Cesar Locatelli
César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.
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Devemos comemorar os dados da Segurança Pública?, por César Locatelli

Entre cada 10 mulheres assassinadas, praticamente 9 foram vítimas do companheiro ou do ex-companheiro. O relatório registrou 1,206 vítimas de feminicídio, um aumento de 4%.

Devemos comemorar os dados da Segurança Pública?

 por César Locatelli

Em 2018, matamos 4,5 vezes mais que a média mundial. Estupramos 4 meninas de até 13 anos por hora. Os casos de violência sexual cresceram 4,1%, chegando ao número de 66.041: “o maior já registrado”. Foi registrado um caso de violência doméstica a cada dois minutos. As Polícias mataram 6,220 pessoas, número 19,6% superior ao registrado em 2017. Homem (99,3%), negro (75,4%) e jovem entre 15 e 29 anos (77,9%) é o padrão dos mortos pelas Polícias.

A bem da verdade, parece não haver motivos para rojões com os dados divulgados ontem (10/9), no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Bem ao contrário. Comparemos a taxa de 27,5 homicídios, por 100 mil habitantes, registrada para 2018 com o gráfico de mais longo prazo, publicado pelo Escritório de Drogas e Crimes das Nações Unidas.

A linha mais escura no gráfico abaixo mostra um crescimento exponencial, desde os anos 1970, da taxa de homicídios. A série começa com taxa inferior a 7 mortes por 100 mil homicídios e termina, pouco mais de 40 anos depois, com mais de 28% em 2015, taxa praticamente igual à divulgada ontem (27,5%) para 2018.

Os brasileiros mataram 27,5 pessoas para cada 100 mil habitantes, em 2018. A taxa registrada no ano anterior, 2017, foi de 30,8. Reparemos que a taxa de 27,5 é muito próxima àquelas anteriores a 2016.

Caiu de um ano para outro? Sim. É a menor taxa desde 2014? Sim. No entanto, parece impróprio comemorar uma taxa de homicídios que é 4,5 vezes superior à taxa mundial, 9 vezes superior à taxa europeia, 60% superior à taxa de homicídios das Américas e que quadruplicou em 40 anos.

Vejamos o que ocorreu em números absolutos. Foram registradas neste anuário 57.314 mortes violentas intencionais (MVI) em 2018. Esse número, considerando uma pequena margem de erro, é praticamente igual aos números registrados em 2014 (59.730) e 2015 (58.459). O que fortalece a afirmação de que os homicídios de 2017 (61.597) e 2018 (64.021) foram pontos fora da curva e voltamos ao padrão, altíssimo, dos anos anteriores.

Igualmente aflitivos são os casos de violência doméstica (263.067) e de estupros (66.041). Além do alto crescimento no número de estupros (+4,1%), é assustador que mais da metade (53,8%) dos estupros tenham como vítimas crianças de até 13 anos: “4 meninas de até 13 anos estupradas por hora”, afirma o Anuário.

O quadro abaixo mostra as mortes de policiais e as mortes decorrentes de intervenções policiais. O número de policiais assassinados foi de 343, sendo que 256 foram mortos fora de serviço e 87 em serviço, em outras palavras, 3 entre 4 mortes de policiais aconteceram em 2018 quando o policial não estava em serviço. O estudo ressalta que houve “mais policiais vítimas de suicídio do que no horário de trabalho”, foram 104 suicídios contra 87 assassinatos em serviço.

Por outro lado, as mortes decorrentes de intervenções policiais cresceram 19,6% em relação a 2017: foram 6,220 vítimas em 2018, o que equivale a dizer que “11 a cada 100 mortes violentas foram provocadas pelas Polícias”. Homem (99,3%), negro (75,4%) e jovem entre 15 e 29 anos (77,9%) descreve a grande maioria dos mortos pelas Polícias.

Entre cada 10 mulheres assassinadas, praticamente 9 foram vítimas do companheiro ou do ex-companheiro. O relatório registrou 1,206 vítimas de feminicídio, um aumento de 4%. “Em 88,8% dos casos o autor foi o companheiro ou o ex-companheiro”.

Parecem tiros a esmo, mas os pontos do gráfico abaixo são determinados por gastos anuais com segurança pública de cada estado brasileiro, no eixo horizontal, e taxa de homicídios, no eixo vertical. Seria de se esperar que o aumento de gastos com segurança provocasse a queda na taxa de homicídios. Não é o que se verifica nesse gráfico pela absoluta dispersão dos pontos. A correlação entre gasto e taxa de homicídios é zero. “É bastante sugestiva acerca da baixa efetividade desses dispêndios”, diz Daniel Cerqueira, no artigo “13 razões porque”, no anuário.

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Cesar Locatelli

César Locatelli, economista, doutorando em Economia Política Mundial pela UFABC. Jornalista independente desde 2015.

2 Comentários

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  1. Os números sao importantes. No entanto, roubo e furto são crimes que têm impacto direto na sensação de segurança. Como há muita subnotificaçao, são desprezados. E é aí que chega a ser irritante a ma vontade de se fazer pesquisas regulares de vitimização.

    Ficam olhando so pra homicídio porque são os números mais confiáveis, afinal, tá la o corpo estendido. Além da interpretação oportunista, dá margem pra tremendos equívocos bem intencionados.

  2. 1978. Os números tem uma explosão crescente e ininterrupta. 1978. Da Anistia. Da volta de Elites Esquerdopatas que estavam exiladas. Da formação de Governos e implantação de políticas desta vertente ideológica. Coincidência? Afinal estamos na Pátria das Coincidências.

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