte da sociedade.

    Por fim, o flagrante exige um tipo penal: na ausência da antiga vadiagem, está à mão a lei de drogas (e não só). Ou seja, pressionar a PM a funcionar equivale a lhe cobrar resultados, os quais serão interpretados não como redução da violência ou resolução de problemas, mas como efetividade de sua prática, ou seja, como produtividade confundida com prisões, contabilizada em prisões, aquelas mais prováveis pelo método disponível, o flagrante. O personagem, o biotipo, o rótulo,  o figurino, o território, a fala, a vigilância no varejo das ruas, a ação randômica em busca do flagra: não é preciso grandes articulações funcionais entre macro-economia e políticas sociais, a proporcionar sobrevida ao capitalismo. Basta a máquina funcionar. Ela não investiga, porque a fratura do ciclo, prevista no modelo, não permite. Ela está condenada a enxergar o que se vê na deambulação vigilante, em busca dos personagens previsíveis, que confirmem o estereótipo e estejam nas ruas, mostrem-se acessíveis. Ela vai á caça do personagem socialmente vulnerável, que comete determinados tipos de delito, captáveis pelo radar do policiamento ostensivo.

    Claro que a política criminal é decisiva, assim como a política de segurança, com suas escolhas de fundo, mas é indiscutível que cumprem papel determinante a militarização e a ruptura do ciclo do trabalho policial. A divisão do ciclo, no contexto da cultura corporativa belicista –herdada da ditadura e do autoritarismo onipresente na história brasileira–, cria uma polícia exclusivamente ostensiva, cuja natureza militar –fortemente centralizada e hierarquizada– inibe o pensamento na ponta, obsta a valorização do policial e de sua autonomia profissional, e mutila a responsabilidade do agente, degradando a discricionariedade hermenêutica em arbitrariedade subjetiva. A aprovação da PEC-51 não resolverá todos os problemas. Longe disso. Entretanto, pelos motivos expostos, constitui condição sine qua non para que eles comecem a ser enfrentados.


     

    [1] Este parágrafo foi escrito em parceria com Ricardo Balestreri para artigo que publicamos juntos na Folha de São Paulo, em 18 de maio de 2012, sob o título, “A Raiz de nossos problemas de segurança”.

     

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